Por Maurício Caleiro no site do FNDC.
Os graves problemas de comunicação da presidência
Dilma Rousseff não se restringem a uma situação circunstancial, solucionável
com uma mera troca de nomes na SECOM. Pelo contrário: para além das
dificuldades da administração em se fazer ouvir na arena midiática, tais
problemas dizem respeito, em primeiro lugar, a uma questão estrutural do setor
comunicacional no país, extremamente concentrado nas mãos de poucos; em segundo
lugar, e parcialmente em decorrência disto, verifica-se uma deficiência atávica
do poder público em relação à comunicação; e, por fim, há uma questão de fundo,
diretamente relacionada à postura pública do atual governo e de sua presidente
e do grau de diálogo por eles estabelecido com a sociedade.
Em coluna recente, intitulada "Os desafios
da opinião pública", o jornalista Luis Nassif classifica como
impressionante "o desaparelhamento do setor público brasileiro, em todos
os níveis, em relação a esse tema, ainda mais nesses tempos de Internet, redes
sociais e notícias online." Em um momento em que as dificuldades de
comunicação da atual administração federal chegam a um ponto de
transbordamento, eventualmente contrapondo, à passividade de Dilma, os desejos
de setores do PT por uma política comunicacional mais ativa, uma mirada
histórica sugere que não há razões para supor que os governos que, desde a
redemocratização, antecederam a hegemonia petista na Presidência tivessem tido
um desempenho muito superior no que concerne à comunicação pública.
A mídia-oposição
O diferencial tem sido a predisposição do aparato
midiático para com eles, em comparação com sua postura ante os governos Lula e
Dilma. Pois, no decorrer da última década, tornou-se evidente que a mídia
corporativa está engajada em uma campanha contra o governo federal, como chegou
a admitir a executiva da Folha de S. Paulo e sindicalista patronal Judith Brito
ao afirmar que a imprensa cumpria, sim, uma função de oposição, já que esta,
enfraquecida, não estaria conseguindo desempenhar a contento o seu papel. Só
faltou admitir que essa instrumentalização voluntária da imprensa pela oposição
inclui olhos fechados e ouvidos moucos para as falcatruas e incompetência de
tucanos e assemelhados – e em nada se assemelha a jornalismo.
A percepção cada vez mais difundida dessa
dinâmica – que se não é golpista é difamatória e, portanto, antirrepublicana,
já que atenta contra a normalidade democrática – tem feito com que aumentem
muito, nos últimos meses, as cobranças por uma reação governamental contra a
ação da mídia.
O papel das redes
Num primeiro momento, o enfrentamento dessa
situação foi um dos motivos principais a impulsionar e fortalecer o papel dos
blogs políticos e das redes sociais, notadamente a partir da virada do milênio,
culminando, até agora, com uma maior diversificação dos meios alternativos de
difusão de informação e de análises políticas. Eles têm se mostrado ótimos
instrumentos de contrainformação e formam, ao lado das redes sociais, uma força
comunicacional capaz de reagir, com a devida rapidez, ao bombardeio da mídia
corporativa.
Ocorre que, por mais que tais atores
comunicacionais constituam, hoje, uma força comunicacional de algum peso e que
tende a se expandir muito nos próximos anos, os limites efetivos de sua atuação
não fazem frente à ação minuciosamente calculada e intensificada das forças da
mídia corporativa, claramente empenhadas a alvejar Lula e a impedir a reeleição
de Dilma Rousseff em 2014. A prova maior disto é que é a mídia corporativa, no
mais das vezes, quem pauta a blogosfera e, sobretudo, as redes sociais – o
contrário só acontecendo com extrema raridade.
A contribuição da presidente.
Não bastassem tais problemas estruturais, o
governo Dilma tem dado uma contribuição muito peculiar ao agravamento da
questão da comunicação no país, mesmo se comparada à do governo Lula. Tal se dá
não apenas pela recusa da presidente em, até agora, mover uma palha para
regulamentar a mídia ou ao menos para parar de alimentá-la com as polpudas
verbas da publicidade federal – embora este seja o ponto nodal da discórdia.
Inclui, ainda, a maneira idiossincrática com que ela lida, desde o início do governo, com os grupos de mídia – no início fazendo questão de ir até a festinhas de um jornal em plena decadência, pouco a pouco restringindo-se a frases de efeito em defesa da liberdade de expressão, cujo efeito é evidenciar uma visão no mínimo simplista da questão.
Torre de marfim
E, por fim, encontra na falta de diálogo do
governo com os movimentos sociais, no tratamento truculento que foi dado, o ano
passado a algumas greves – notadamente a dos professores universitários
federais, a qual, como afirmei à época, só foi deflagrada e só se prolongou por
inacreditáveis três meses devido à postura majestática do governo – a sua
contribuição mais original, se comparada à administração anterior, em que o
Palácio do Planalto vivia de portas abertas a qualquer setor que desejasse
reivindicar ou debater propostas e o diálogo franco era a característica
distintiva da relação de Lula com a sociedade.
Nos meses imediatamente posteriores à posse, o
estilo mais comedido de Dilma foi saudado pela mídia, pois se contrapunha ao
perfil expansivo e improvisador de Lula, o qual esta sempre detestou. Após dois
anos, pode-se afirmar com certeza que, na imagem pública de Dilma, o que era
nublado tornou-se opaco, impenetrável e o que soava como comedimento e talvez
até timidez transformou-se em rigidez e impenetrabilidade. Isso acabou por
instituir-se como marca (não)comunicacional do governo, e se torna no modo como
as decisões são tomadas e anunciadas, sem consulta com a sociedade ou com os
setores afetados, sem balões de ensaio plantados na imprensa para testar
reações, sem um terreno preestabelecido para repercutir as medidas
governamentais. Não é preciso ser nenhum gênio para se aperceber de que tal
comportamento, num cenário como o atual, em que a mídia corporativa partiu para
o tudo ou nada, tende a resultar contraproducente para o próprio governo.
Helena Chagas, a Judas da vez
Daí, ante a omissão de Dilma, tornou-se lugar
comum, de uns tempos para cá, tentar botar a culpa pelas falhas de comunicação
do governo os ombros de Helena Chagas, em uma operação que inclui a difamação
de seu pai, o veterano jornalista Carlos Chagas, e a evocação da figura de
Franklin Martins, secretário da SECOM no governo Lula, como panaceia para a
babel comunicacional dilmista. Trata-se de uma falácia, não só por ser açulada,
entre outros motivos menos confessáveis, pela tendência que a memória humana
tem de realçar os bons momentos enquanto esquece os maus: a comunicação, nos
dois governos Lula, era só um pouco menos eficiente do que a atual, sendo que a
mídia, àquela época, não obstante virulenta, ainda não tinha partido para o
tudo ou nada em várias frentes, como hoje se verifica.
A prova disto é que os graves problemas na área
da comunicação foram todos herdados pela gestão Dilma – e basta um pouco de
para constatar que seu eventual agravamento se deu, em grande parte, em virtude
de fatores decorrentes de decisões questionáveis ou da personalidade da atual
mandatária. Restringindo a análise apenas à questão da comunicação, chega a ser
surpreendente, em tal cenário, que a aprovação da atual mandatária e de seu
governo mantenham-se em índices bem elevados. Mas é preciso a humildade de
admitir que isso provavelmente se deve muito mais aos méritos que a mídia não
reconhece na atual administração – como o baixo desemprego, a manutenção do
poder de compra dos salários, o combate à miséria e à pobreza, o acesso ao
crédito por estratos há décadas alijados do sistema bancário, a relativa
bonança da economia social brasileira em meio a uma das mais terríveis crises
da economia mundial – do que a uma administração eficiente da comunicação no
âmbito federal.
Triplo desafio
Pois, em relação à comunicação, o atual governo
federal enfrenta um triplo desafio:
Em primeiro lugar, a necessidade de superar a falta de uma cultura de
comunicação pública, instituindo-a em bases regulares, promovendo um
aggiornamento de práticas e técnicas de forma a adaptá-la aos meandros da
comunicação digital contemporânea, e renovando-a de tempos em tempos.
Em segundo lugar, defrontar-se com a face mais
óbvia do imbroglio: a necessidade de democratizar o sistema comunicacional
brasileiro, historicamente concentrado nas poucas mãos de uma plutocracia
preocupada tão somente em defender seus interesses políticos e econômicos e não
em praticar jornalismo como um serviço público de parâmetros deontológicos
elevados.
Por fim, adotar ante a sociedade e seus setores
representativos uma postura que, de fato, estimule e favoreça a comunicação e a
participação política, estabelecendo diálogo contínuo com sindicatos e
entidades classistas, submetendo de forma clara suas medidas políticas de maior
relevo ao debate com a sociedade e trabalhando para criar e utilizar com maior
frequência mecanismos de participação popular direta, como a própria candidata
Dilma Rousseff aludiu em seus discursos durante a campanha eleitoral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário