terça-feira, janeiro 19, 2016

Suspeitas do assassinato da família Buchinger em Altamira, lembra o "caso Richthofen"


Por Diógenes Brandão

O assassinato de três membros da mesma família revoltou os moradores de Altamira, cidade do extremo oeste paraense, que abriga a maior parte dos trabalhadores que constroem a usina hidroelétrica de Belo Monte. 

O motivo da comoção social foi a crueldade praticada contra o casal (Luiz Alves e Irma Buchinger) e o filho mais velho (Ambrósio Neto) mortos por asfixia durante uma possível tentativa de assalto dentro da própria casa da família, na madrugada do dia 7 de janeiro. O casal foi asfixiado com fitas adesivas e o filho, enforcado com cadarço de sapato. Os outros dois filhos foram algemados e trancados no banheiro, mas conseguiram escapar e pediram ajuda, mas os demais já estava mortos.

A família era proprietária de lojas no centro comercial da cidade e as suspeitas eram de um assalto e desde então, a polícia estava à caça dos assassinos e na madrugada desta terça-feira (19), efetuou a prisão de três acusados de envolvimento na morte da família, dois em Altamira e um terceiro, no município de Itaituba, na mesma região, no estado do Pará. 


Durante a manhã desta terça (19), os suspeitos que tiveram a prisão decretada foram ouvidos na Seccional de Altamira, pelo delegado Vinicius Dias, que é responsável pelas investigações do caso. A novidade é o envolvimento do filho do casal, Henrique Alves, que segundo informações extra-oficiais seria o quarto suspeito de envolvimento no assassinato. 

Segundo informações apuradas por fontes deste blog, na cidade em que aconteceu e apura-se o crime, um policial presente no interrogatório teria dito em um grupo de uma mídia social, de que o assassinato teria sido encomendado pelo filho mais novo do casal. 

A motivação teria sido pelo fato de que a mãe descobriu que ele era homossexual e cortou-lhe algumas regalias. Aborrecido, ele teria roubado o cartão da mãe e foi passear em salinas com o namorado. Quando retornou para casa, levou um sermão dos pais e do irmão mais velho, quem estava regulando o dinheiro da sua mesada. Por isso, Henrique teria planejou o assassinato dos pais e do irmão mais velho, assim como contratado os criminosos para dar desfeito em todos, menos na sua irmã, que até agora não se tem certeza do envolvimento no crime.

Caso Buchinger lembra o caso Richthofen

O homicídio e consequente investigação e julgamento das mortes de Manfred e Marísia von Richthofen, casal assassinado pelos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos a mando da filha Suzane von Richthofen, aconteceu no dia 31 de outubro de 2002, em um dos bairros mais nobres da capital paulista.

Suzane e Daniel conheceram-se em agosto de 1999 e começaram um relacionamento pouco tempo depois. Ambos tornaram-se muito próximos, mas o namoro não tinha o apoio das famílias, principalmente dos Richthofen, que proibiram o relacionamento. Suzane, Daniel e Cristian então criaram um plano para simular um latrocínio e assassinar o casal Richthofen, assim os três poderiam dividir a herança de Suzane.

No dia 31 de outubro de 2002, Suzane abriu a porta da mansão da família no Brooklin, em São Paulo, para que os irmãos Cravinhos pudessem acessar a residência. Depois disso eles foram para o segundo andar do imóvel e mataram Manfred e Marísia com marretadas na cabeça.

Suzane e Daniel Cravinhos foram condenados a 39 anos e 6 meses de prisão; Cristian Cravinhos foi condenado a 38 anos e 6 meses de reclusão.

Prefeito de Belém implanta transporte fluvial excludente



Por Francisco Sidou,  no blog do Espaço Aberto, sob o título "A grande e tardia sacada".

Ao elogiar a iniciativa do prefeito Zenaldo Coutinho (e de sua secretária da Semob, doutora em "mobilidade urbana") em promover inauguração festiva de uma linha fluvial urbana Icoaraci/Belém de um barco só (vejam na foto de Adriano Magalhães, da Agência Belém), e ao salgado preço de R$ 10, renomado colunista "por dentro" dos fatos festeja o alcaide dizendo que ele descobriu um verdadeiro "Ovo de Colombo" . Como é que ninguém pensou nisso antes? - deveria também ter perguntado o ilustre jornalista.

Ovo de Colombo é uma expressão popular que significa que algo muito difícil de se realizar, embora pareça muito fácil depois de concretizado. É também uma metáfora usada para se afirmar que qualquer um poderia realizar o feito.

Na verdade, vimos pregando no deserto a ideia do transporte fluvial urbano, como melhor saída para o sufocante tráfego de Belém, há mais de 20 anos. Não reivindicamos qualquer título ou medalha, muito menos o epíteto de "pai da criança". Sempre defendemos ideias de melhorias para Belém , como uma espécie de cronista não oficial da cidade, apontando problemas, mas, também, indicando sugestões e ações prospectivas de gestão.

Na década de 80, como jovem repórter de "A Província do Pará", cobrimos uma coletiva com os então também jovens técnicos japoneses da Consultoria Internacional Jica , quando apresentaram seu Projeto de Desenvolvimento do Tráfego Urbano (PDTU) para Belém, após dois anos de pesquisas e estudos criteriosos, com aquele rigor e seriedade que são marcas características da cultura japonesa.
Com base em premissas técnicas, alertavam então que Belém poderia "travar " por volta do ano (então longínquo) de 2010, caso não fossem adotadas as medidas, obras e serviços listados em seu bem elaborado Plano.

Lembramos claramente que, dentre as obras programadas para desafogar os principais corredores de tráfego da cidade (os mesmos de hoje), constavam dois anéis viários, um no Complexo do Entroncamento e outro no Largo de São Brás, ambos com elevados que permitiam o fluxo contínuo do tráfego, sem sinais de três/quatro tempos, de nenhum tempo. Elevados nos principais cruzamentos da Av. Almirante Barroso - Lomas e Humaitá.

Na Bandeira Branca previa um túnel com duas pistas para facilitar o acesso à Ceasa dos veículos pesados e evitando novos sinais na Almirante Barroso. Outra recomendação: construção de Terminais de Integração, um em São Brás e outro na atual Praça "Waldemar Henrique". Também indicavam a adoção do metrô de superfície então já existente em várias cidades com mais de 1 milhão de habitantes.

Quantos gestores tivemos desde então? Seis ou sete? Nenhum deles procurou dar continuidade ao Plano da Jica, preferindo marcar sua "passagem" com alguma obra que pudesse chamar de sua.

O prolongamento da João Paulo II (outra obra planejada pelo PDTU dos japoneses) também ficou pela metade e não ajuda (ao contrário, até complica) em desafogar o gargalo infernal do Complexo do Caos, que virou o Entroncamento. A única obra positiva foi construída com verba federal pelo governo do Estado, que é a Nova Independência, facilitando o acesso à BR-316, sem passar pelo Entroncamento de cerca de 20 mil veículos, diariamente. As demais iniciativas como pretensas soluções para os problemas de mobilidade urbana, apenas os tem agravado, como intervenções do tipo de inversão de mão em algumas vias, cocadas baianas e tartarugas do asfalto, como balizadores do trânsito, entre outras ações típicas da improvisação e da falta de continuidade no planejamento e na gestão do tráfego da cidade.

Em Belém circulam hoje cerca de 500 mil veículos (na época do PDTU dos japoneses da Jica eram apenas 100 mil ) e a cada mês mais dois mil veículos são liberados para rodar praticamente pelas mesmas e já congestionadas ruas. As vias de uma cidade são como as veias do corpo humano: quando entopem provocam o colapso do organismo. Todos sabem, menos as "autoridades competentes", que a solução para os graves problemas de mobilidade urbana de Belém não virá com o sistema BRT, cuja execução atabalhoada só tem contribuído para ampliar os problemas enfrentados diariamente pela população. Além disso, já foram consumidos mais de R$-200 milhões e a obra continua emperrada, atrapalhando o tráfego ao invés de desafogá-lo.

A solução natural e menos onerosa sempre foi a criação de linhas fluviais urbanas interligando Belém a Mosqueiro/Icoaraci/Outeiro/Combu e ilhas, utilizando-se o enorme potencial das abundantes águas que rodeiam a cidade como vias naturais. Mas isso, os "coronéis do atraso" sempre teimaram em não admitir. Há dois meses foi aberta uma licitação para a primeira linha fluvial Icoaraci/Belém. Sabe-se apenas que os donos de ônibus não gostaram da ideia e fizeram chegar seu descontentamento a quem de direito. Então, a Semob informou apenas que a licitação foi considerada "deserta", por falta de interessados...

Agora, ao 'inaugurar" a linha fluvial de elite Icoaraci/Belém, ao preço de R$-10 a passagem, o prefeito, com assistência técnica de sua assessora doutora em mobilidade urbana, anuncia nova licitação, a ser aberta nesta segunda-feira, 18 de janeiro, para uma linha fluvial urbana com "preços populares"(sic) ...

Perguntar não ofende. Então:

1) - Por que só um dia depois dos festejos dos 400 anos de Belém ocorreu essa descoberta do "Ovo de Colombo" de que o transporte fluvial urbano seria uma "grande sacada"?

2) - Por que não houve planejamento e estudos de viabilidade econômica a tempo de se inaugurar efetivamente o transporte fluvial urbano interligando Belém a Mosqueiro/Outeiro/Icoaraci/Belém como presente e como parte dos festejos comemorativos aos 400 anos de Belém?

A improvisação e a falta de planejamento adequado podem acabar matando no nascedouro mais uma boa ideia, como é o caso da "saída" pelas águas para os problemas graves de mobilidade urbana de Belém. Passagem a R$10 reais é para turista, não para os trabalhadores, estudantes, aposentados e donas de casa que usam transporte coletivo para se deslocar para o trabalho ou estudo em Belém.

Transporte coletivo fluvial urbano requer no mínimo passagens com valores aproximados dos ônibus, algo em torno de três a quatro reais. E também que seja operado de modo contínuo, com saídas de 30 em 30 minutos, no máximo.

Como anunciado, apenas com um barco operando, a preços para turistas, o "Ovo de Colombo" pode acabar se transformando em "Ovo da Serpente", no sentido da frustração que pode gerar na população, após o "bombardeio" da propaganda e dos elogios da mídia camarada em trombetear a "grande sacada" tardiamente anunciada aos quatro ventos.

FRANCISCO SIDOU é jornalista
chicosidou@hotmail.com.

segunda-feira, janeiro 18, 2016

‘Jornalista’ que chamou Chico de ‘ladrão’ e ‘canalha’ pede desculpa


Na Folha

O antiquário e jornalista paulista João Pedrosa enviou uma carta a Chico Buarque de Hollanda pedindo desculpas por afirmar que o cantor tinha “orgulho de ser ladrão”.


Ele tomou a decisão depois que Pedrosa postou uma mensagem no perfil de uma de suas filhas do cantor, Silvia Buarque, no Instagram. Ela havia publicado uma foto em que aparece, pequena, ao lado do pai e da irmã, Helena. “Família de canhalhas!!! Que orgulho de ser ladrão!!!”, escreveu Pedrosa.


Na carta, enviada também à coluna e ao Painel do Leitor da Folha, Pedrosa afirma que errou e se excedeu. Diz acreditar que tanto ele quanto Chico querem “a mesma coisa para os brasileiros por vias opostas”. A do cantor “é o socialismo, e a minha, o capitalismo”.

Escreve que sua “revolta” e “indignação” com o momento atual do país são extremas e que por isso cometeu o erro de xingar a família do compositor. “Espero que acredite que o meu arrependimento é sincero”, afirma.



A íntegra da carta:

“Carta a Chico Buarque e família,

Estou escrevendo essa carta para me desculpar, se isso for possível. Eu errei e me excedi ao insultar a sua família. Infelizmente a política brasileira nos colocou em campos opostos, assim como acontece com toda a nação.

Quero crer que nós queremos a mesma coisa para os brasileiros por vias opostas, uma vida digna e próspera. A sua via é o socialismo, e a minha, o capitalismo. Desde a eleição da presidente, o Brasil entrou numa espiral negativa de ódio de classes, racial e política, que mergulhou o Brasil num caminho de decadência econômica, moral e social inegáveis, que eu acredito tragicamente irreversíveis, foi isso que motivou o meu ódio, e o meu comentário errado e infeliz.

O meu insulto foi motivado por sua associação ao PT e ao MST, são eles que eu considero ameaça à nossa dignidade e nossa democracia. Fui motivado pelas mulheres que estão dando à luz nas calçadas, aos velhos sem atendimento nos chãos dos hospitais, e principalmente, aos milhões de pais de famílias impedidos de darem pão e dignidade às suas famílias e vidas, enquanto os políticos patrocinam copas e olimpíadas, e o enriquecimento, e poder pessoal deles.

Espero que acredite que o meu arrependimento é sincero, e eu afirmo que é, mas também são extremos a minha revolta e indignação com o nosso momento atual, foi isso que motivou o meu erro. 

Sem mais, sinceramente,

João Pedrosa”

sexta-feira, janeiro 15, 2016

Os vendilhões da indignação e a auditória da dívida pública

A notícia do dia foi que a presidente Dilma Rousseff vetou a proposta apresentada pelo PSOL para que fosse realizada uma auditoria da dívida pública federal, com a participação de entidades da sociedade civil. Só que muita gente acaba reproduzindo o que a mídia e a oposição dizem e escondem o que significa os termos que fazem parte deste debate que poucos conhecem a fundo ou sabem explicá-lo para a população.

Via Samba do Avião, sob o título "Os vendilhões da indignação".

Somos um país, talvez um planeta de indignados. "É um absurdo" é das frases mais comuns; uma charge argentina de alguns anos atrás mostrava um casal: um lendo alto no jornal sobre o cometa Shoemaker-Levy, que explodiria sobre Júpiter com a força de dez mil bombas atômicas. O outro responde: "Absurdo! Cadê o governo que não faz nada!?"  Alguém dirá que é melhor do que o conformismo, mas essa indignação fácil não é ativa, não é direcionada. Não é, em outras palavras, em nada diferente do conformismo. E é vendida, ativamente, o tempo todo, além de ser reforçada "digrátish" pela internet. Dois exemplos brasileiros:

A Folha anuncia Roupa doada a vítimas das chuvas em Paraitinga vai parar no lixo. Lendo a matéria, entende-se que 

A) Como a tragédia teve repercussão nacional e S. Luís do Paraitinga é minúscula, as roupas foram em quantidade muito maior do que a suficiente para cada morador de lá ter um closet maior do que o da Angela Merkel. 

B) As roupas em excesso, após a distribuição, foram endereçadas a vários galpões de empresários que se voluntariaram para encaminhá-las a entidades assistenciais em outras plagas.

C) O galpão em que as roupas apodreciam encaminhou a roupa que estava em boas condições para uma entidade de Campinas, e não conseguiu foi achar jeito hábil de se livrar das roupas já rotas, sujas, ou já mofadas. 

Em resumo, é uma não-notícia. Talvez pudesse ser notícia "parte das roupas doadas a S. Luís do Paraitinga estava em mal estado." Mas é claro que isso não alcançaria a indignação fácil no mesmo nível da sugestão de que roupas doadas mofaram ao invés de ser entregues a seus destinatários de direito, reforçando a percepção de corrupção generalizada e que, por sua própria onipresença, leva ao desânimo, não à ação. (A Folha não menciona, por supuesto, nessa ação de desinformação, o partido da prefeita de SLP. Ganha um bico esponjoso e colorido quem adivinhar.)

Na outra ponta do espectro político, uma imagem recorrente nas correntes de email, facebook ou twitter da esquerda brasileira é esta aqui:


Olhem que estarrecedor! Quase a metade do orçamento brasileiro vai para o pagamento dos juros da dívida - ok, e amortizações, que devem ser outra variedade de juros em tecniquês. De qualquer jeito, é evidente que o governo títere dos bancos, se quisesse, poderia declarar a moratória, ou a redução dos juros, e incontinenti sobraria dinheiro para saúde, educação, e tudo o mais.

Pois bem, a imagem mente que nem uma matéria da Folha sobre São Luís do Paraitinga. "Amortizações" se refere à rolagem da dívida. Explicando: a dívida brasileira não é como uma dívida que tenhamos no banco, mas sim uma massa imensa de dívidas e títulos. Como o Brasil não tem superávit nominal, à medida que estes vão vencendo, são pagos e contrata-se igual quantidade de dívida, por mais 1, 2, 4 ou 20 anos. A isso chama-se "rolagem," e o efeito total no dinheiro disponível é zero. Para fazer a conta refletida no gráfico acima, integraram os pagamentos de juros - o dinheiro gasto efetivamente - e a rolagem ("amortizações"). Pôr a rolagem na conta de gastos é, mal comparando, como se você não pagasse a conta integral do cartão de crédito e contasse tudo que ficou devendo como gasto mensal, ao invés de apenas o que está pagando.

Ora, um gráfico equivalente da receita federal teria, pela mesma lógica, que incluir a dita cuja. Em outras palavras teria como maior fonte de receitas, com proporção similar à das despesas, "empréstimos bancários." Para ficar claro: ainda que decretasse uma moratória, com todos os efeitos negativos dela consequentes, o governo não teria quase o dobro do dinheiro de que dispõe, mas uns 10% a mais. A proporção do orçamento brasileiro gasta com juros da dívida é alta e vergonhosa, mas não chega nem à metade daquela mostrada nesse gráfico, e assemelha-se àquela gasta com a previdência.  Tentando explicar de outro jeito: o Brasil não está pegando 100 mariolas de imposto e dando 40 pros bancos. Ele está pegando 65 mariolas de imposto, 35 mariolas emprestado dos bancos, e pagando 40 mariolas pros bancos. Se declarar a moratória, como não vai ter mais banco dando dinheiro, ele não fica com 40 mariolas a mais, fica com 5. (Isso num ano normal; ano passado, com nada.)

É até uma questão de não subestimar a inteligência alheia nem crer na maldade abnegada: se a proporção fosse essa mesma, qualquer governante declararia a moratória, dobraria o orçamento disponível com uma canetada, e instauraria um Reich de mil anos. Dilma, Lula, e FH seriam não apenas perversos, mas perversos dispostos a sacrificar o próprio poder (e riqueza, se quiser ir por esse lado - imagine a Odebrecht com um orçamento da União dobrado) pra ferrar com o país.

Não que eu imagine, pela grita sobre a diminuição dos juros da poupança, que boa parte das pessoas de classe média que repassa esse gráfico, detentoras de poupanças e fundos de renda fixa, ficasse assim tão feliz com a moratória, ou mesmo queda acentuada dos juros (esta sim sendo uma excelente ideia). Ou alguém acha que na Suíça se ganha 6% ao ano em aplicação segura? Ou que os próprios títulos não estariam incluídos na tal moratória, e sim só os "dos ricos" (que sempre são os outros). Mas não seria só a classe média que sofreria os efeitos dum calote. A quebradeira bancária teria efeitos negativos em toda a economia do país - o que reduziria as receitas tributárias, anulando a vantagem de economizar as atuais despesas com juros. Nunca é demais lembrar: ao contrário do Equador ou da Grécia, no Brasil a maior parte da dívida é interna, não externa. É devida a instituições e pessoas brasileiras.

E pra deixar claro: em termos econômicos, a "auditoria cidadã," que é vendida como uma redenção da pátria que anularia a dívida contraída por meios escusos, seria apenas um calote com motivação política. Não estou dizendo que não houve dívida contraída por motivos escusos (segurar o dólar em 1998 pra reeleição foi no mínimo eticamente questionável), mas que a auditoria é tanto desnecessária quanto irrelevante. (E sinceramente, quem divulga o gráfico acima não é confiável. Ou entende como funciona dívida pública, e acha que os fins justificam meios desonestos, ou não entende.)

Primeiro a irrelevância: não sei se fui claro ao descrever a rolagem. O que ela significa é que a dívida que estamos pagando hoje NÃO é a dívida contraída por FH, Itamar, Collor, ou mesmo Lula, em sua maior parte. São papéis relativamente novos, contraídos para pagar a dívida que vencia. De novo a analogia do cartão de crédito (vamos ver até onde dá pra forçar sem que ela quebre): pense numa pessoa que tem dois cartões de crédito, e usa um para pagar o outro. Dizer ao banco Mansa Musa que a compra feita no banco Maeda estava errada, quando você só sacou dinheiro no banco Mansa Musa, vai fazer com que este perdoe a sua dívida? Agora imagine que não tem só Maeda e Mansa Musa nessa cadeia, mas entre eles o Fugger, o Médici, a Mendes, uns trocentos elos. Por que o banco com quem você pegou dinheiro ontem, pra pagar a dívida de antes de ontem, perdoaria essa dívida se você demonstrar que láaaa atrás a dívida original era ilegítima?

E a desnecessidade, que é até mais importante: se não se preocupar com os efeitos econômicos, o Brasil não precisa de absolutamente auditoria nenhuma para pagar a sua dívida soberana. É isso que "soberano" significa. O Brasil é um país independente, e os tempos das canhoneiras européias estacionadas no porto para forçar pagamento (o Haiti sofreu bastante com isso) estão no passado. Se Dilma quiser declarar moratória (o nome técnico pro que se chama de calote, e o resultado almejado de uma auditoria cidadã), pode fazer isso porque sim. Porque acordou de mau humor. Como forma de performance artística, chamando a Marina Abramovic pra ler o decreto.

E as auditorias na Grécia e no Equador? Bem, elas demonstram o ponto: as duas não foram absorvidas pelo mercado de dívida como algum tipo de perdão bancário, mas como calote. Os juros pagos subiram após essa moratória parcial. A denúncia das condições escusas das quais se originou o endividamento, do sistema-mundo iníquo, não vão sensibilizar o coração de quem importa, que é o dono da dívida. Ela pode servir, no máximo, como justificativa política para uma moratória - que, de novo, o país pode fazer sem nenhuma auditoria, no dia que quiser. O problema é que o Brasil já quis, mais de uma vez, e em nenhuma dessas vezes o resultado final foi lá tão bom (lembrando de novo que o gasto público com a dívida não é de 40% do orçamento, e sim abaixo de 10 - e ano passado foi zero). A última foi em 1987, sob o Sarney. Sim, aquele Sarney. Não que uma moratória seja sempre a pior opção - na Grécia, ou na Argentina, recentemente houve crises de dívida realmente insustentável. Mas quem fala em auditoria da dívida tem que ter em mente que o efeito econômico, qualquer que seja a justificativa política, é complicado.

A auditoria da dívida é sedutora porque lida com duas narrativas da simplicidade. A primeira é o diagnóstico: não aconteceu uma situação complexa e difícil de entender pra se chegar aonde estamos, o que aconteceu foi que homens maus nos feriram, e depois que os denunciarmos, os exorcizarmos, jogarmos um balde de água na cara deles até que derretam, vamos nos redimir. A segunda é o prognóstico: pra resolver a situação, não precisamos de resolver problemas complicados. Não há interesses divergentes, entre os bons, para serem conciliados. Depois de denunciarmos e pisarmos nos maus, todos os bons viverão felizes  na Cocanha. (Sim, dobrar o orçamento federal sem nenhum efeito negativo daria uma bela duma Cocanha.) É sedutor, mas - como o gráfico de pizza, como a maioria das soluções simples - é mentira.

PS O faq do movimento auditoria cidadã tem esta pequena resposta à questão da rolagem:

MENTIRA. Frequentemente, pessoas ligadas ao governo afirmam que parte destes 40,3% seria apenas “rolagem” ou “refinanciamento” da dívida, ou seja, o pagamento de amortizações (principal) da dívida por meio da emissão de novos títulos (nova dívida). Portanto, isto seria apenas uma troca de títulos velhos por novos, não representando custo para o país. Porém, a recente CPI da Dívida realizada na Câmara dos Deputados revelou que grande parte desta “rolagem” ou “refinanciamento” contabilizada pelo governo não representa pagamento de principal, mas sim, o pagamento de juros. Portanto, a capacidade de endividamento do país está sendo utilizada para pagar juros e encher o bolso dos bancos, ao invés de, por exemplo, financiar a melhoria da saúde, educação, transportes, etc. 

Bem, ela é confusa, na melhor das hipóteses. Dizer que é rolagem não significa dizer que se está pagando o "principal" da dívida (de novo, não há um principal no sentido de uma dívida privada). Não é um julgamento de valor, como o embutido nessa resposta, mas uma definição da coisa. Significa dizer que o dinheiro para esse pagamento está vindo de novos empréstimos, e não de impostos arrecadados, só. Nem foi necessária pra ver isso a CPI da dívida - que, aliás, já fez basicamente o que uma auditoria teria para fazer, com todos os recursos do Congresso. O relatório está aqui. As informações sobre a dívida não são secretas, podem ser consultadas na internet a qualquer momento, o que faz da invocação da CPI um artifício retórico, assim como falar da saúdeeducação.

PPS Repetindo: já foi feita auditoria da dívida, pelo Congresso Nacional, eleito pelo povo (pode ser uma bosta a democracia, mas inda não achei a opção melhor), com todos os seus recursos. O pedido de outra "auditoria," por gente que parece pouco disposta a fazer perguntas e mais a apresentar respostas prontas, é antes um pedido de moratória versão apito de cachorro. Nada contra - mas que se apresente, ao invés de meias verdades, os prós e contras reais de uma moratória.

quinta-feira, janeiro 14, 2016

França libera dados e CPI do HSBC pode ser desenterrada. Paulo Rocha silencia

Paulo Rocha, Randolfe Rodrigues e delegados da PF em audiência da CPI do HSBC: melancólica | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil.

Por Diógenes Brandão

Em Março de 2015, este blog trouxe aos seus leitores a saudável informação do surgimento de uma CPI para investigar quem usou o HSBC para sonegar impostos. Menos de três meses depois, em Junho, divulgamos que a CPI do HSBC poderia terminar em pizza, que revelou o mal estar da sociedade brasileira após a notícia de que o presidente da CPI do HSBC, senador Paulo Rocha (PT-PA) conduziu à decisão da "desquebra" do sigilo fiscal e bancário de vários dos correntistas brasileiros, que mantinham contas secretas na Suíça, após as revelações do caso que ficou conhecido mundialmente como SwissLeaks.

Em setembro do mesmo ano, a postagem CPI do HSBC: "Poder econômico pressiona senador a não investigar", trouxe a informação publicada no portal IG, de que o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (ex-PSOL-AP), renovava suas críticas sobre parte dos membros da CPI que, segundo ele, trabalhavam contra a investigação e o estariam fazendo supostamente sob influência do poder econômico. 

“Existe uma pressão do poder econômico sobre os membros da CPI e existe um esvaziamento proposital da CPI”, disse à época o senador, que concluiu sua coleta de assinaturas para renovação da CPI, cujo prazo de funcionamento terminava no dia 21 de setembro e até aquele momento, nem o presidente da CPI, senador Paulo Rocha (PT-PA) havia assinado o requerimento de renovação daquela Comissão Parlamentar de Inquérito que ele mesmo preside.

O editor deste blog, junto com mais 28 blogueiros brasileiros encaminharam ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) uma carta (leia aqui), solicitando acesso à lista e dados dos 8.667 clientes brasileiros do HSBC na Suíça.

Na última sexta-feira (08), o site do Senado Federal publicou "Sem acesso a documentos, CPI do HSBC vai antecipar o encerramento dos trabalhos" e a TV senado fez uma síntese do processo e já dava como encerrada a questão. Tudo porque as 12 reuniões deliberativas e sete audiências públicas realizadas foram consideradas insuficientes para levar os integrantes da comissão a conclusões consistentes sobre o caso.


O blog AS FALAS DA PÓLIS festeja novamente a informação divulgada pelos meios de comunicação e através das redes sociais de vários parlamentares, como o autor da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) que informou que o governo Francês, a exemplo do Ministério Público da Suiça - que revelou a existência das contas de Eduardo Cunha naquele país - repassará a lista dos correntistas do HSBC à CPI que já estava sendo sepultada pelos senadores que a compõem.



Com essa informação rodando deste ontem (13), este blog volta a estranhar o fato do senador Paulo Rocha (PT-PA) não ter manifestado qualquer posição sobre a ressurreição da CPI que ele preside e estava paralisada e condenada a um cortejo fúnebre deprimente, com a alegada falta destas importantes informações, que agora serão trazidas com a lista disponibilizada pelo governo Francês.

Leia Lista de correntistas brasileiros do HSBC na Suíça deve ser entregue a CPI, na RBA.

Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do requerimento de criação da comissão, dados darão uma sobrevida aos trabalhos do grupo

O governo francês aceitou o pedido da CPI do HSBC, do Senado, e decidiu que vai compartilhar os dados de correntistas brasileiros do banco na Suíça, vazados no escândalo conhecido como Swissleaks. O material já está com a Receita Federal e a Procuradoria Geral da República. “Ao contrário do que diziam, a CPI está renascendo das cinzas. A partir das informações oficiais, a investigação pode avançar com segurança”, afirmou o relator da comissão Ricardo Ferraço (PMDB-ES).

Em julho de 2015, as autoridades francesas negaram o acesso da CPI aos dados, sob o argumento de que a comissão não teria poder criminal, prerrogativa do acordo de cooperação com o Brasil para o compartilhamento de dados. Sem sucesso nos requerimentos para obter os dados, no mês passado os senadores, que compõe a grupo, decidiram antecipar o fim  dos trabalhos. Ferraço, no entanto, por discordar da medida, não havia apresentado ainda o relatório final dos trabalhos, cuja votação oficializaria o fim dos trabalhos da CPI.

Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do requerimento de criação da comissão, os dados darão uma sobrevida aos trabalhos do grupo, que tem até o dia 30 abril para serem concluídos. “Foi uma CPI péssima, onde a maioria de seus membros só se dedicou a obstruir as investigações. Ocorre que a principal argumentação que se fazia para que as investigações não avançassem era que a CPI não tinha dados oficiais da França. Essa desculpa, desde ontem, está sepultada. Agora não tem mais desculpa para não convocarmos e avançarmos nessas investigações”, disse.

“Isso era o que estávamos perseguindo desde o início da CPI para dar prosseguimento às investigações. Agora, com essa legalização da lista, temos como aprofundar e avançar na análise dos dados e nas quebras de sigilos necessárias”, disse o presidente da CPI, senador Paulo Rocha (PT-PA).

A CPI do HSBC foi instalada em 24 de março de 2015, depois que arquivos vazados da filial suíça do banco mostraram a movimentação de mais de US$ 100 bilhões. Parte desse valor, US$ 7 bilhões, foi distribuída em 5.549 contas abertas por clientes brasileiros.


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terça-feira, janeiro 12, 2016

O único presente pelos 400 anos de Belém foi um bolo



Êh, ô, ô, vida de gado
Povo marcado
Êh, povo feliz!                                    
                     Trecho da música "Admirável gado novo", de Zé Ramalho.

Todo ano é a mesma coisa: O povo de Belém é humilhado com um bolo de 100 metros que é devorado em poucos minutos. 


Milhares de mãos de famintos se cruzam de forma surreal em cima de um balcão para capturar um pedaço do "presente".

domingo, janeiro 10, 2016

A quem serve a classe média indignada?



Por Marcelo Coelho, na Folha.

Cientista político e presidente do Ipea rejeita, em novo livro, interpretações do Brasil como a de Sérgio Buarque de Holanda. Negando a ideia de que jeitinho e corrupção sejam exclusividades nacionais herdadas da colonização, aponta o "racismo de classe" e o abandono dos excluídos como raízes dos problemas do país.

Confusão entre o público e o privado, compadrio, herança católica portuguesa, predomínio das relações pessoais e familiares sobre o sistema de mérito, corrupção. Ao contrário do que em geral se pensa, nada disso é característica exclusiva do Brasil.

Para Jessé Souza, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha), criou-se no Brasil, à esquerda e à direita, um legado de equívocos a partir do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda (1902-82), que merece ser classificado como um verdadeiro "complexo de vira-lata".

Para o professor de ciência política na UFF (Universidade Federal Fluminense), que acaba de lançar "A Tolice da Inteligência Brasileira" [Leya, 272 págs., R$ 39,90, e-book, R$ 26,99], a intelectualidade do país tende a idealizar as sociedades capitalistas avançadas, imaginando que em países como Estados Unidos ou França predomine a plena igualdade de oportunidades e a completa separação entre o Estado e os interesses privados. Mas o peso das origens familiares, do capital cultural acumulado ao longo de gerações, das pressões empresariais sobre o poder público está presente, diz ele, em qualquer país capitalista.

Autor de estudos sobre Max Weber (1864-1920) e Jürgen Habermas, Jessé Souza desenvolve, em "A Tolice da Inteligência Brasileira", um sofisticado argumento teórico para mostrar de que modo o conceito weberiano de "patrimonialismo" –fundamento das críticas de Raymundo Faoro (1925-2003) à imobilidade do sistema social brasileiro e ao fracasso do capitalismo e da democracia entre nós– não foi originalmente pensado para ter aplicação nas sociedades modernas.

Ao interesse teórico que marcou o início de sua carreira, Jessé Souza tem acrescentado, nos últimos anos, um intenso trabalho de investigação empírica, do qual resultaram livros como "Os Batalhadores Brasileiros: Nova Classe Média ou Nova Classe Trabalhadora?" (editora UFMG, 2010), e "A Ralé Brasileira: Quem É e Como Vive" (ed. UFMG, 2009).

O problema da economia e da democracia brasileiras, argumenta Souza, não nasce de supostas deficiências culturais que tenhamos frente aos países desenvolvidos, mas da incapacidade do sistema para integrar um vasto contingente de excluídos, a quem faltam não apenas recursos materiais, mas equipamentos básicos de educação, autoestima e cidadania.

A lição de Florestan Fernandes, em especial de seu livro de 1964, "A Integração do Negro na Sociedade de Classes" (ed. Globo), é das poucas que saem preservadas do implacável julgamento crítico de "A Tolice da Inteligência Brasileira", repleto de palavras duras contra Roberto DaMatta, Fernando Henrique Cardoso e outros mestres do pensamento social entre nós.

Folha - As ciências sociais brasileiras –com influência no discurso da imprensa e das classes médias– têm insistido no conceito de "patrimonialismo": a prática de tratar bens públicos como se fossem propriedade de uns poucos personagens com acesso permanente ao poder político. Você critica esse conceito, chamando-o de "conto de fadas para adultos". Poderia explicar?

Jessé Souza - O conceito de patrimonialismo foi contrabandeado de Max Weber sem a menor preocupação com a contextualização histórica que é fundamental em Weber. Acho que isso está bem fundamentado no livro, mas a "incorreção científica" não é a questão principal aqui.

O patrimonialismo só sobrevive como um conceito que quer dizer alguma coisa em um contexto que pressupõe o complexo de vira-lata do brasileiro. Essa é a questão principal. É só porque se imagina, candidamente, que existam países onde não há a apropriação privada do Estado para fins particulares –os EUA para os liberais brasileiros seriam esse paraíso– que se pode falar de patrimonialismo como particularidade brasileira.

Imagine a meia dúzia de petroleiras americanas, que mandavam no governo Bush filho, atacando o Iraque, com base em mentiras comprovadas, pela posse do petróleo. E com isso matando milhões de pessoas e desestabilizando a região até hoje com consequências funestas que todos vemos.

Quer melhor exemplo de apropriação privada do Estado para fins de lucro de meia dúzia sem qualquer preocupação com as consequências? A verdadeira questão é sempre em nome de que e de quem se apropria do Estado: para o lucro de meia dúzia –como foi a regra no Brasil e que é a real motivação do impeachment de hoje– ou para a maioria da sociedade.

Minha tese é a de que, no Brasil, o patrimonialismo serve para duas coisas bem práticas:

1) A primeira é demonizar o Estado como ineficiente e corrupto e permitir a privatização e a virtual mercantilização de todas as áreas da sociedade, mesmo o acesso à educação e à saúde, que não deveria depender da sorte de nascer em berço privilegiado;

2) Serve como uma espécie de "senha" de ocasião para que o 1% que controla o dinheiro, a política (via financiamento privado de eleições) e a mídia em geral possa mandar no Estado mesmo sem voto. Não é coincidência que tenha havido grossa corrupção em todos os governos, mas apenas com Getúlio, Jango, Lula e Dilma, governos com alguma preocupação com a maioria da população, é que a "senha" do patrimonialismo tenha sido acionada com sucesso. Somos ou não feitos de tolos?

A corrupção no Brasil, segundo muitos analistas, teria causas culturais, originadas na tradição ibérica e católica. Qual a sua discordância com relação a essa tese?

Essa versão é falsa. Ela é "pré-científica", já que examina o fenômeno da transmissão cultural nos termos do senso comum que pensa mais ou menos assim: "Se meu avô é italiano, então também sou". Depende. A língua comum facilita certas interações, mas o decisivo e o que efetivamente constrói os seres humanos são as influências das instituições, como a família, a escola, a economia e a política.

No Brasil, desde sempre, temos a escravidão como uma espécie de "instituição total" que determinou um tipo muito peculiar de família, de religião, de poder político, de exercício da justiça, de produção econômica, tudo isso muito distinto de Portugal, que desconhecia a escravidão, a não ser de modo muito tópico e localizado.

A Igreja Católica, por exemplo, tinha muito poder e continha o mandonismo dos grandes senhores. Aqui o "senhor de terras e gente" mandava em tudo sem peias. O Brasil desde o ano zero foi, portanto, uma sociedade singular, apesar de colonizada por Portugal. Mas foi a partir desse engano que se criou uma ciência culturalista frágil e superficial, baseada no senso comum que hoje ganha a mente e os corações dos brasileiros de tão repetida por todos.

O mais importante é que essa falsa ciência que constrói o brasileiro como inferior –posto que ligado ao "corpo" como emotividade e sexo, se opondo ao europeu e americano que seriam o "espírito", intelecto e moralidade distanciada– serve a interesses políticos. Esse racismo pela cultura só substitui o "racismo racial" clássico, mantendo todas as suas funções de legitimar privilégios.

Na dimensão internacional, a intelectualidade brasileira dominante, colonizada até o osso, engole o racismo cultural e torna ontológica a suposta inferioridade brasileira; na dimensão interna e nacional, serve para separar "classes do espírito", como a classe média "coxinha", que seria "ética", posto que escandalizada com o "patrimonialismo seletivo" criado pela mídia, e as classes populares, tidas como "amorais", posto que guiadas pelo interesse imediato.

Essa espécie de "racismo de classe", falso de fio a pavio, é o fio condutor do empobrecido debate público brasileiro.

Você é muito crítico com relação a um dos formuladores desse "culturalismo", Sérgio Buarque de Holanda. As teses de "Raízes do Brasil" foram expostas em 1936. Será que ao menos naquela época a crítica a um Estado sem meritocracia, baseado no favoritismo e nas relações familiares, não era correta?

Eu gostaria antes de tudo de saber onde fica esse país maravilhoso, formado apenas pelo mérito, que não favorece ninguém e onde relações familiares não decidem carreiras. Quem conhecer, por favor, me avise. Eu passei boa parte de minha vida adulta em países ditos "avançados" e nunca conheci um assim. A própria crença de que exista algo assim prova como o racismo e a "vira-latice" tomou conta de nossa alma.

Sérgio Buarque de Holanda é o pai desse liberalismo amesquinhado e colonizado brasileiro. É necessário sempre separar a "pessoa" da "obra" e de seus efeitos sociais, que são o que importa. O liberalismo é fundamento importante da democracia, mas existem várias maneiras de ser liberal, e a nossa maneira é a pior possível.

Buarque criou a semântica do falso conflito que permite encobrir todos os conflitos sociais verdadeiros entre nós e que nos faz de tolos até hoje. A absurda separação entre um Estado demonizado como corrupto e ineficiente e o mercado como reino de todas as virtudes, quando os dois no fundo são indissociáveis, só serve como mote para a meia dúzia que manda no Brasil e controla o dinheiro, a política e a informação via mídia virar o país de ponta-cabeça só para ter mais dinheiro no bolso.

Como não se pode dizer que o que se quer é uma gorda taxa Selic e o acesso "privado" às riquezas brasileiras, como petróleo e ferro, para essa meia dúzia, então diz-se que é para acabar com o "mar de lama", sempre só no Estado, se ocupado por partidos populares, e sempre seletivamente construído via mídia conservadora em associação com as instituições que querem aumentar seu poder relativo vendendo-se como "guardiãs da moralidade pública".

É esse discurso que transforma milhões de pessoas inteligentes em tolas. Essa parcela da classe média conservadora é explorada por esse 1% que lhe vende os milagres da privatização brasileira: a pior e mais cara telefonia do globo, por exemplo, campeã de reclamações. De resto, todos os bens e serviços produzidos aqui são piores e mais caros. Mas dessa espoliação da classe média por um mercado superfaturado que vai para o bolso do 1% mais rico ninguém fala.

O filho do "coxinha" quer ter acesso a uma boa universidade pública, e o avô dele, quando está doente e o plano não paga, tem que ir ao SUS para doenças graves e tratamentos caros. Um Estado fraco só serve ao 1% mais rico que pode ficar ainda mais rico embolsando a Petrobras a preço de ocasião. O "coxinha" só é feito de tolo.

A classe média "coxinha" que sai às ruas tirando onda de campeã da moralidade, por sua vez, explora e rouba o tempo das classes excluídas a baixo preço para poupar o tempo do trabalho doméstico e investir em mais estudo e mais trabalho valorizado e rentável.

Luta de classes não é só cassetete na cabeça de trabalhador. É uma luta silenciosa e invisível (para a maioria) que implica monopólio de recursos para as classes privilegiadas e condenações à miséria eterna para a maioria dos 70% que não são da classe média ou do 1% mais rico. A fanfarra do patrimonialismo e da corrupção só do Estado serve, antes de tudo, para tornar essas lutas invisíveis.

Como você vê a obra de Roberto DaMatta nesse contexto?

A obra dele, que reflete fielmente as discussões de botequim de todo o Brasil, foi uma tentativa de "modernizar" Buarque. O mais irritante é que esse pessoal "tira onda" de crítico ao repetir as platitudes do Estado patrimonial e do "jeitinho" como prova da queda ancestral do brasileiro médio para auferir vantagens por relações de conhecimento com poderosos.

A tese central de DaMatta, que se tornou uma espécie de "segunda pele" do brasileiro médio, é a de que a hierarquia social brasileira é fundada no capital social de relações pessoais. Essa seria a peculiaridade brasileira que viria de épocas ancestrais. Desde que a gente reflita duas vezes, essas teses caem como castelo de cartas. Se não, vejamos.

O leitor que nos lê conhece alguém com acesso a relações pessoais com pessoas poderosas sem, antes, ter capital econômico ou capital cultural? Se o leitor conhecer, então DaMatta tem razão na sua tese do jeitinho.

Como desconfio de que o leitor não conhece ninguém assim, então o que DaMatta faz é tornar invisível a distribuição injusta de capital econômico e cultural e, com isso, sepultar qualquer reflexão sobre a origem social de toda desigualdade.

Para completar supõe –no fundo a cândida e infantil crença nos Estados Unidos como paraíso na terra– que existam países onde o capital em relacionamentos não decida previamente a vida da maior parte das pessoas. Teoria mais frágil e colonizada impossível. Mas é ela que faz a cabeça do brasileiro médio hoje.

Ao lado do "culturalismo conservador", você critica o economicismo de raiz marxista. Quais as suas restrições a esse modelo explicativo?

É que o capitalismo não é só troca de mercadorias e fluxo de capital. É preciso, por isso, superar o economicismo, seja liberal, seja marxista. O capitalismo é também um sistema social e moral que avalia todo mundo e que humilha e despreza uns e enobrece e legitima a felicidade de outros.

É essa hierarquia social "invisível" (mas cuja realidade o estudo empírico pode mostrar) que diz o que é certo e errado, verdadeiro ou falso. O capitalismo é, portanto, um sistema de classificação e desclassificação que predetermina quem ganha e quem perde e legitima esses lugares.

No livro, que resume meus 35 anos de trabalho teórico e empírico sobre esses temas, procurei mostrar que esses sistemas de classificação são os mesmos para Brasil e Argentina, do mesmo modo como atuam na França ou na Inglaterra.

A peculiaridade do Brasil é a tolerância com o abandono da classe dos excluídos que chamo provocativamente de "ralé". Todos nossos problemas –insegurança, baixa produtividade, serviços públicos de má qualidade– advêm do esquecimento dessa classe.

A corrupção existe em todos os países, você diz. Mas certamente há diferenças de grau entre a Dinamarca, digamos, e o Brasil.

A corrupção é endêmica ao capitalismo. Se corrupção for enganar o outro, então o capitalismo é certamente mais engenhoso que qualquer outro sistema social.

O que outros países como a Dinamarca ou Alemanha não têm é a corrupção "pequena" –a única que o cidadão feito de tolo enxerga no cotidiano– do agente público mal remunerado, como os policiais entre nós. Existem também arranjos institucionais mais ou menos bem-sucedidos.

O Brasil ganharia com o financiamento público de eleições e com uma reforma política que tornasse mais transparente a relação com a economia. É nisso que falta avançar. Mas é preciso mesmo ser muito ingênuo para não perceber que a "grossa corrupção", a que drena capitais e privilégios para uma pequena minoria, é universal. Dilma tentou comprar essa briga no Brasil, enfrentando o grande capital especulativo. Hoje fica claro que esse pessoal não a perdoou pela ousadia.

Suponha-se que Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Roberto DaMatta estejam errados ao atribuir a uma particularidade brasileira, a um vício cultural católico português a inexistência de um sistema de mérito real, de uma real impessoalidade do Estado e de uma legítima situação de igualdade de oportunidades no Brasil. Mesmo que essa situação não corresponda à realidade de um país como os Estados Unidos, que esses autores idealizam, será que essa crítica não expressa um desejo de transformação importante? Em vez de anular o valor dessa crítica, poderíamos alargar sua dimensão estendendo-a a outros países.

O único caminho seguro, na vida pessoal ou na coletiva, é a verdade. Não se pode pensar uma sociedade e suas contradições alargando uma concepção falsa desde os pressupostos. Nem há razão para isso.

O livro mostra, creio eu, que é possível um novo caminho para a percepção do Brasil e de suas singularidades. Um caminho que não vise apenas preservar os privilégios absurdos de uma pequena elite socialmente irresponsável, legitimados por uma pseudociência, mas que possa, inclusive, recuperar a inteligência viva dessa mesma classe média que é hoje manipulada a agir contra seus interesses.

Você diz que as classes médias, predominantes nas manifestações de junho de 2013, são feitas de tolas quando compram automóveis com o triplo da taxa de lucro dos países europeus, pagam taxas de juros estratosféricas e usam serviços de celular entre os mais caros e ineficientes do mundo. Mas não teriam razão, do ponto de vista de seus interesses, ao reclamar de impostos que são uma parcela enorme do preço de bens como veículos automotores e geladeiras?

A estrutura de impostos no Brasil tem de ser efetivamente revista no sentido de evitar impostos indiretos em produtos e serviços e atingir mais a renda diferencial, e, muito especialmente, o patrimônio. Desse ponto de vista, ela pode ter um pouco de razão.

Mas o ponto mais importante para a tolice da classe média é que o Estado funciona como arrecadador de impostos, antes de tudo, para bancar e garantir a drenagem de recursos arrecadados da sociedade como um todo para a meia dúzia de plutocratas que manda na economia, na política via financiamento de eleições e na mídia. O pagamento de juros para essa meia dúzia e seus colegas estrangeiros –o único aspecto que ninguém nem sequer pensa em cortar em ocasiões de crise– compromete, por exemplo, o investimento em educação e saúde de qualidade para todos.

O plutocrata vai aos EUA se operar se for preciso e manda o filho estudar em Miami ou na Suíça, como acontece realmente hoje em dia. A classe média que sai às ruas para apoiá-lo precisa do SUS quando a chapa esquenta e só conta com a universidade pública aqui mesmo para o filho. Ao mesmo tempo, paga os serviços e produtos mais caros e de menor qualidade relativa do globo no nosso mercado superfaturado. Esse "extra" também é um imposto que sai da classe média direto para o bolso da elite econômica. Mas dele nunca se fala.

Essa classe média, portanto, é espoliada pela elite por mecanismos tanto de Estado quanto de mercado, e é ela que depois sai às ruas para defender os interesses dessa mesma elite usando o espantalho seletivo da corrupção apenas estatal.

Essa é a real história da tolice pré-fabricada entre nós.

O sentimento anti-Estado e pró-mercado tende a ser conservador e perverso no Brasil. Mas não poderíamos acusar a esquerda, em especial o PT, de um excessivo "estatismo", não no sentido econômico, mas no de considerar que a transformação social poderia vir de uma simples conquista do poder político pelo partido de esquerda? Em vez de privilegiar formas de auto-organização e de capilarização do partido nas periferias, o PT procurou agir "a partir de cima", e não "a partir de baixo". Como resultado, vemos nas periferias todo tipo de igrejas evangélicas, mas nenhum núcleo ou sede distrital de partidos políticos. O preço para assumir o poder sem essa organização foi a aliança com os setores mais retrógrados da política brasileira, como Collor, Maluf, os ruralistas e a bancada evangélica. O "estatismo" de esquerda, nesse sentido, não seria uma repetição para pior do populismo? O petismo não seria também um conto de fadas para adultos?

O principal erro do PT para mim foi duplo e reflete sua dependência da narrativa liberal tão importante nele quanto em um partido conservador da elite como o PSDB. Esse foi um dos temas centrais do livro: mostrar que a ideologia liberal amesquinhada dominou também a dita "esquerda", colonizando a tradição social-democrata ou socialista democrática.

O PT teria que ter criado uma narrativa independente mostrando a importância do passo a passo da ascensão social possível e mostrando as dificuldades também –sem cair, por exemplo, na fantasia da nova classe média, que gerou expectativas desmedidas.

Essa narrativa poderia ter sido uma versão politizada, mostrando a importância da política inclusiva e da "vontade política" para a mobilidade social, de modo a se contrapor à leitura individualista da ascensão social da religião evangélica.

Mas, para isso, teria sido necessário tocar no nó górdio da dominação social no Brasil, que é o papel de "partido político da elite" assumido pela imprensa conservadora desde o golpe contra Getúlio. É ela, afinal, quem chama a classe média moralista e feita de tola às ruas e é ela que manipula seletivamente e a seu bel-prazer o tema da corrupção como única moeda dos conservadores para mascarar seus interesses mais mesquinhos em pseudointeresse geral. É ela quem tira onda de "neutra", quando apenas obedece ao dinheiro.

O medo desse confronto foi a real causa do que agora acontece. Em uma sociedade midiática, onde toda informação vem de cima para baixo, tem que existir o contraditório, a opinião alternativa, senão o voto do eleitor não é esclarecido nem autônomo, ou seja, rigorosamente, não tem democracia. Nesse sentido estamos mais perto da Coreia do Norte do que da Inglaterra ou da Alemanha. Confiar apenas nos "movimentos sociais" nesse contexto é ingenuidade. Esses movimentos também estão sob a égide do discurso único da mídia conservadora. Essa é para mim a real razão do fracasso relativo do projeto petista.

MARCELO COELHO, 57, é colunista da Folha.

sábado, janeiro 09, 2016

Investigação do STF contra Eder Mauro ganha destaque na imprensa

Eder Mauro não foi localizado para comentar sobre o inquérito aberto no Supremo. 

Por Diógenes Brandão

O Globo, o Estadão e a revista Exame publicaram nesta sexta-feira matérias sobre a decisão do STF em acatar a denúncia contra o deputado federal Eder Mauro (PSD-PA).

De agora em diante, o Brasil saberá o que este blog já vinha alertando e os paraenses já tinham conhecimento: Eder Mauro é réu por crimes cometidos no exercício de delegado, na mais alta corte do país e se condenado, além de perder o mandato, poderá ser preso pelos crimes que é acusado.

Leia a matéria do Estadão, sob o título STF abre inquérito contra deputado do PSD por tortura

O processo contra Éder Mauro, que foi o deputado mais votado do Pará em 2014, envolve pai e filho, uma criança de 10 anos, em 2009 o parlamentar também é investigado por outro crime envolvendo suspeita de extorsão e ameaça.

O Supremo Tribunal Federal abriu um inquérito para investigar o deputado federal Éder Mauro (PSD-PA) pelos crimes de extorsão e tortura. A relatoria do processo está nas mãos do ministro Edson Fachin. O deputado foi autuado em dezembro.

Integrante da chamada “bancada da bala”, Éder é delegado no Pará e foi o deputado do Estado mais votado nas eleições de 2014. O processo, remetido pelo Tribunal de Justiça do Pará ao STF em setembro, envolve pai e filho - uma criança de 10 anos - como supostas vítimas. O crime teria ocorrido em 2009.

Em um outro episódio, o deputado e cinco policiais então subordinados a ele foram denunciados também por tortura e por forjar um flagrante de extorsão contra uma mulher. Ela teria sido atraída ao escritório do então prefeito da cidade de Santa Izabel do Pará, Marió Kató (PMDB), para ser paga por uma dívida contraída pelo juiz do município, Augusto Cavalcante, quando foi abordada e agredida pelos policiais.

A vítima e dois filhos que a acompanhavam teriam sido ameaçados de execução sob a mira de armas de fogo. O relatório do Ministério Público sobre o episódio menciona “intensa sessão de espancamento” e “violento sofrimento físico e mental, conforme comprovado pelo exame de corpo de delito realizado nas vítimas”.

O grupo foi absolvido por falta de provas em 2013. Mas um promotor de Justiça apelou da decisão porque as testemunhas que depuseram a favor de Éder ou possuíam vínculos de amizade ou eram funcionárias do delegado.

O deputado federal Éder Mauro (PSD-PA), durante tumulto na Câmara.

“Tratou-se na verdade de uma trama mal ajambrada entre o juiz, o prefeito de Santa Izabel e o primeiro denunciado (Éder Mauro), com o claro objetivo de subtrair da vítima as notas promissórias que comprovam a dívida do magistrado para com a vítima”, argumentou a promotoria.

Éder não foi localizado para comentar sobre o inquérito aberto no Supremo. Na Câmara, ele defende a diminuição nas restrições para a aquisição de armas e a ampliação do porte para mais categorias profissionais, previsto no novo Estatuto do Desarmamento. 

“Hoje o cidadão de bem é que vive atrás das grades porque o Estado não garante a sua segurança. Então, o cidadão tem, sim, de ter o direito de se defender sozinho”, disse o deputado durante uma sessão na Câmara no ano passado.

Leia abaixo, fatos relevantes que a imprensa ainda não noticiou sobre Eder Mauro:


Bonecos de Eduardo Cunha e Eder Mauro são alvo de críticas em Belém

Advogado de Eder Mauro é exonerado após encenação da prisão de Lula

Réu no STF, delegado 'prende' Lula, mas nomeia amigos no governo Dilma

sexta-feira, janeiro 08, 2016

Deputado-delegado é investigado pelo crime de tortura

Eder Mauro ganha destaque na mídia nacional como réu no STF.
Por Lauro Jardim, em OGlobo

Um dos mais empenhados deputados na redução da maioridade penal e na descaracterização do Estatuto do Desarmamento, Éder Mauro se tornou alvo de um inquérito no STF pelo crime de tortura. O relator será Edson Fachin.

Éder Mauro é delegado no Pará.

Não é a primeira pendência de sua excelência junto ao STF. Mauro também é investigado por suspeita de extorsão em outro caso e é réu num processo por ameaça.

Leia também:

Jornalista revela susposto assassinato do deputado Eder Mauro

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Advogado de Eder Mauro é exonerado após encenação da prisão de Lula




Favela Amazônia: A SELVA SE URBANIZA


Vencedor do Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo 2015, que distingue trabalhos de defesa da vida e denúncias de violações, o caderno especial "Favela Amazônia, um novo retrato da floresta" foi destacado na categoria reportagem. A premiação é concedida desde 1984 pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio Grande do Sul, e Associação dos Repórteres Fotográficos do Brasil. 

O caderno publicado em Julho de 2015, com a escrita de Leonencio Nossa e fotografia de Dida Sampaio, também conquistou o prêmio Esso Regional Sudeste, atual ExxonMobil, e Vladimir Hersog de Anistia e Direitos Humanos. 

O blog AS FALAS DA PÓLIS publicará os 11 capítulos do caderno do Estadão, começando com o primeiro, abaixo:


Do facão caiapó ao robô-metralhadora do grafite

Um terço da população das grandes e médias cidades da Amazônia vive em territórios do tráfico e com violações de direitos humanos. Nas periferias da maior floresta tropical, a qualidade de vida é pior que nos morros e nas favelas de Rio de Janeiro e São Paulo. O Estado encontrou uma nova realidade na Região Norte, onde máfias desviam cartões do Bolsa Família e da Previdência, grupos manipulam relatórios de vacina e mortalidade infantil e milícias tomam o espaço dos antigos pistoleiros. Diante do aumento do êxodo provocado por políticas públicas, a fronteira e a mata perdem moradores e os assassinatos de em-teto nas periferias superam homicídios por disputas de terra. Em defesa de seus direitos, uma nova geração de lideranças sociais desafia poderes paralelos nos centros urbanos amazônicos.

empo de crime, fúria e ódio extremos na floresta. A Amazônia revive a explosão da violência urbana de morros, subúrbios e periferias de Rio de Janeiro e São Paulo dos anos 1980, a “década perdida”. Hoje, 37,4% da população das 62 cidades com mais de 50 mil habitantes da Região Norte mora em áreas ocupadas pelo tráfico de drogas, em que a reportagem teve de pedir autorização para entrar.
Levantamento do Estado confrontou mapas de devastação ambiental, dados de prefeituras, relatórios de secretarias estaduais de segurança pública e depoimentos de autoridades e ativistas sociais. Há um paradoxo. No momento em que está mais conectada, com a expansão do uso do celular e da internet, a floresta se afasta da curva da melhoria de vida do Centro-Oeste, Sudeste, Sul e Nordeste.

A Amazônia que gerou discursos acalorados sobre uma possível internacionalização de seu território é hoje uma “colcha” de áreas onde o Estado brasileiro não entra com seus agentes de segurança, muito menos com os profissionais de saúde e educação.

Ao contrário do que temiam nacionalistas e militares, o território proibido não foi fechado por governos estrangeiros, mas pelos pequenos poderes internos. Por sua dimensão, a floresta resistiu em boa medida e continua de pé em muitos trechos. O homem que vive nela, porém, está sem assistência. Na era da tecnologia e das redes sociais, os brasileiros da “margem da história”, termo usado por Euclides da Cunha durante expedição aos Rios Madeira e Javari no começo do século passado, estão hoje em periferias não menos isoladas. A briga na Amazônia por direitos garantidos há décadas nas outras partes do País continua.

A ausência de uma rede de proteção social forte da sociedade civil e do poder público torna as favelas amazônicas – conhecidas por baixadas, quebradas e invasões – mais distantes dos setores produtivos e empregos que as ocupações urbanas de regiões desenvolvidas do País. As mortes por armas de fogo registradas no Mapa da Violência 2015 não deixam dúvida: a Região Norte teve um aumento de 135,7% nos homicídios de 2002 a 2012, período em que Rio e São Paulo, no Sudeste, apresentaram quedas superiores a 50%. O estudo foi elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), com dados do Ministério da Saúde.

O sistema de produção baseado nas grandes obras de infraestrutura, que rendem empregos em massa, mas temporários, e das commodities da pecuária, da mineração e da soja não garantiu uma economia inclusiva. O mercado de trabalho não cresce no automático em volta dos projetos. Por outro lado, os programas federais de distribuição de renda por meio de transferências diretas nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que transformaram para melhor o sertão nordestino, não atendem à complexa realidade amazônica.

Na abertura da Belém-Brasília, estrada que liga Anápolis a Marabá, em 1960, a Amazônia Legal, que compreende os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Pará, Tocantins e parte do Maranhão, tinha 35% de população urbana. Esse porcentual aumentou para 44% em 1980, 58% na década seguinte e 69% em 2000. Hoje, com 24 milhões de habitantes, essa área tem quase 80% de moradores nas cidades. A ascendência constante da curva mostra que a política para atender a demandas de energia e transporte de outros centros do País iniciada no governo Juscelino Kubitschek se manteve no regime militar e na democracia e, com ela, o êxodo e a concentração de terras.

O Brasil da indústria e do desenvolvimento que começou a ser implementado um pouco antes, pelo presidente Getúlio Vargas, nunca conviveu com a ideia da floresta em pé. A exceção, por mais estranho que possa parecer, ocorreu no curto e tumultuado mandato de Fernando Collor (1990-1992), quando foram demarcadas as maiores áreas indígenas do País.

É preciso esclarecer que as histórias relatadas neste caderno estão visíveis em forma de números nos relatórios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas, embora a Amazônia seja mais urbana que rural há duas décadas, os flagelos de suas cidades costumam ser encobertos pelos problemas do “paraíso verde” desde que a índia Tuíra Caiapó encostou um facão, em 1989, no rosto do então presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, num protesto contra uma hidrelétrica no Xingu. Foi bem antes de Gaby Amarantos, uma cantora dos bares e da sacristia da Igreja Católica de Jurunas, quinta maior favela do Brasil, sair de Belém e estourar com Ex Mai Love e Xirley, hits da música tecnobrega.

Na Amazônia, o avanço da urbanização também resultou em encontros ainda que forçados de culturas e tradições. Com um passado recente marcado pelo extermínio de guerrilheiros, sindicalistas rurais, líderes sem-terra e religiosos das bases católicas da esquerda, a região vive um novo momento de mobilizações sociais. É a “cena” de uma geração sem vínculos com entidades nacionais, que se articula nas redes sociais e orbita em volta da cultura em reação à violência e às desigualdades. Grafiteiros desenham robôs-metralhadora nos muros das cidades. Jovens lideranças indígenas tentam tirar a Fundação Nacional do Índio (Funai) do ostracismo. Na nova floresta, uma teia de solidariedade, ainda que frágil, expressa-se por meio das batalhas de rap, do ritmo da dança do “free step”, da música das “aparelhagens” de som, da atuação dos hackers do software livre e do trabalho dos documentaristas independentes. A região que deu novas formas à cultura nacional, com os livros e as viagens de Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Raul Bopp e Dalcídio Jurandir, mostra na atualidade uma arte de resistência.

A nova geração de ativistas sociais não usufrui da atenção do exterior para a floresta. Nas últimas duas décadas, a Amazônia perdeu o status de área de preocupação ambiental. A mata tropical enfrenta a concorrência do degelo, do efeito estufa e das mudanças climáticas no debate internacional. Isso ocorre mesmo sendo a região reservatório de 20% de água doce da Terra. Viajar pela floresta, após o “boom” ambientalista do final dos anos 1980 e começo dos 1990, quando o cacique Raoni subia aos palcos com o cantor Sting e Jacques Cousteau surpreendia com suas aventuras nos rios caudalosos, é encontrar um mundo de mazelas conhecidas de quem vive nas metrópoles. A região também deixou de receber recursos na área social de entidades e governos europeus, que, em meio à crise financeira internacional, focam os investimentos na África, deixando o Brasil das conquistas da era de consolidação do real e do governo Lula em segundo plano.

Como foi realizado o levantamento

Os mapas de desmatamento podem revelar o poder do crime nas cidades. O levantamento da influência dos comandos do tráfico de drogas na vida dos moradores da Região Norte usou dados de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Imazon de queimadas, mapas de bairros de prefeituras, relatórios de criminalidade de secretarias estaduais de segurança pública e depoimentos.

Foram utilizados registros de 39 municípios do Pará, oito do Amazonas, sete de Rondônia, três do Tocantins, dois do Amapá, dois do Acre e um de Roraima. Com a lista das cidades mais habitadas, recorremos às prefeituras e ao IBGE para obter nomes de bairros e invasões, tamanhos de área e número de moradores. Em Belém, por exemplo, foram analisados 70 bairros – do Guamá, com 94 mil pessoas, ao Maraú, de apenas cem habitantes. Autoridades da segurança pública, delegados de polícia, ativistas sociais e, nos casos das cidades visitadas, moradores foram ouvidos para falar sobre a situação de cada área do bairro e de manchas urbanas dos municípios. Nos casos dos bairros com mais de 15 mil pessoas, o peso dado aos depoimentos de agentes de segurança foi maior para estipular quantos moradores viviam em trechos de risco.

Não é incomum, especialmente na área metropolitana de Belém, que milícias – grupos de policiais ou ex-policiais que agem por conta própria na segurança de empresas e moradores e em ações de extermínio e venda ilegal de armas e munições – atuem nas áreas do tráfico. Às vezes, ocorre também de o homem da milícia ser um negociante de drogas. Em muitos bairros da capital paraense, não é possível definir o território de traficantes ou milicianos.

Por utilizar depoimentos orais, a pesquisa sugeriu que um número mais exato só é possível em recortes específicos de datas. Campanhas das forças repressivas do Estado podem alterar o mapa de atuação de gangues e traficantes a qualquer momento, muito embora tenham se solidificado nas capitais áreas históricas dominadas pelo crime. É o caso da Estrada Jurunas, com 64 mil pessoas, onde a falta de planejamento urbano e as mazelas sociais isolaram a população de benefícios básicos de atendimento do poder público. O recorte utilizado nesta reportagem foi o mês de maio deste ano. As atualizações começaram assim que os registros foram sendo coletados, a partir de agosto de 2014.

Sem valor e rigidez de uma pesquisa acadêmica ou oficial, esse levantamento é apenas uma sugestão de análise sobre o que ocorre em Manaus, Belém, Ananindeua, Porto Velho, Macapá e Rio Branco, para citar as seis cidades com mais de 400 mil moradores. Em Marabá, de 243 mil pessoas, foi constatado que o tráfico está presente na vida de 43% da população. O prefeito João Salame (PROS) faz uma análise “mais conservadora” e estima que um terço da cidade estaria nessa situação. Ele levanta o porcentual ao mapear a população que está em ocupações irregulares, áreas mais propícias ao crime.

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