segunda-feira, março 02, 2020

Bolsonaro está fazendo as jornalistas de direita descobrirem que machismo não é mimimi


Qualquer uma de nós pode se tornar vítima da misoginia instalada no governo, resultado lógico de um golpe misógino, diz Cynara Menezes, jornalista de diversos veículos de comunicação e autora do blog independente Socialista Morena.

"O auge da misoginia com a presidenta da República viria em 2014, na abertura da Copa, onde um coro de “Dilma, vai tomar no cu” explodiu no estádio, diante do mundo inteiro, para nossa vergonha. Na época, a repórter Laura Capriglione noticiou que o xingamento foi puxado pelos que estavam no camarote, na chamada “ala VIP”. Entre “as mais entusiasmadas” era a colunista social do jornal O Estado de S.Paulo, “que deve ter achado muito fina, elegante e sincera a modalidade de protesto”.

Na posse de Dilma para o segundo mandato, Miriam Leitão e Cora Rónai, do jornal O Globo, se divertiram zombando do vestido e até do “andar” da presidenta.

Dilma era xingada com termos machistas nos protestos e nas redes sociais: “quenga”, “puta”, “vaca”. Jamais a voz de uma mulher jornalista em posição de destaque na imprensa comercial se ergueu para apontar a misoginia em torno do impeachment. Nem mesmo quando começaram a aparecer adesivos para colocar no tanque do carro com a imagem da presidenta, uma senhora com mais de 60 anos, de pernas abertas. Silêncio.

Quando, naquele domingo vexaminoso na Câmara, Jair Bolsonaro se pronunciou em favor do impeachment, dedicando o voto ao coronel Brilhante Ustra, “o terror de Dilma Rousseff”, o silêncio se repetiu. Não houve, por parte das mulheres da grande mídia, nem um pingo de sororidade com a mulher que ocupava o Planalto e cujo algoz nos porões da ditadura estava sendo homenageado.

Parece incrível, mas são as mesmas jornalistas que agora mostram indignação e surpresa com esta triste figura ocupando o lugar que já foi de Dilma. “Onde está a reação das instituições?”, bradava a colunista Vera Magalhães, do Estadão, sobre as insinuações de Bolsonaro em relação à repórter Patricia Campos Mello, da Folha, atacada pelo mitômano Hans River na CPMI das Fake News

Nem parecia a mesma Vera que chamava de “mimimi” as queixas de mulheres da esquerda sobre machismo e que participou ativamente do golpe que fragilizou as instituições democráticas do país –e agora cobra “reação delas”. Que instituições, querida?

Thais Herédia, da CNN Brasil, se espantava: “Como chegamos até aqui?” É sério que jornalistas com anos de profissão nas costas foram tão ingênuas para não prever como seria um governo Bolsonaro, que já dava mil pistas de quem era durante os 28 anos em que foi parlamentar? Até a Madonna sabia e vocês não?

Agora foi Patricia, antes foram Dilma, Maria do Rosario, a mulher do Macron… Mas precisou Bolsonaro atacar uma profissional da “grande” imprensa e atingi-las no que lhes é de mais caro, o corporativismo, para que estas mulheres enxergassem o óbvio: machismo não é mimimi. Qualquer uma de nós, independentemente de posição política, pode se tornar vítima da misoginia instalada no governo, resultado lógico de um golpe misógino que as jornalistas de direita apoiaram, diretamente ou por omissão.

O mais absurdo dessa história é que, alvo do preconceito de gênero, as jornalistas de direita continuam a se insurgir contra… as feministas. “Cadê as feministas?”, provocam, cada vez que sua indignação seletiva é ativada por algum sinal de machismo, mas apenas no campo adversário, a esquerda. Como se o machismo, exatamente como defende a esquerda, não fosse estrutural da sociedade.

Parem de cobrar das feministas ação contra o machismo que vocês mesmas ajudaram a levar ao poder. Nós sempre estaremos lá, do lado das vítimas, nunca dos algozes.

Não é porque mulheres se alinharam a machistas para golpear outra mulher que iremos abandoná-las quando se tornarem vítimas deles. Mas não deixa de ser uma lição e tanto.


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