Escrevo este texto sem nenhum ressentimento, mas com profunda tristeza, primeiro porque, de imediato, penso mesmo que nem deveria fazê-lo, desgastar o meu pensamento com reflexões sobre temáticas como esta, que me causam mais que náusea e contra as quais sempre me manifesto, sejam em tentativas formais filosofias por escrito, sejam em imprecações verbais, entretanto, menos pela tristeza - pois que esta também nos ensina -, e muito mais pelo pensamento, digo pela preservação do verdadeiro e corajoso pensamento, não posso me permitir apenas a observar o estado das coisas, sem que eu me indigne.
Há um massacre físico e ao mesmo tempo intelectual contra a Amazônia, há seres humanos que renegam a própria História, mas, se por um lado, eles deixam de ser o que são, já que perdem de vista as suas reais perspectivas de construção de identidades, por outro lado, nem por isso a História deixará de ser o que é com a sua inexorável tempestade a destruir estes vales desalmados do conhecimento.
Este massacre contra a Amazônia, portanto, se escreve nas linhas e entrelinhas acadêmicas e mediáticas e são fortalecidas, pois que financiadas, por um ciclo industrial cultural que corrobora para uma tentativa histórica de aniquilar todo e qualquer pensamento, toda e qualquer forma de resistência amazônida.
Nós, amazônidas, sabemos muito bem o quanto é sacrificante afirmar e preservar as nossas tradições contra discursos e práticas pressupostamente híbridos, mas que, por trás das máscaras desta contemporaneidade, utilizam-se das publicidades e dos apoios empresariais e governamentais para piratear e institucionalizar – silenciar – as produções artísticas e culturais das comunidades periféricas. Algumas vezes esta nossa ousadia é mesmo paga com a própria vida.
Não vou defender aqui nenhuma política de cotas para a arte amazônida – para que não me chamem de preconceituoso e bairrista, entretanto, chamo a atenção para uma histórica discriminação contra todas as formas de manifestação artística e cultural que não tencionam e (algumas) se recusam a aderir às tendências preconizadas pelo espírito contemporâneo.
Lamentavelmente, portanto, é na Amazônia onde podemos identificar tais fenômenos com maior clareza. Há neste lado do país uma vasta produção imagética que não é respeitada como documento audiovisual pelos que deveriam formular opiniões. Falo de jornalistas e de produtores de mídia, a maioria dos quais articulados a espaços institucionais e empresariais, necessariamente, ao serviço de políticas e linhas que se recusam a reconhecer e a dar valor ao que é produzido na Amazônia, motivo pelo qual eu cheguei a manifestar por escrito o meu incômodo pelo fato de uma empresa do rio de Janeiro estar a organizar os cineclubes do Maranhão, do mesmo modo que critiquei, por exemplo, que um americano tenha conquistado o grande prêmio do AmazôniaDoc com o apelativo tema da Irma Dorothy.
Com todo respeito a quem quer que seja de fazer/filmar o que quer que seja onde quer que seja, nós, amazônidas – e escreverei este trocadilho com todos os riscos e conseqüências daí advindas – não precisamos de heróis americanos (e nem de cariocas e mesmo paulistas).
Independentemente do interesse que tem o tema e da forma de abordagem do mesmo, há que ser evidenciado que nós amazônidas temos uma tradição de produção de imagens sobre este e outros temas, entretanto, estas imagens não adquirem o status de cinema, de documentário, de audiovisual ou de qualquer que seja o conceito definido de forma convencional por esta comercial indústria cinematográfica, que aceita este filme americano, com todas as chances de promoção pela indústria cultural nacional, com direito a comentários e resenhas críticas em cadernos culturais, num grande esquema de produção global (sem trocadilhos), coisa jamais facilitada para os realizadores amazônidas, que, por sua vez, na contramão da história oficial, vem escrevendo a HISTÓRIA desta terra, a partir de mitos e arquétipos enraizados nas realidades das populações locais,a partir da perspectiva e dos conhecimentos populares destes mesmos povos, que têm eles próprios que ter o direito de construírem as suas identidades artísticas, sob quaisquer formas em que estas sejam manifestadas.
Se os cariocas tem direito de organizar Cineclube no Maranhão e se os americanos têm direito de produzir filma na Amazônia, penso ser demasiado justo que os amazônidas tenham também direitos de produzir/preservar as suas imagens, os seus filmes, os seus cinemas, as suas produções imagéticas, indispensáveis aos processos dinâmicos de construções e de afirmação de seus conhecimentos, saberes, magias e artes.
PS: A VALE vem produzindo anúncios no DIÁRIO DO PARÁ – um dos balcões-de-negócios disfarçados de jornal tal qual é O LIBERAL. E nestas publicidades, há uma tentativa descarada de associar a imagem destas duas empresas ao apoio à cultura popular, a exemplo de todas as empresas e instituições que se apropriam dos signos da arte e da cultura popular, sem que as comunidades produtoras desta arte e desta cultura recebam o que quer que seja em troca desta manipulação e usurpação.
© Francisco Weyl
Carpinteiro de Poesia e de Cinema
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