Era manhã. A casa da minha avó ficava lá em cima. Mais ou menos uns quinze minutos de carreira da nossa casa. Nossa mãe mandou deixar algo. Por lá ficamos, meu irmão e eu.
À hora mais acesa do dia, o céu começou a enfraquecer, uma cor estranha começou a pintar nossa cidade linda. Sol e lua pareciam desistir da luz.
- Esse é o dia que não ia demorar pra chegar. O sol está desmaiando, sem força. Um dragão com cabeça de lobo tenta devorar lua e sol e roubar a luz. Esse é o dia do fim. Meus filhos, depressa! Vão morrer perto da mãe e do pai de vocês.
Bênçãos da avó e despedidas. Corremos enlouquecidos, segurávamos nossos corações, era quase um voo, com os olhos no céu. Ouvíamos o bater de latas e panelas, cantos de galos, gatos incandescentes atravessavam, gritos de medo riscavam a rua, entravam nos nossos ouvidos. Do Mirante avistamos a grande sombra do dragão sobre o rio. Olhamos o chão e as pedras eram estrelas apagadas.
À porta da nossa casa, ficamos paralisados. Eu vi páginas de lumes no céu, enquanto o meu voo. Um espantoso alaranjado se movia rapidamente para uma cor vinagre-castanho; nuvens perto dos astro se tornavam verdes-caindo mais escuro; um céu lilás parecia prestes a desabar, estirões tintos imaginei que fossem a língua do dragão; sol e lua estavam violetas-pálido, depois ficaram cinza-quase-negros; moitas de nuvens pareciam asas de anjos num redemoinho púrpura; bem mais no fundo havia azul noturno; seguiu o surgimento de línguas de flores se abrindo em cores que a tornavam frágeis candeeiros...
O céu escureceu a cidade, o céu trouxe medo, o mundo se acabava na conta de um mal súbito do sol. Foi a primeira vez que tive medo de estar vivo.
Chegamos à casa, extenuados, queríamos devolver nossos corações ao lugar do coração. Essa é a hora em que o filho quer o abraço da mãe.
O sol foi recobrando os sentidos, nossas caras assustadas, o céu foi clareando, os pássaros que haviam se agasalhados estavam barulhentos, como todas as gentes… Foi assim aquela pequena noite da nossa cidade. Foi a primeira vez que presenciei o fim do mundo.
*Edmir Carvalho Bezerra é poeta.
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