segunda-feira, junho 08, 2015

Belém é capital com maior número de favelados do País: Um milhão de pessoas, ou seja, 55% da população



Violenta, suja, alagada, mal administrada e com sérios problemas e sem políticas públicas que amenizem a miséria, Belém está entregue ao crime e à violência, cada dia mais insuportável. Pra piorar, o futuro pode ser ainda mais insano.

A 18ª capital mais violenta do mundo, elegeu o deputado federal mais votado do Estado do Pará, um delegado de polícia, famoso "por matar bandidos". O calouro que chegou em Brasília e rapidamente se integrou à Frente Parlamentar da Segurança Pública, também conhecida como “bancada da bala” chama a atenção da imprensa com suas polêmicas e confusões, e por isso já é apontado, como um forte candidato ao cargo de prefeito de Belém, nas eleições que se aproximam.

No entanto, o Pará não é celeiro apenas de criminosos e justiceiros. Prova disso é a reveladora entrevista concedida por um juíz, publicada no jornal OLiberal desta segunda-feira (08), na qual revela de forma contundente que "o grande problema de Belém é a miséria presente no "favelão" que a cidade se tornou, tendo 55% da população da cidade morando nessas áreas, onde se falta tudo e a guerra às drogas não dá certo, porque só faz violar o direito das pessoas". Para ele, o resultado da política de repressão é a prisão em massa de jovens pobres e negros, o que não resolve nada, pelo contrário: Só piora.

As informações do juiz que vive a perversa realidade da capital paraense, contradiz não apenas deputados e senadores reacionários, ávidos em piorar cada vez mais a situação já caótica, mas também desmente as últimas declarações do governador Simão Jatene (PSDB) e do prefeito da cidade, Zenaldo Coutinho (PSDB), que sempre responsabilizam alguém, que não seja eles próprios e sua incapacidade de propiciar qualidade de vida à sociedade.

Leia a matéria publicada no portal ORMNews, tire suas conclusões e reflita se precisamos manter os atuais governantes ou trocá-los por policiais e outros "salvadores da pátria", com suas ideias mirabolantes, punitivas e em alguns casos, até assassinas.

"Audiência de custódia garante direitos fundamentais previstos na Constituição: ter um advogado, não ser torturado e ser ouvido imediatamente pelo juiz", defende o juiz paraense Flávio Sánchez Leão.

O juiz Flávio Sánchez Leão é o titular da 7ª Vara Criminal de Belém, mas responde também pela Vara de Inquéritos Policiais e Medidas Cautelares, que cuida de todos os incidentes na fase de investigação policial. Foi dele, por exemplo, a decisão interlocutória que revogou, no último dia 3, as prisões preventivas de Paulo Francisco Martins Costa e Matheus Eduardo Carvalho de Moraes, envolvidos no assassinato de um estudante da Unama. Eles foram liberados por excesso de prazo nas prisões, depois que a Polícia indiciou um taxista que teria agido com dois adolescentes apresentados como autores do latrocínio. 

Em decisão anterior, o juiz Flávio Leão havia mantido a prisão dos dois acusados que agora liberou. Ele argumentou, então, que os dois haviam sido reconhecidos por sete testemunhas, quando os adolescentes apresentados pela Polícia não foram submetidos a esse procedimento, sendo um deles namorado de uma parente de um dos dois acusados presos. Para relaxar a prisão dos acusados agora, o juiz ponderou que a Polícia não os indiciou e prorrogou o inquérito policial, para o qual o Código de Processo Penal fixa prazo de conclusão em 10 dias, quando há acusados presos, tornando ilegal prisões que extrapolem esse prazo. 

O juiz citou, por fim, para justificar sua decisão, a Constituição, que estabelece como competência da autoridade judicial relaxar as prisões ilegais. “Na fase do inquérito policial ocorrem muitas situações em que a Justiça tem de intervir. Se a pessoa for presa em flagrante, o inquérito policial já se inicia ali, mas imediatamente o juiz tem que decidir se está legal ou não, se a Polícia lavrou corretamente o flagrante ou se abusou do poder e tornou o flagrante ilegal”, diz ele, ao explicar como se dá na prática a competência da Vara de Inquéritos Policiais e Medidas Cautelares. 

Nesta entrevista, o juiz Flávio Sánchez Leão explica o que é audiência de custódia, analisa o recrudescimento da violência em Belém e no Pará, faz duras críticas à política de guerra às drogas e fala sobre a ação de milícias na capital.

O que é a audiência de Custódia?

É o direito do réu preso ser apresentado a um juiz no menor tempo possível. Em São Paulo, onde há a experiência pioneira, implantada em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estão adotando 24 horas. No Tribunal de Justiça do Pará, formamos um grupo de juízes, com mandado da presidência, e fomos eu, a dra. Ana Angélica (Abdelmassih) e a dra. Luana Santalices, verificar como está funcionando a audiência de custódia, pois estamos com o projeto de trazer a iniciativa a Belém.  

Isso está no Código de Processo Penal?

Está no Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos; o Brasil assinou essa convenção e o Legislativo aprovou sua entrada em vigor no País. A partir do momento que o Brasil é signatário e o Legislativo brasileiro aprovou, a convenção de São José da Costa Rica passou a ser parte da nossa Constituição, tem o status de norma constitucional; então, respeitar o pacto é respeitar a Constituição brasileira e desrespeitar é também desrespeitar a Constituição. Esse direito do réu ser apresentado diretamente a um juiz nas 24 horas – ou no mais breve espaço possível depois que ele foi preso, é constitucional. E já é um direito dos réus e dos acusados em vários países do mundo. Nos Estados Unidos é assim, por exemplo. Não estava sendo colocada em prática no Brasil, mas acredito que vá brevemente ser transformado em lei esse direito. Nós, do Judiciário, estamos nos adiantando.

O que a audiência de custódia garante ao réu?

Com o juiz vão estar o defensor e o promotor. Então, dentro de 24 horas, o réu preso vai ver não só o juiz, mas o defensor público, coisa que não acontece no atual sistema. O Código de Processo Penal diz: a prisão em flagrante tem que ser comunicada à Defensoria Pública. Que é que a Polícia Civil faz? Remete aquela papelada, o defensor vai ler, mas não vai se entrevistar com o preso. Na audiência de custódia, tu trazes o preso ao Fórum e, de imediato, ele entra em contato com o defensor dele, ou o advogado que estiver aqui pela OAB, prestando um serviço, ou o advogado dele. Com essa entrevista, o defensor poderá formular ao juiz uma outra versão dos fatos se for preciso, um pedido de liberdade, vai estar mais preparado para tentar convencer o juiz se o cliente dele não deveria ser libertado naquele momento. A Constituição brasileira garante o direito à assistência de um advogado assim que a pessoa vai presa. É um direito escrito, mas não efetivado, porque defensores públicos não fazem plantão em delegacia. E nem a OAB manda advogados às delegacias, ficarem de plantão lá, esperando alguém ser preso. Ou seja, tem direito à assistência de advogado quem tem dinheiro para contratar um. Com a audiência de custódia se reverte isso, porque obrigatoriamente a Defensoria vai estar presente, junto com o juiz. O juiz é obrigado a conceder um tempo para que o defensor público se entreviste com o cliente e só depois se realiza a audiência.

E a estrutura para viabilizar?

Nós estamos com a engenharia trabalhando aqui no Fórum, montando as salas, porque não vai ser aquela audiência que o juiz dita e o escrevente digita. A audiência de custódia é gravada em áudio e vídeo, então precisa adaptar as salas. Precisa de espaço para funcionar, no Fórum Criminal, uma perícia do Instituto Médico Legal (IML) e esse é um terceiro aspecto da audiência de custódia: o direito à integridade física dos presos, porque é uma maneira de diminuir a tortura no País. A gente tem que ser franco e admitir que a tortura às vezes é até método de investigação policial aqui no Brasil, em grande parte dos casos. O médico vai estar lá com o juiz, na audiência de custódia, no Fórum, como é lá em São Paulo.

Então precisará de uma estrutura grande: juízes, defensores, promotores, médicos etc?

A gente precisa dos parceiros, Defensoria Pública, Ministério Público, IML, OAB, Susipe, PM, para poder trazer os presos ao Fórum. Não é, como muita gente pensa, soltar todo mundo. O critério continua sendo o mesmo: fica preso se o crime foi cometido com requintes que revelam concretamente, o autor, como uma pessoa perigosa para a sociedade. Quem cometer crimes e não seja reincidente, que seja de menor gravidade, pode responder ao processo em liberdade. Esse negócio de dizer que audiência de custódia foi feita para soltar todo mundo, não é verdade. Audiência de custódia garante direitos fundamentais previstos na Constituição: ter um advogado, não ser torturado e ser ouvido imediatamente pelo juiz.

No Brasil, as cadeias estão superlotadas, os crimes não diminuem e a Justiça está assoberbada de processos, como se resolve a equação da violência no País?

Eu gostaria de falar de Belém, em vez de falar do Brasil como um todo, se bem que tem relação uma coisa e outra. (O juiz mostra um mapa da chamada “zona vermelha” na Região Metropolitana de Belém, no Facebook). Tá vendo isso aqui: Jurunas, Guamá, Terra Firme. Oitocentas mil pessoas moram aí nessa favela. Virou uma favela só. O Jurunas emendou com o Guamá, que emendou com a Terra Firme, até chegar em Ananindeua. Tem mais de um milhão de pessoas morando aí nesse ‘favelão’. Belém é a capital com maior número de favelados do País, mais de 55% das pessoas moram em favelas no Jurunas, Guamá, Terra Firme; Marituba tem 77% da população morando em favelas, nas baixadas, onde não há condições nem de higiene, nem de saneamento, nem de vida, nem de coisa nenhuma. E essa favela só faz aumentar. Ananindeua tem 60% de favelados. Querem procurar as razões dos crimes onde, afinal de contas? A razão está aqui. Cada dia que passa, mais a miséria aumenta nesses bairros, baixadas que são favelas subumanas. É uma questão de números, não é filosofia, não é ciência, não é política, nem sociologia. É matemática. O Judiciário vai consertar isso? O que vai consertar são políticas públicas para tirar as pessoas dessas condições de vida. E políticas para melhorar o nível econômico da população. Mas o Judiciário vai ficar de braços cruzados, esperando acontecer cada dia que passa mais crimes? Também não! Crimes que são cometidos com maior gravidade, quando o criminoso revela periculosidade concreta à sociedade, aí a gente tem que deter esse cara, decretar a prisão preventiva, não pode deixar ele solto. Se eu colocar desde o início do processo uma pessoa que furtou um cordão na cadeia, mais fácil esse que furtou aprender a ser bandido na cadeia, onde vai se misturar com organizações criminosas; porque furtou um cordão vai sair de lá pronto pra pegar num fuzil e assaltar banco ou garantir a venda de cocaína, nas bocas.


E a política de guerra ao tráfico, pois se diz que a droga avança em meio à miséria das baixadas. Como se aplica a Justiça numa situação conflagrada?

Essa política de guerra às drogas está fracassada, porque, embora tenha se gasto milhões de dólares para armar a polícia e o combate ao tráfico, não diminuiu o número de consumidores e traficantes. No México, ao lado dos Estados Unidos, o tráfico domina os governos municipais. Vimos o assassinato de mais de 30 estudantes pelo tráfico, não faz muito tempo, todo o povo do México se levantou para protestar, porque os assassinos iam sair impunes por suas ligações políticas. No Brasil, além de não dar resultados, a guerra às drogas tem propiciado o encarceramento em massa da juventude pobre e negra do País. O resultado prático dessa filosofia e justificativa da guerra às drogas é transformar as favelas, onde vivem as pessoas pobres, em território de guerra. Então, a polícia entra  como se estivesse numa operação de guerra. Direito constitucional de inviolabilidade do domicílio? Não existe isso na favela. Já vi aqui no Fórum um pintor, estava pintando a casa do traficante, exercendo a profissão dele, foi contratado, ficou um ano preso. Vizinho de traficante a gente vê constantemente preso. Se o cara se assustar e correr, vai preso. Mulheres, filhas, irmãs, primas dos traficantes, todas presas. Quase 70% das mulheres presas no Brasil é por causa do tráfico de drogas. Qual é a força de reação que uma mulher tem dentro de uma favela, para dizer que não quer droga perto de sua casa, perante uma sociedade machista e opressora? Aí tu vês as prisões lotadas de mulheres, acusadas de tráfico, muitas delas estavam lá no meio da situação social. A guerra às drogas propicia que tu percas direitos. Em guerra, tu vais pedir pra alguém para entrar na casa e ver se tem inimigo lá? O juridicamente correto seria: ‘eu tenho desconfiança que ali naquela casa existe tráfico de drogas, mas eu não tenho certeza’. Aqui, no Fórum, tem um juiz de plantão 24 horas por dia, tem que pedir um mandado judicial pra ver se pode entrar na casa daquele cidadão e avaliar se existe realmente razão suficiente, para que se faça uma busca na casa da pessoa, e o juiz vai deferir ou não a busca. Quando a Polícia invade, se encontrar é flagrante; e se não encontrar? 

É a invasão de domicílio?

A gente vê muito isso aqui no Fórum. Um dia, tive uma audiência, estava escrito assim: ‘havia uma denúncia anônima de que tinha tráfico naquela casa, nós fomos lá, pedimos para o proprietário para entrar e o proprietário permitiu. Nós entramos e encontramos a droga escondida no banheiro’. Comecei a verificar nos processos: a maioria dos casos a polícia conta que o próprio morador deixou a polícia entrar na casa. Se o morador deixa a polícia entrar na casa, deixa de ser ilegal a diligência, porque não é mais invasão de domicílio. Daí vêm dois, três, quatro policiais e contam a mesma história. ‘Ele permitiu que a gente entrasse. Deu autorização’. Comecei a ver que aquilo era meio fora de lógica. Se o cara tinha droga na casa dele, por que ele iria permitir que a Polícia entrasse? Se a Polícia pergunta se pode entrar ou não, ele poderia dizer que não podia, porque a consequência seria ser preso. Daí eu resolvi perguntar a alguns policiais, nas audiências, o que é que aconteceria se a pessoa dissesse ‘não, você não pode entrar na minha casa’, já que, segundo a Polícia diz nos processos, ela pede permissão para entrar na casa; eu queria ver se eles respondiam que, nesse casos, viriam ao juiz pedir o mandado judicial. Sabe o que eles me responderam, mais de um policial: ‘doutor, eles nunca se recusam a deixar a polícia entrar na casa deles; toda vez eles deixam, eles autorizam a gente entrar, nunca aconteceu de um morador se recusar a deixar a polícia entrar’. É óbvio que não dá para acreditar numa história dessas, não é assim que funciona. Essa política de guerra às drogas, ela identifica o povo pobre como inimigo e vários direitos são suprimidos. Isso não leva a nada, porque não diminui a quantidade de traficantes e nem de violência. O número de pessoas mortas nessa guerra às drogas, em confronto direto com a Polícia ou por bala perdida, é muito maior que o número de overdoses que a droga causa. Então, não compensa fazer a guerra às drogas, porque tu queres preservar a vida das pessoas, mas vais preservar com uma guerra cujas baixas fatais são maiores que o número de overdoses que a droga provoca?

O senhor vislumbra alguma flexibilização no trato dessa questão das drogas?

Não tenho certeza sobre qual proposta defender, se fazer a mesma coisa que fizeram em Portugal, no Uruguai, que é a liberação do consumo de determinadas drogas, ou se é uma regulamentação desse consumo, mantendo logicamente o tráfico como crime, porque, ainda que se possa regulamentar ou descriminalizar o consumo de determinadas drogas, sempre vai haver o traficante que quer vender sua mercadoria por fora até mesmo dessa regulamentação. O traficante não deixa de ser um capitalista em busca de lucro, ele vai perder freguesia, vai entrar numa crise no negócio dele. Então, não sei se isso seria uma forma mais eficaz do que a guerra às drogas, porque não sei se isso dá certo - a regulamentação ou a liberação. Mas eu sei que a guerra às drogas não dá certo, porque só faz violar o direito das pessoas.

E as milícias em Belém?

Isso aí é outra coisa que aqui está tendo também agora. É mais grave ainda, talvez. Existem alguns inquéritos, mas estão sob segredo de Justiça e eu não posso falar concretamente, dar detalhes, mas existem identificados alguns grupos de milicianos aqui em Belém, criminosos envolvidos com alguns ex-policiais, que chegam e dominam os bairros, nessas áreas vermelhas, nas favelas e baixadas, no Guamá existe claramente ação de milícias, na Terra Firme também, mas eu não posso dar detalhes, não dá pra falar, tem investigação, eu decretei algumas prisões e algumas pessoas já foram presas.

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