domingo, novembro 27, 2016

O piloto, cadê o piloto?




Gente ruim, medíocre, arrogante, venal e desonesta ocupa os palácios, as residências, os aviões, os carros e todo ativo oficial – seja federal, estadual ou municipal. Além de usar e abusar de mordomias e nepotismo, mete a mão no dinheiro público sem o menor pudor ou receio. Com uma audácia que faria a corte de Luís XVI parecer republicana. Gasta como se fizessem parte da corte sideral de um rei colocado no posto pela mão divina. E criaram um mundo de fantasia que, como uma bolha impenetrável, os isola da realidade, do dia a dia de trabalho e sacrifício, ou de renúncias e carências do homem comum, do cidadão que vai à luta para sobreviver.

A crise econômica tem solução. Os brasileiros não só acreditam nela como fazem a sua parte cotidianamente, numa rotina que resiste à expansão do desemprego, à queda do valor da renda, ao desaparecimento dos clientes, ao encolhimento dos negócios, ao crédito oferecido com taxas de agiotagem, às relações de troca desiguais, às incertezas, que causam imensa preocupação, mas não desânimo. O brasileiro comum é um forte, exceto na hora de votar.

Pode-se discordar e até abominar algumas das propostas que o governo, sem autonomia (felizmente) para decidir tudo isoladamente, propôs a um parlamento corrupto, desidioso, relapso, preguiçoso e incompetente, Ele é a pedra no meio do caminho da recuperação da marcha batida que o Brasil precisa adotar para se recompor e voltar a embalar num ritmo adequado às suas carências, em sintonia com suas potencialidades. Mas é pior sem ele, fechado à base de baionetas nada caladas, como é usual no Brasil.

O maior problema é agora o político, o que não devia ser, já que seu motor é a vontade o desejo, a disposição de fazer. Temer repete Dilma: demite um ministro atrás do outro, a cada nova crise, provocada por denúncias de malfeitos. Para Dilma eram até proveitosas as defecções: assim ela se livrava da influência dominante e já opressiva de Lula. Mas lhe faltava o talento do antecessor para criar sua própria base de sustentação no Congresso. Arrogante autoritária e com o vezo de sabichona, ela cavou o buraco no qual se afundou.

Já Temer, raposa passada na casca de alho, achou que bastava esperteza, relações públicas e espírito de corpo para ir levando os problemas na flauta, indiferente à urgência de atos concretas para estancar as hemorragias financeiras do país. Esqueceu que lhe falta a condição necessária para essa postura: a condição de chefe. O Brasil entrou no redemoinho encapelado, como na imagem de Guimarães Rosa sobre o sertão. Endemoniado, pois.

O futuro que desconhecemos


Por Diógenes Brandão

Embora discordando a tese de que o atual governo era melhor do que o anterior e que "está se esforçando para imprimir um pouco mais de racionalidade na gestão pública e nas relações entre Executivo e Legislativo", trago o artigo do professor da UNESP, Marco Aurélio Nogueira, publicado no Estadão, por considerar que boa parte de sua reflexão importa para o discernimento do que estamos vivenciando no país da piada pronta.

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As últimas semanas foram tão fartas de ruídos e atritos que ganhou corpo a imagem de um País fora de controle. Não foram poucos os que anteviram o apocalipse, falando em golpe militar, impeachment de Temer, fim da Lava Jato, insurreição popular, “ocupações” sucessivas que sitiariam o sistema.

Alguns fatos alimentaram o catastrofismo. Num dia, 50 direitistas invadem a Câmara dos Deputados falando em ditadura e fechamento do Congresso. Em outro, o ministro da Cultura se demite por não aceitar pressões indevidas do ministro Geddel Vieira Lima, uma gota a mais no oceano de corrupção e tráfico de influência que inundou o País. A denúncia abalou o governo Temer, que preferiu desgastar-se mais um pouco para não pôr em risco sua base parlamentar. O ministro Geddel demitiu-se ontem, mas o estrago já estava feito.

A discussão sobre a PEC dos gastos e a reforma da Previdência incrementa o pessimismo, pois seus efeitos serão certamente dolorosos e impulsionam retóricas finalistas, nas quais o povo pobre é visto como dramaticamente afetado. Para complicar, a economia continua a patinar, o desemprego persiste, o consumo está estagnado, Trump venceu nos EUA e vão começar as delações da Odebrecht. A discussão sobre o caixa 2 mostra a disposição de muitos deputados (de variados partidos, PT incluído) de aliviar crimes como lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.

Tudo vai sendo acomodado às pressas na ideia de que golpistas maldosos e políticos hipócritas estão a patrocinar a desmontagem das conquistas sociais e do progresso do País. O cenário não corresponde por inteiro à realidade profunda, mas enfeitiça muitos brasileiros, que se deixam arrastar pelo ativismo frenético ou pelo desinteresse conformista.

Há muita desorientação na parte mais ativa da sociedade. Políticos, partidos, lideranças, intelectuais, ativistas parecem mais interessados em definir a que nicho pertencem do que em criar zonas de entendimento. Faltam-lhes ideias e ousadia, sobram raiva, ressentimento e indignação. Há protestos e ocupações de direita e de esquerda e as diferentes tribos que as protagonizam se consideram iluminadas. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul são só a ponta de um enorme iceberg. O colapso fiscal dos Estados põe a Federação em crise. Para onde quer que se olhe, o cenário é complicado.
No meio dessa mixórdia de vozes dissonantes, a gigantesca maioria dos brasileiros deseja seguir com a vida sem muitos sobressaltos, mas a essa maioria não é oferecida nenhuma análise fundada em discernimento, serenidade e visão de futuro.

O governo Temer não é pior do que o governo que tínhamos até ontem, ou anteontem. Em certos aspectos, chega até a ser melhor. Está se esforçando para imprimir um pouco mais de racionalidade na gestão pública e nas relações entre Executivo e Legislativo. Carece, porém, de eixo. Sua composição o fragiliza, sustentada que está pela preocupação de evitar divisões na base parlamentar. As circunstâncias não o favorecem: o cenário global é instável, o nacional é uma incógnita. As instituições, ainda que valorizadas, não conseguem domar o País, cuja complexidade é um desafio. Vista de Brasília, a sociedade se mostra distante, quase um borrão no mapa, quando deveria ser a razão mesma do Estado.

O governo caminha sobre o fio de uma lâmina afiada, agarrado exclusivamente a uma meta de ajuste e reorganização das contas. Seu discurso é raso, não comove nem mobiliza. Não parece ter outras políticas, o que o deixa trôpego e vacilante diante de um contínuo turbilhão de problemas, conflitos e ameaças.

Se as coisas estão assim tão desgraçadamente ruins, o razoável é que se reduzissem as polarizações brutas e as simplificações maniqueístas feitas a partir de uma visão grosseira de esquerda e direita, e se buscasse adquirir uma articulação democrática superior que propusesse algo de positivo, com os pés no chão. Poucos, porém, cogitam disso.

Houve quem comemorasse a prisão de Garotinho e Sérgio Cabral, e houve quem se aproveitasse dela para denunciar a “mídia oligopolizada”, bater na PF e na Lava Jato, defender os direitos humanos. Ficou difícil entender a situação. Aplaudir prisões expressa um desejo de vingança. Explorá-las para atacar a Justiça é um erro político.

Demonizar a “mídia oligopolizada” virou clichê em parcela da esquerda. É uma fantasia para processar o que nos desagrada ou atenuar o medo ancestral que nos assusta. Impede que se compreendam a complexidade e o caráter contraditório dos fenômenos midiáticos atuais. Quanto mais se insiste nisso, mais a análise fica ideológica, sem objetividade.

Alguns dos que batem na Justiça, no MP, na PF e na Lava Jato dizem que as operações anticorrupção existem para perseguir o PT. Outros querem simplesmente salvar a pele. Ambos os lados falam em “criminalização” da política e não se importam em defender o indefensável. As denúncias contra o arbítrio, o abuso de autoridade e o desrespeito à integridade da pessoa – que sempre devem ser consideradas com atenção – terminam assim por engrossar um caldo de cultura que esvazia e deslegitima o combate à corrupção.

Pode-se não gostar de Moro, das conduções coercitivas e dos procedimentos de delação premiada, achar que extrapolam o razoável, mas o esforço deveria estar concentrado em avaliar seus efeitos e resultados. Por vias que incomodam alguns, a Lava Jato e outras operações judiciais estão revolvendo as entranhas do sistema político brasileiro, enfiando a faca na relação entre empreiteiras, governos e partidos, desnudando práticas e manobras ilícitas de enriquecimento e financiamento político, mostrando o prejuízo que causam ao País.

Se o sistema político e partidário não sobreviver a essas operações, é porque está tão bichado que não merece seguir respirando. Não deveríamos ter tanto medo do futuro que desconhecemos.

*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp.

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O PT no divã


Por Maurício Moraes*, no Tribuna de Debates

Está na hora das lideranças e da militância decidirem o que querem ser.

O resultado do primeiro turno das eleições municipais foi o golpe derradeiro de 2016 na militância do PT. Há dois anos, petistas seguem resilientes em mares bravios, com impeachment, Petrobras, PF e tudo o que o noticiário apresenta, com muitas convicções, mas nem sempre com muitas provas.

A artilharia é diária e vem de todo lado, à direita e à esquerda. A perda de prefeituras importantes, em especial a derrota acachapante do partido em São Paulo, foi o anúncio que alguns tentavam adiar: chegou a hora de rediscutir e relançar o PT.

Assim que fecharem as urnas do segundo turno e o mapa político do Brasil pós-impeachment estiver definido, será chegada a hora fatal de o PT deitar no divã.

Os espasmos na base já começaram. Alguns setores pedem a renúncia das direções nacional e estaduais, um novo congresso e o fim do PED, o processo eleitoral interno do PT, em uma espécie de reforma política do PT. As propostas encontram resistência em outros campos, sobretudo em setores majoritários que compõem o atual establishment petista.

Não se trata necessariamente de se opor à dirigência de Rui Falcão ou à corrente dominante, a Construindo um Novo Brasil (CNB). A questão vai além: é geracional. Para novos tempos de PT é necessária uma direção com novas ideias, práticas e soluções para tempos adversos. Uma direção que consiga fazer a autocrítica e avaliar os erros do partido.

É preciso conversar, francamente, sobre práticas da velha política adotadas pelo PT uma vez no governo. Falar, sim, sobre corrupção. E quando se fala em geracional, é preciso lembrar que hoje boa parte da juventude petista também se tornou velha nas ideias, respaldando sem questionar práticas de nossos caciques vermelhos.

É preciso, portanto, uma nova geração de dirigentes que insira o PT em debates contemporâneos, como o de direitos humanos, nova ordem econômica, sustentabilidade e desenvolvimento, segurança internacional, novos formatos de organização política e política de drogas, para enfrentar os tempos áridos que se iniciam. É preciso se reconectar com as periferias, buscar a paridade de gênero.

Desde o início da grande crise do PT, Lula tratou de liderar o grupo, historicamente diverso. A disputa interna no PT continuou ferrenha. Só que foram-se os tempos em que o objeto de disputas eram teses formuladas pelas diversas correntes petistas.

Correntes mais à esquerda até buscaram emplacar caminhos alternativos, mas no geral boa parte do embate se deu por espaços e cargos irrelevantes, puxadas de tapete gratuitas, em uma briga que mais se assemelha a eleição de diretório acadêmico do que ao que se espera do maior partido de esquerda das Américas.

O avanço da Lava Jato sobre Lula deve não só retirar o ex-presidente da disputa eleitoral em 2018. Os efeitos serão mais amplos. É dado como certo que as “sempre fortes convicções da Lava Jato” devem culminar na prisão do ex-presidente ou na impossibilidade de que ele dispute as eleições.

Com Lula fora do jogo, o PT segue em mares bravios, mas com seu principal capitão mais ocupado em fazer sua defesa do que em apresentar a renovação do projeto político do PT, embora haja dúvidas se mesmo o ex-presidente teria a capacidade de atualizar a agenda petista como o esperado. Em suma, a crise do PT não é só conjuntural, é uma crise de ideias.

O PT precisa decidir o que quer ser. Continuará apostando que será o grande protagonista da esquerda, reeditando com sucesso seu atual modelo? Vai se dar conta de que diminuiu e formará uma frente de centro-esquerda com outros partidos, reconhecendo o êxito de legendas menores como o PSOL na condução de tradicionais bandeiras petistas?

Ou vai se dar por satisfeito em ser um PSB na política, um partido que um dia já foi esquerda e hoje é só mais uma agremiação oportunista na colcha de retalhos da política brasileira?

Se quiser se manter grande na política, a missão do PT é, mais uma vez, captar o zeitgeist, o “espírito do tempo”, na expressão do filósofo alemão Geord Hegel, o espírito dos anseios da sociedade em determinado momento histórico. No fim dos anos 1970, Lula e os sindicalistas do ABC captaram o zeitgeist da época, criando um partido de trabalhadores em meio à decadência do regime militar, a fim de ganhar protagonismo na redemocratização. Voltou a perceber o espírito do tempo nos anos 1990, ao reajustar sua perspectiva e trilhar o caminho rumo à presidência.

O PT de hoje, no entanto, é um partido deslocado de seu tempo. Deslocou-se por estar no governo e se deixar burocratizar. Deslocou-se porque não renovou seus quadros. Tem uma base aflita, militante, que sonha com mudanças estruturais.

Uma base de esquerda que nunca recebeu mensalinhos e que critica o setor financeiro enquanto vê dirigentes que um dia foram sindicalistas se tornarem amigos de banqueiros e não titubear em convidá-los para festas luxuosas com direito a foto na coluna social. O PT é hoje um partido que tem uma dirigência desconectada de sua base social. Isso ajuda a explicar o resultado de 2016.

E na base, por sua vez, o sentimento muitas vezes é de desânimo e de alienação. Petistas ou se retiram do debate, escondidos em suas bandeiras, não acreditando no estado de coisas. Ou vivem em uma bolha, fazendo altos debates retóricos, brigando por detalhes, reproduzindo o velho sectarismo alienante da esquerda e sua arrogância característica, enquanto a direita empurra sua agenda de desmonte dos direitos sociais como a PEC 241, que vai congelar os investimentos em saúde e educação por duas décadas.

A autoanálise do PT não será rápida e será dolorida. Mas talvez seja a última chance de o PT recuperar e manter sua capacidade de influir na agenda brasileira, não com conchavos de gabinetes, mas com um debate legítimo que surja das ruas e represente os anseios dos trabalhadores e da classe média.

Para tanto, é preciso reconhecer o lugar inglório que a conjuntura reservou ao PT, ser humilde no debate, reconhecer erros e começar a construir a nova fase do PT. E a velha guarda vai ter de entender que, se quiser manter o projeto petista, terá de abrir espaço para uma nova geração que capte o espírito do tempo, o tal do zeitgeist. Aguardamos com ansiedade.

**Maurício Moraes é jornalista, mestrando em Administração Pública no King’s College (Londres). Ativista de direitos humanos e LGBT, foi secretário de governo em Araçoiaba da Serra (SP) e candidato a deputado federal pelo PT.

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