segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Que o governo invista o mesmo que investiu no RJ nas escolas de samba do Pará

Pro carnaval carioca tudo, pro paraense, nadica de nada.

No blog do Etetuba - arte e resistência cultural 

 

Texto construído a partir das perguntas de Diógenes Brandão para uma entrevista para o blog "As Falas dalis", uma entrevista em que ele me pediu para comentar o financiamento do enredo da imperatriz Leopoldinense por parte do governo do Estado do Pará. 

 

Quem cria filhos dos outros é japiim....

 


Esse 'negócio' de patrocinar escolas de samba do Rio de Janerio me parece muito mais uma forma de corrupção – desvio de dinheiro público que perversamente sai dos cofres paraenses como financiamento cultural –, do que política cultural eficiente, e eu concordo plenamente com a opinião dos carnavalescos de Belém de que há equívocos na política  que se utiliza de dinheiro dos contribuintes de estados e municípios amazônidas para financiar a industria cultural carioca.

Vamos pensar um pouco, em 1970 a Portela desfilou com o enredo “Lendas e mistérios da Amazônia”, em 1974 Joãozinho Trinta veio com o Salgueiro apresentando o enredo “O rei de França na ilha da assombração” (falando de São Luís),  no mesmo ano o Império Serrano fez a “Aquarela do Brasil” e fez um passeio pelos estados de norte a sul do país, em 1975 a Estácio de Sá apresentou o enredo “Festa do Círio de Nazaré”. São exemplos de carnavais memoráveis que tiveram todo o apoio na colaboração dos intelectuais e artistas de cada um dos lugares homenageados, mas que não precisaram de financiamento público vindo dos paupérrimos estados amazônicos e nordestinos e foram realizados apenas com a subvenção anual do Município e do Estado do Rio de Janeiro.
 

Então o que mudou de lá pra cá?
 

Houve uma época em que as escolas de samba cariocas representavam a voz do morro e a voz do povo oprimido,  e nessa época o que a gente via no carnaval? A gente via crítica à política e aos governantes, via o deboche com a situação financeira, via a afirmação de identidade negra, e via esses enredos sobre as diversas regiões brasileiras como uma demonstração de multiplas identidades. Esses eram enredos que eram provocadas pro grupos migrantes dessas regiões que se tornavam parte das comunidades de samba cariocas e acabavam por despertar a curiosidade sobre seus lugares de origem e provocar enredos sobre eles.
 

A presença do sambista paraense 'Dominguinhos do Estácio' foi fundamental para que a escola apresentasse o Círio de Nazaré no desfile do Rio, assim como a presença do carnavalesco maranhense Joãozinho Trinta no Salgueiro gerou o enredo sobre São Luís, e usar esses lugares de origem era uma forma de homenageá-los também.
 

E o que se vê hoje? Ao invés dessa integração personalidade/comunidade/enredo, nós assistimos ano-após-ano, pelo menos uma escola de samba que apresenta apenas uma propaganda política, por um lado justificada pelo financiamento, e por outro justificada pela provável visibilidade que o estado/município terá com uma hora e pouco ininterruptas de transmissão televisiva na apresentação do enredo...


Para as comunidades das escolas de samba esse processo também se tornou sofrível. A diretoria das escolas passam longe das personalidades que construíram cada uma delas, da mesma forma como passam longe das comunidades que defendem as bandeiras das escolas, e não se vê personalidades das comunidades a propor enredos com ressonância social, mas “produtores culturais” e “lobbystas políticos” a negociar montantes de dinheiro com articulação de financiamento de corporações econômicas ou de verba pública de estados distantes. É visivel que as pessoas que desfilam nessas escolas não tem envolvimento nenhum com a defesa do discurso que o enredo apresenta....
 

Enquanto escrevo aqui minhas considerações escutei o também paraense Milton Cunha comentar que uma alegoria do Salgueiro só existe por imposição do patrocinador, e me veio uma outra questão.... 
Mesmo que não venhamos a fazer isso aqui, num espaço pequeno para respostas, mas não podemos desvincular esse processo de venda de enredos do processo de desterritorialização das escolas de samba como espaço resistência negra e resistência popular – e a perda do território chegou com a absorção da manifestação popular pela indústria cultural. Em 1982 com o enredo “Bumbum paticumbum prugurundum” o Império Serrano cantou num refrão a denúncia do que acontece hoje, “Super Escolas de Samba S/A/ Super-alegorias/  Escondendo gente bamba/ Que covardia!” Enfim, é isso – atualmente vivemos uma covardia! Tanto covardia com as comunidades das escolas de samba quanto com o desejo dos povos amazônidas de se verem em transmissão de televisão – mas um desejo que não se concretiza...
 

E essa propaganda dá certo?
 

Eu me lembro quando Macapá fez 250 anos e, seguindo essa mesma linha que eu considero equivocada, de propaganda e visibilidade através do carnaval carioca, o prefeito João Henrique (eleito pelo PSB e que depois migrou pro PT), e o ex-governador do Amapá Waldez Góes (PDT), também enviaram zilhões do povo amapaense pra financiar o desfile da Beija-Flor em troca de hora e meia de visibilidade na globo (ou era isso que diziam), e a primeira coisa que o comentarista dessa emissora disse quando a escola entrou na avenida foi algo como "é importante esse trabalho que as escolas de samba fazem de trazer a história dessas cidades pra gente conhecer. É! Porque pra nós Macapá é mais longe que marte....
 

Ou seja, a primeira propaganda foi negativa e pagar pra falarem bem da gente não diminui o preconceito que o "sul maravilha" dispensa pra Amazônia e vemos os comentaristas dizerem essas pérolas.
 

Porém, dando créditos pra esse equivoco, acho que para mensurar os efeitos disso precisaria de uma pesquisa mais aprofundada do que o empirismo da minha análise. Penso assim, se o governo é sério no tratamento do dinheiro público, e financiou uma escola de samba de outro estado como forma de propaganda turística, esse mesmo governo tem por obrigação apresentar para a população o resultado desse investimento e nos mostrar como foi que o desfile da Beija-flor em 98, da Viradouro em 2004, e da Imperatriz em 2013, influenciou positivamente o turismo em Belém e no Estado do Pará.
 

Mas, pra termos dados para fazer comparações sobre a relação custo benefício e dissipar qualquer dúvida de desvio de dinheiro público para interesses particulares que possa pairar sobre esses negócios, faço coro com a proposta dos carnavalescos e digo ao governo do Estado do Pará que em 2014 invista no carnaval de Belém o mesmo valor que em 2013 foi desviado para financiar uma escola carioca. Proponho que o façam como uma experiência, que usem a mesma quantidade de verba pública para estruturar a Aldeia Cabana de Cultura Popular David Miguel para que a população tenha mais conforto para assistir o espetáculo, e que também financie o espetáculo que cada uma das oito escolas do grupo especial apresenta, assim como as oito escolas do grupo de acesso, e, mais, que se faça propaganda do desfile das escolas de samba de Belém nos estados vizinhos e até nos países do Caribe e naqueles que nos fazem fronteira no platô das Guianas, pois na minha opinião, e creio que na dos carnavalescos também, isso sim será uma política cultural que trará dividendos turísticos para o estado do Pará.

Isso sim trará turistas para Belém, turistas que virão para ver um espetáculo de 5 dias (que envolve quase cem mil pessoas) e que depois poderão circular para conhecer as cidades paraenses que guardam tesouros culturais/naturais.

Arthur Leandro é Artista ou coisa parecida.
Benemérito da Embaixada de Samba do Império Pedreirense
Professor da Faculdade de Artes Visuais e Museologia/UFPA.
Membro do Colegiado Setorial de Culturas Afro-brasileiras/ Ministério da Cultura
Representante titular das culturas afro-brasileiras no Conselho Nacional de Políticas Culturais/ Ministério da Cultura.

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