quarta-feira, fevereiro 10, 2021

O suja história do lixo e do lixão de Marituba


Por Zé Carlos do PV

O Lixão de Marituba precisa ser fechado urgentemente, foi construído e licenciado contrariando as leis do nosso país, incluindo as leis ambientais e o bom senso. Mas antes é preciso que se saiba que as permissões legais e os contratos firmados que deram condições deste monstro existir estão envoltos em mentiras, estranhezas e até prevaricações.  

Mentiras que vem sendo repetidas pela imprensa e por autoridades sem o menor pudor. Vamos a elas:  

1. A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, (Lei Federal n.° 12.305/2010) obrigava o fechamento do Aurá. Esta é a primeira mentira.  

A Lei da PNRS realmente obrigava as cidades com mais de 100 mil habitante a encerrar seu lixões, mas em julho de 2015, o Senado estendeu a data-limite para o fim dos lixões. 

Além das capitais e regiões metropolitanas, os municípios de fronteira e os que contam com mais de 100 mil habitantes, com base no Censo de 2010, ganharam prazo até 2019. Mesmo com a prorrogação houve a pressa de encerrar o Aurá antes de extensão do prazo.  

Por que queriam tanto encerra o Aterro do Aurá?  

2. O Aurá era um lixão e reunia criminosos 

Outra grande mentira. 

O Aurá, por negligência da administração municipal, desceu da condição de aterro sanitário para aterro controlado e depois para lixão, antes disso, o Aurá estava tão bem organizado que havia recebido prêmio por ter retirado as crianças e adolescentes do trabalho degradante e contava com apoio da Comunidade Europeia para implantação e funcionamento de projeto moderno para evitação de gases de efeito estufa, fazendo a captura e a queima do metano produzido.

A campanha contra o Aurá se intensificou como muitos interesses para fecha-lo, por quê?  

3. Após o Aurá ser criminosamente degradado, a Prefeitura de Belém assinou, com o Poder Judiciário, um Termo de Ajuste de Conduta – TAC, que previa o encerramento do aterro, a inclusão socioeconômica dos catadores, a recuperação ambiental da área e atendimento às comunidades do entorno quanto a exposição e contaminação prolongada por gases e outros elementos nocivos a saúde.  Mesmo depois deste TAC, a campanha para fechar o Aurá seguiu forte.

A quem interessava este fechamento? 


4. A Prefeitura Municipal de Belém, em atendimento ao TAC, propôs, através de uma PPP – Parceria Público Privada, contratar empresa para cumprir todos os termos do TAC, do PNRS e abrir um novo espaço para o destino final de acordo com a legislação.

Da licitação aberta, participou duas empresas: A S.A. Paulista e a REVITA. A Revita foi desclassificada no certame, sendo declarada vencedora a S.A. Paulista. 

A perdedora Revita reagiu e denunciou a licitação ao Ministério Público, cujo promotor Raimundo Moraes, foi quem recebeu a petição e deu seguimento ao caso.

5. A REVITA, que havia chegado ao Pará no mandato dos prefeitos Helder Barbalho, de Ananindeua e Bertold, de Marituba, comprou uma área de uma antiga mina de extrações de matérias de construção civil, colada à REVIS – Refúgio da Vida Silvestre, unidade de conservação de proteção integral, inciou a implantação de um aterro sanitário com objetivo de, fechado o Aurá, todos os contratos deste serviço público virasse seu monopólio, viu seus planos frustados com a sua exclusão da licitação e passou a reagir jurídica e politicamente.

Porém o aterro da REVITA, que depois virou a empresa Guamá, não podia ser licenciado ambientalmente como não foi por muito tempo. Tudo ali era contrário às leis ambientais.  

Enquanto isso o Promotor de Justiça Raimundo Moraes trabalhava intensamente para fechar o Aurá e também para anular a licitação, incluindo a realização de audiências pública em favor da implantação do Aterro em Marituba, hipótese rejeitada pela população interessada. 

Será que o Promotor estava ciente que suas ações implicariam em favorecimento aos interesses monopolistas da REVITA?  

6. A Prefeitura de Belém homologou a licitação e deu por vencedora a empresa S.A. Paulista, que tinha expertise, por haver encerrado o Lixão de Gramacho, no Rio de Janeiro. 

Em poucos meses, após assumir o Aurá, a Empresa mudou aquilo da água para o vinho: cadastrou os catadores, retirou crianças e adolescentes do lixão, organizou as células e implantou um sistema de controle dos caminhões e da entrada do lixo, com um rigor técnico e software avançado capaz de impedir que a PMB fosse roubada no peso do lixo pago às empresas de coleta. 

O sistema de controle podia ser auditado e fiscalizado pelo Secretário de Saneamento e pelo Prefeito a partir do seus Smartphone. O melhor é que a empresa, pela PPP, estava bancando tudo.  

7. A implantação da PPP, no que concerne a inclusão dos catadores, estava acompanhada pela OAB e pela ONG No Olhar. A secretária de Cultura do Pará, Ursula Vidal foi contratada pela empresa e produziu um belíssimo documentário sobre o Lixão, catadores e comunidade. Posso garantir que foi um raro momento de inclusão e cidadania vivido pelos catadores do Aurá.

Se tudo estava indo tão bem por que a insistência em anular a licitação, o contrato da S.A. Paulista e fechar o Aurá, se isso favoreceria a Revita e seus aterro ilegal?  

8. Após a eleição do Prefeito Zenaldo Coutinho, que esteve no Aurá, reuniu com catadores, assumiu com eles compromissos. Foi nomeado como Secretário de Saneamento de Belém, o especialista renomado Luis Otávio da Mota Pereira, que montou uma senhora equipe, coordenada pelo Dr. Janary, e deu prosseguimento ao que vinha sendo realizado pela S.A. Paulista. 

Montou equipe com catadores, organizou o projeto de coleta seletiva e por último solicitou a SEMAS que licenciasse o Aurá na categoria de Aterro controlado. 

Neste momento, não sei se por pura coincidência ou por alguma outra razão, as campanha contra o Aurá se intensificaram.  

9. Os fatos contra o Aurá e a favor da Revita foram acontecendo numa grande velocidade.

A empresa S.A. Paulista foi distratada e expulsa do Aurá. A licença para o Aura não saiu. A Revita ganhou uma licença precária para funcionar seu lixão. A equipe do Dr. Luis Otávio pediu exoneração. O Aurá foi abruptamente fechado. 

A Guamá Tratamento de Resíduos Sólidos, empresa criada pela Revita, foi contratada emergencialmente por dispensa de licitação.  

É bom que fique claro que o Aurá encerrou apenas para receber resíduos domiciliares, as outras categorias de resíduos, incluindo lixo hospitalar, continuaram sendo depositados no Aurá.  

10. Eu e os colegas da Comissão de Meio Ambiente da OAB Pará, fomos deslegitimados para atuar como representantes da entidade dos advogados, perante autoridades e comunidade.  

11. A Revita ou Guamá, passaou a receber todo o resíduo domiciliar da Região Metropolitana de Belém, mesmo sem ter espaço, equipamento e técnicos a altura do contrato.  

12. O catadores protestaram, fizeram manifestações. Os moradores de Marituba bloquearam a entrada dos caminhões, mas a força dos governos foi maior. A operação do Lixão em Marituba espalha até hoje sua fedentina.  

13. Como advogados, mesmo excluídos da representação de nossa entidade, passamos a defender os interesses do catadores e de moradores do entorno do Lixão em Marituba. Patrocinamos Ação Popular contra o contrato por dispensa de licitação, Ação Civil Pública contra a licença ambiental e ação de indenização por danos materiais e morais em favor dos catadores e moradores. Estas ações se arrastam no Judiciário paraense.  

14. A ação popular que questiona o contrato da Guamá por dispensa de licitação ingressou em 2015 e agora em 2021, o Ministério Público, em uma petição assinada pelo Promotor Raimundo Moraes, pede que o juiz decrete perda de objeto da AP, alegando que o Aurá não pode ser reaberto e que o TAC já é objeto de outra ação, mas se esquiva do pedido principal que é a ilegalidade da dispensa de licitação.  

Quero encerrar este longo texto, mas creio que necessário, dizendo que meu objetivo não é apontar ou criminalizar pessoas, porem contar a versão de quem viveu esses anos todos lutando anonimamente para que o meio ambiente fosse protegido, que os catadores fossem respeitados, que os resíduos produzidos por nós fossem reciclados, que o rejeito final tivesse o destino adequado e que a comunidade pagasse por este serviço público, o preço justo, sem corrupção ou enriquecimento ilícito.

Que fique claro: nunca, nem eu e nem meus colegas, cobramos um tostão dos catadores e moradores para os defendê-los. Fazemos voluntariamente.  

Por fim, quero dizer que o correto a fazer nesta fase, depois de tantos interesses, será fechar Marituba, abrir uma célula emergencial no Aurá, implantar a coleta seletiva na região e abrir uma PPP para cumprimento integral do PNRS, com a contratação de empresa séria e que faça a recuperação ambiental do Aurá, a inclusão socioeconômica dos catadores e apresente um local adequado e de acordo com a lei para receber os rejeitos.

Um comentário:

  1. A luta é árdua porque os interesses econômicos e politiqueiros são os verdadeiros desserviço à comunidade e o meio ambiente.Parabens pela narrativa construída de luta dia a dia.A verdade é o respeito são pilares da democracia e do desenvolvimento humano e social.

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