sábado, julho 20, 2013

"Precisamos de mais médicos imediatamente", diz Padilha




O "Diagnóstico da realidade médica no País”, informa que 700 municípios brasileiros enfrentam “altos índices de insegurança por escassez de médicos.


Por Kátia Figueira*

Em entrevista a CartaCapital, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, defende o programa Mais Médicos, lançado pelo governo federal para sanar a falta de profissionais. “Todos passarão por uma avaliação pelas universidades públicas, mas não ganharão o direito pleno de exercer a medicina no País, para não disputar o mercado de trabalho com médicos brasileiros”, afirma. Confira, abaixo, os principais trechos da conversa.
CartaCapital: O maior problema é a falta de médicos ou a má distribuição deles? Adianta recrutar estrangeiros?
Alexandre Padilha: Um primeiro problema é a infraestrutura e a manutenção dos serviços. O Ministério da Saúde está investindo 13 bilhões de reais em mais de 16 mil unidades básicas de saúde, quase 900 unidades de pronto-atendimento e mais de 800 hospitais. Outro problema crítico: Precisamos de mais médicos e mais perto da população. Isso exige enfrentamento imediato. Quando você cria vagas de medicina, essa formação demora de 6 a 10 anos. E é preciso distribuir estimular a distribuição dos médicos. Para que os profissionais tenham mais segurança, o ministério pagará a renumeração, vai garantir o salário, isso não ficará a cargo das prefeituras ou dos estados. Haverá acompanhamento das universidades. E, caso as vagas não sejam preenchidas por brasileiros, o ministério vai fazer como outros países: atrair médicos estrangeiros para trabalhar exclusivamente na periferia das grandes cidades e nos municípios do interior.
CC: EUA e Inglaterra têm um porcentual maior de médicos estrangeiros. Mas eles exigem a revalidação do diploma, não?

Nos últimos dez anos o Brasil gerou 146.867 postos de trabalho, mas só formou 93.156 médicos.



AP: Tais países têm duas formas de atração do médico estrangeiro. Uma por meio da revalidação do diploma. Só que quando se faz isso, esse profissional pode atuar em qualquer lugar e disputar mercado de trabalho com o médico brasileiro. Queremos um programa que não leve a perda de emprego de nenhum médico brasileiro. A ideia é trazer estrangeiros para atender nos municípios do interior, na periferia, nas vagas não preenchidas por médicos brasileiros. Esses países também têm mecanismos de atração de médicos dando autorização exclusiva para trabalhar em algumas regiões após uma avaliação.
CC: Quem adota?
AP: Portugal, que tem 4 médicos por mil habitantes, tem um programa de atração de médicos cubanos, hondurenhos e costa-riquenhos para atender nas regiões rurais. Dezessete por cento dos médicos que atuam no Canadá são estrangeiros, e em algumas províncias o número é de 60%. Lá se atrai o médico sem a validação do diploma. Aqui se dará o mesmo. Todos passarão por uma avaliação pelas universidades públicas, mas não ganham o direito pleno de exercer a medicina no País.
CC: As entidades médicas acusam o governo de instituir uma forma de trabalho civil compulsório com esses dois anos a mais de formação, dedicados à prestação de serviços no SUS.
AP: Esse debate vem sendo feito no governo desde 2011, inspirado pelo professor Adib Jatene. Mas uma coisa tem que ficar claro: não tem paralelo com serviço social obrigatório, quando o Estado pega profissionais e leva para regiões distantes do seu local de formação, para que ele trabalhe e devolva à população o serviço que fez. Há um debate sobre isso no Congresso. Teremos um treinamento em serviço por dois anos como parte da formação, exclusivamente na atenção básica e na urgência e emergência. O estudante vai ficar ligado à instituição onde ele cursa medicina. Inclusive na região que essa faculdade acompanha. Haverá, por exemplo, estágios no SAMU. Porque muitos estudantes se formam sem nunca ter entrado num SAMU, sem nunca ter entrado numa unidade de urgência e emergência. É como se fosse a residência médica hoje.
CC: É uma resposta à especialização médica precoce?
AP: Também. Não queremos médicos que olhem o paciente em pedaços. Queremos um médico que olhe o paciente como um todo. Às vezes, o estudante de medicina só tem contato com o paciente dentro do hospital de altíssima complexidade. Não conhece aquele paciente onde ele vive. Não tem a experiência. Imagine como vai ser bom para um médico, para a nossa população, se ele tiver a experiência de acompanhar por dois anos uma pessoa hipertensa, os nove meses toda gestação de uma mulher. Uma atenção básica bem feita resolve 80% dos problemas de saúde. Nós precisamos mudar a mentalidade do SUS para termos um sistema menos doente.


22 dos 27 estados brasileiros estão abaixo da média nacional de 1,8 médico por mil habitantes,


CC: Parece justo exigir que o estudante de uma universidade pública preste serviços ao SUS, até pelo investimento que o Estado fez na sua formação. Mas a medida também vale para alunos de instituições particulares. Não seria mais conveniente criar uma forma baseada no incentivo e não na obrigatoriedade, por exemplo, com bônus na disputa para residência médica?
AP: Esse treinamento é justo com a população. E o profissional será remunerado. Não pagará mensalidade se estiver em uma faculdade particular. Será supervisionado por preceptores e supervisores da instituição em que se formou. E esses preceptores serão remunerados pelo Ministério da Saúde também. Estamos falando de formar um médico. Todo mundo defende residência médica. O que nós estamos propondo com o treinamento em serviços? É que ele faça os dois anos não para adquirir uma superespecialidade. Antes de se tornar um especialista, ele será treinado em serviço para ver o paciente como um todo.
CC: Esse é o grande nó da saúde hoje? Muitos especialistas insistem que o problema continua sendo o subfinanciamento do SUS. O Brasil universalizou o acesso à saúde há 25 anos, mas parece ainda não ter resolvido o problema do custeio.
AP: Temos quatro grandes desafios para a saúde no País. Um, muito importante, é o financiamento. Aumentamos quatro vezes os recursos per capita nos últimos 10 anos na saúde, mas ainda estamos muito atrás de outros países. Precisamos discutir com a sociedade, com o Congresso, como garantir um financiamento crescente para a saúde. Dois: temos problemas graves de gestão. Precisamos aprimorar, combater o desperdício. Recentemente divulgamos um relatório no qual identificamos graves irregularidades e crimes. Em Campo Grande, por exemplo, havia desvio de recursos públicos na compra de medicamentos para tratar o câncer. Então precisamos aprimorar muito a gestão. Terceiro: não se cumpre o objetivo ousado que o Brasil tem de possuir um sistema de saúde único, público, universal e gratuito sem construir no nosso País uma forte base de produção em inovação tecnológica, produção de medicamentos. Exemplo: a introdução da vacina contra o HPV. Isso só foi possível porque conseguimos a transferência de tecnologia de um laboratório internacional para um laboratório público nacional [o Instituto Butantã]. Vamos colocar para a população de graça, uma vacina que custa cerca de mil reais nas clínicas privadas hoje. E outro desafio é termos profissionais com formação humanizada em quantidade suficiente, bem distribuídos pelo País, para dar conta do SUS.
CC: Inicialmente, o governo defendia a destinação de 100% dos royalties do petróleo para a educação. Agora, admite reservar 25% para a saúde? É justo? É o suficiente?
AP: Foi um passo importante, precisamos de mais recursos para a saúde. Vamos continuar discutindo. Primeiro, como investir melhor os recursos que temos, como fazer mais com o que há disponível. Mas precisamos de mais recursos. Sabemos que nós temos um longo caminho ainda para garantir um financiamento sustentável para os desafios que temos na saúde pública.
CC: O senhor é apontado como pré-candidato do PT ao governo de São Paulo. O programa Mais Médicos gerou forte repercussão nas últimas semanas. Nesse momento, este debate mais contribui ou atrapalha para esse projeto de 2014?
AP: Quem estiver pensando em 2014 agora está fora da casinha. Não está compreendendo a importância de melhorar os serviços públicos no País. É nisso que eu estou concentrado, estou muito animado por estar no Ministério da Saúde. Esse tema da formação médica, de como o País planejar melhor o número de médicos, aonde formar esses médicos, a formação desses médicos é um tema que me apaixona há mais de 20 anos. Desde quando se criou a primeira comissão nacional de avaliação do ensino médico. O Brasil está vivendo um momento histórico, de muito debate, e isso é bom. Debate democrático, com diálogo respeitoso. E a proposta que encaminhamos ao Congresso está pautada única e exclusivamente pelas necessidades de saúde da população.
Kátia Figueira é  Ativista Digital de São Vicente (SP) e escreve no Blog Militância Interativa.

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