Por Paulo Fonteles Filho, um dos filhos da ditadura militar do Brasil.
Nesta noite de 21 de Novembro, em torno das 21: 40 horas, fui seguido por um Fiat Palio preto no bairro da Cremação, em Belém.
Desde 2010 temos denunciado tais acontecimentos de pressões e intimidações, seja no Grupo de Trabalho Araguaia do Governo Federal, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na Polícia Federal, no Ministério Público Federal, na Comissão Nacional da Verdade (CNV) e na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, onde, aliás, fizemos para a própria Ministra Maria do Rosário um extenso relato sobre tais eventos em 11 de Maio de 2011.
Eu e Sezostrys Alves da Costa, principal dirigente da Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia (ATGA), estivemos acompanhados pelo Presidente Nacional do Partido Comunista do Brasil, Renato Rabelo e pelo ex-Deputado Constituinte Aldo Arantes, também do Comitê Central do PC do B.
Naqueles dias minha morte fora anunciada em rede social depois de um longo depoimento em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), onde reafirmei a denuncia de que Magno José Borges e Armando Souza Dias - antigos agentes da repressão política com atuação no terrível DOI-CODI durante o processo da Guerrilha do Araguaia – estavam por trás do recolhimento de ossadas, em 2002, provavelmente de desaparecidos políticos, nas obras de requalificação do Forte do Castelo, centro histórico de Belém do Pará.
Quem recolheu tais ossadas fora o policial militar do DF, Walter Dias de Jesus, que retornou à Brasília depois de cumprida a tarefa de se passar por funcionário da Secretaria de Cultura do Pará (Secult), usando o codinome ‘Léo’, segundo a memória do então Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil daqueles tempos, Moacir Martins.
As cópias dos documentos internos produzidos sobre este fato – testemunhado pelo ex-chefe da Abin Pará, Gladston Gonçalves Vilela de Andrade às fls 2.222 do processo n° 011.80000.565/2004 – vêm sendo pedidas ao GSI-PR e ABIN desde maio de 2011 por meio do processo n° 011.80000.508/2011 (revisão do processo n°565/2004), mas, tragicamente o incêndio ocorrido em 26 de Agosto de 2012 no prédio do Ministério da Fazenda, em Belém do Pará, deve ter destruído todos os documentos e eventuais despojos guardados ilegalmente nas instalações da ABIN Pará, que localizava-se no 13° andar do referido edifício.
Um estranho incêndio, iniciado às onze horas da noite de um domingo revelam que sempre haveremos de ter pulgas atrás das orelhas, como ensina o ditado popular. Na época, o Deputado Estadual Edmilson Rodrigues (PSOL) fez a grita na Assembléia Legislativa do Pará (ALEPA), mas já era tarde demais na medida em que a chefia da operação de limpar quaisquer indicações de incêndio criminoso ficou a cargo de Antônio Cláudio Farias, ex-agente do SNI e então chefe de inteligência da Secretaria de Segurança Pública (SEGUP) no governo tucano de Simão Jatene.
Por coincidência a Comissão Nacional da Verdade havia marcado audiência pública para três dias depois, 29 de Agosto, com as presenças de Paulo Sérgio Pinheiro e Claudio Fonteles, evento organizado pelo Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça, Fundação Mauricio Grabois, OAB, Levante Popular da Juventude, UNE e Universidade da Amazônia (UNAMA).
Um pouco mais de um mês depois, em junho de 2011, um ex-mateiro recrutado pelas Forças Armadas, Raimundo ‘Cacaúba’, fora assassinado na Serra Pelada depois de colaborar com o Grupo Federal destacado para localizar os heróis do Araguaia. Estranhamente, dias antes do assassinato soubemos que o Major Curió esteve naquela região, que na década de 1980 se constituiu no maior garimpo a céu aberto do mundo, em reunião com aqueles que até hoje lhes são fiéis.
Mais do que nunca, depois de aprovada a Comissão da Verdade do Pará, é preciso que a sociedade paraense saiba que na atual Casa das Onze Janelas – hoje espaço sofisticado – funcionou a V Companhia de Guardas do Exército, local de torturas e toda sorte de violações aos Direitos Humanos – inclusive assassinatos - dos presos políticos na década de 1970.
Não é a primeira vez que isso acontece no curso destes últimos três anos, já deixaram até uma vela no quintal da casa de Sezostrys, em São Domingos do Araguaia, local onde estava hospedado, em Setembro de 2011. Para quem conhece a cultura da violência sabe o que isso representa no Sul do Pará.
Ocorre é que nada têm sido feito para desmontar tal ação, clandestina e criminosa, que ocorre por dentro do estado brasileiro e que são como verdadeiros núcleos fossilizados de vigilância e intimidação pagos a soldo do dinheiro público, sempre através de verbas sigilosas que só eles controlam: coisa dos tempos da guerra-fria, ante-sala da corrupção.
Infelizmente as autoridades brasileiras há muito sabem destas e de outras histórias bem mais cabeludas e a ação institucional não passa de mera profissão de fé e nenhuma medida concreta de enfrentamento é realizada, ao contrário, cada vez mais me convenço que essa gente se assemelha às cláusulas pétreas, dispositivos que no mundo do direito revelam irremovibilidade e permanência.
Não tenho dúvidas de que a visão de inimigo interno ainda está bastante em voga na cabeça de parcela significativa da arapongagem brasileira até porque muitos dos que atuaram no antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) continuam na ativa: é um engano achar que aqueles que promoveram desaparecimentos forçados estão de pijamas, como velhos decrépitos dentro de suas confortáveis casas.
Muitos membros da antiga comunidade de informações são bastante ativos e sempre atuaram, na fronteira da ocupação humana na Amazônia ao lado do latifúndio e das grandes mineradoras, principais beneficiários das riquezas geradas no Pará nos últimos 40 anos. É por isso que metade do povo paraense vive abaixo da linha da pobreza e a miséria campeia nos sertões e nas periferias destas nossas cidades.
Os inquéritos, como exemplo, que apuraram as mortes de meu pai, Paulo Fonteles, advogado de posseiros no Araguaia e do Deputado João Batista – que em poucos dias estará completando 25 anos de assassinado -, tiveram como figura central o bandidesco James Sylvio de Vita Lopes, ligado à Operação Bandeirante (OBAN) nos anos 70 e ao SNI nos anos 80. Dias antes de meu pai ser morto, Vita Lopes jantou com ex-Senador Romeu Tuma, então Delegado-mor da Polícia Federal, no Hilton Hotel, centro de Belém.
Será acaso? Creio que não.
Aqui, em terras nortistas, a covardia do poder econômico das grandes empresas, nacionais e estrangeiras, sempre contou com o apoio intelectual e logístico das forças de segurança do estado através de figuras que, ao formarem milícias da jagunços, foram se tornando campeões da violência, sempre com a anuência do judiciário em suas togas da mais vil impunidade. Os recentes casos do ‘Dezinho’ e dos ambientalistas de Nova Ipixuna comprovam tal afirmação.
Não é à toa que o Pará continua ostentando, por muitos anos seguidos, os pérfidos títulos brasileiros do trabalho-escravo e da pistolagem. Há cinco anos São Félix do Xingú é o município que mais desmata no país, tendo consumido – quase sempre para a exportação, que configura hediondo crime contra a soberania e as riquezas nacionais - mais de um milhão e meio de quilômetros quadrados de floresta no mesmo período, segundo dados do próprio Ministério do Meio Ambiente.
Na atualidade a alça de mira dessa gente, paga com o dinheiro de todos nós, também está direcionada, no Pará, aos movimentos sociais, em particular o MST e aos indígenas, alvos permanentes de vigilâncias e preocupações, como se a luta social camponesa e de nossos primeiros habitantes, historicamente avançadas, fossem uma ameaça à democracia.
Verdadeira ameaça é a presença de Daniel Dantas e de seus milhares de hectares de terras na Amazônia, contraídas durante o entreguismo – este sim, o maior caso de corrupção em todos os tempos no Brasil – dos dois governos de FHC, o príncipe das privatizações.
Ao invés do Zé Dirceu e do Genoíno, quem deveria estar preso mesmo era os emplumados tucanos e os felpudos direitopatas da grande mídia brasileira.
No curso de mais de quarenta anos de vida, tendo nascido nas prisões políticas, depois de ver meu pai assassinado – figura brilhante e inconteste lutador do povo – , assim como diversos outros queridos amigos como o ‘Gringo’, João Canuto, João Batista e Expedito Ribeiro de Souza, aprendi que não podemos vacilar ou dobrar o espinhaço aos violentos.
A arma que dispomos é a voz e a confiança na consciência social avançada, capaz de transformar as velhas estruturas sempre no sentido de mudanças profundas, de dimensão democrática.
Mais do que nunca é preciso superar a covardia política e enfrentar aqueles que, por dentro do estado brasileiro, atuam tal qual meliantes sempre no sentido de fazer a valer o esquecimento e as brutalidades cometidas durante o período civil-militar, hiato mais tenebroso da vida nacional no período republicano.
Se algo me ocorrer – ou à minha família e companheiros - a responsabilidade deve imputada aos antigos agentes da repressão política, cortadores de cabeças no Araguaia, Magno José Borges e Armando Souza Dias, dirigentes obscuros da ABIN no Pará.
Leia também http://memoriasdoaraguaia.blogspot.com.br/
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