domingo, março 03, 2024

Crise: Edmilson Rodrigues perde seu braço esquerdo no PSOL

Luiz Araújo deixou o PT para fundar o PSOL, onde viveu até então organizando a corrente interna "Primavera Socialista" e supostamente deve assumir a direção da corrente de Guilherme Boulos, a "Revolução Solidária".


Luiz Araújo é um velho militante socialista, de correntes partidárias que viveram na ilegalidade, até formarem o PT, onde viveu a maior parte de sua história. Parceiro do prefeito de Belém desde então, foi um quadro intectual que aderiu à saída do PT, junto com seu irmão, Aldenor Jr, atual chefe de gabinete de Edmilson Rodrigues. Juntos, os três formaram a tríade que fundou o PSOL no Pará, após a expulsão de diversos companheiros do PT, em 2004, dois anos após a primeira vitória de Lula à presidência do país.

Um dos expulsos foi o ex-deputado federal Babá, que com sua corrente interna no PT defendia posicionamentos considerados "radicais" pela ala petista mais alinhada a Lula e seu grupo interno do PT: a Articulação Unidade na Luta.

Ao saírem do PT dizendo que o partido já não mais representava os interesses genuínos da classe trabalhadora, Babá, Edmilson e os irmão Luiz Araújo e Aldenor Jr junto com outras lideranças nacionais aderiram ao Partido do Socialismo e Liberdade - PSOL, com a concepção de que o partido seria diferente do PT.

No entanto, em Junho do ano passado, Babá anunciou que ele e seu grupo estavam se desligando do PSOL, dizendo que a sigla “rasgou suas bandeiras” ao apoiar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República.

Em um Manifesto, a Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST), da qual Babá é fundador, disse que o petista fez alianças com “representantes dos banqueiros, agronegócio, multinacionais e setores da extrema-direita”. A corrente ainda faz críticas ao texto da âncora fiscal enviada ao Congresso e destaca posições consideradas “anti-ambientais de ministros do governo.

“Antes o PSOL rejeitava os governos de conciliação com a classe dominante, hoje ele os integra e apoia. A CST mantém a coerência com o programa que sempre defendemos”, acrescenta. “Não fundamos o PSOL para estimular a conciliação com os patrões, mas para combatê-la", concluiu o Manifesto do grupo de Babá. 

Agora, o racha ideológico no PSOL chega à Belém, com o anúncio de que o braço esquerdo de Edmilson Rodrigues, informa o seu desligamento do seu grupo político interno no PSOL, a "Primavera Socialista", e mesmo evitando entrar em detalhes sobre sua decisão, manifestou sua contrariedade aos rumos que o partido vem tomando, sobretudo à frente da Prefeitura de Belém, onde foi nomeado Diretor Geral da Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Belém para logo depois assumir a Secretaria Municipal de Controle, Integridade e Transparência do município de Belém e assumiu a função de coordenador do Grupo de Trabalho COP30 da Prefeitura de Belém, sendo substituído por Cláudio Puty, atual secretário de Planejamento e Gestão.

Há quem diga que entre os motivos da saída do companheiro de tendência de Edmilson, seja a relação mantida entre o governo municipal com os vereadores e partidos que dão sustentação à gestão, onde a promiscuidade e o toma lá, dá cá dominam as tratativas entre secretários municipais, assessores, parlamentares e empresários.

Leia abaixo, a carta de Luiz Araújo:

Carta de desligamento da corrente Primavera Socialista 

Essa deve ser uma das decisões mais difíceis da minha vida. Desde os 15 anos dedico minha vida a transformar o mundo. E nesses 46 anos sempre estive construindo meus sonhos na mesma organização. É muito tempo, muita aposta num único caminho. Passei pelo racha sofrido pelo MEP em 82, pela fusão que formou o MCR, pela decisão de ser uma tendência interna no PT (Força Socialista), pela saída doída do PT (reconhecendo que havíamos perdido a batalha de torná-lo um instrumento de transformação social radical), pela criação da APS, ajudei a administrar o rescaldo após o racha na APS e estou aqui após a criação da Primavera Socialista. Acompanhei entrada e saída do PT e acompanhei entrada e luta para construir uma maioria dentro do PSOL. 

O que me manteve na mesma posição durante mais de quatro décadas, com tantas mudanças de conjuntura e de ambiente onde a disputa revolucionária acontecia? É uma pergunta que tem pelo menos duas respostas. A primeira que vem a minha mente é a concordância com um projeto coletivo, projeto em que vários revolucionários dedicaram a melhor época de suas vidas. A segunda, não menos importante, é que sempre fugimos do isolamento, nosso projeto sempre esteve ancorado na certeza de que uma transformação social é obra de milhões e sem dialogar com seus sentimentos seríamos apenas um grupo irrelevante e com boas ideias. 

Mas, com o passar dos anos, como escrevi em documento interno ao debate do 2º Encontro da Primavera Socialista, fomos perdendo algumas características fundamentais enquanto grupo político e não tenho lido, ouvido e principalmente visto, vontade ou disposição para mudar as carências e deficiências que foram se acumulando e, mesmo que lentamente, corroendo o sentido coletivo de nossa existência. 

No documento “É preciso coragem para um novo começo”, escrito por mim e pela Joyce Garófalo, enumeramos as principais deficiências que acumulamos, dentre elas perda de nossa capacidade de formulação teórica, funcionamento de uma federação de grupos locais, unidos numa memória histórica comum e em objetivos comuns imediatos, não conseguimos manter um funcionamento democrático, seja no funcionamento das instâncias, em todas as esferas, seja na circulação de orientações e decisões. E mesmo os avanços pontuais de formulação não tiveram as consequências práticas necessárias, o que explica perda de várias lideranças, especialmente negras. Nos tornamos uma força relevante por que controlamos o aparato partidário, mas não temos relevância em nenhum movimento social, seja antigo ou novo. 

O documento resumia nosso pensamento: “o formato que temos hoje, nosso funcionamento e nossa formulação (ou limite dela) não nos permite cumprir as tarefas de ser um agrupamento bem posicionado para a próxima fase da luta social em nosso país. Estamos diante de um esgotamento das potencialidades do que somos e isso não começou agora, mas no momento os sinais são claros e não podem ser ignorados”. 

Os dois anos e meio de retorno a Belém, maior base política de nossa organização e local onde militei a maior parte da vida ao invés de me realimentar para enfrentar os problemas que precisamos resolver, deu-me a certeza de que o que achava que éramos é mais uma imagem do passado do que uma realidade do presente. Se não posso reproduzir o que somos no Pará para todo o Brasil, mas asseguro que com cores fortes é parte significativa de nossa fotografia. No berço da Cabanagem somos grandes, temos parlamentares, governamos a capital do estado, temos ampla maioria no PSOL, mas não somos uma organização. Temos valorosos militantes, isolados e sendo formados num emaranhado de grupos de interesse, de mandatos e futuros mandatos, sem espirito de corpo, sem nenhuma discussão política relevante e formativa, sem solidariedade com os demais. Pequenos ou grandes grupos em torno de projetos pessoais ou, quando coletivos, de uma fração do coletivo. Algo desalentador. 

Não me eximo das responsabilidades que me cabem no quadro que vivemos. Estive em posições de comando e devo ter feito menos do que poderia ou deveria. Vi a perda de lideranças negras incomodadas com falta de espaço e nada fiz. Vi a consolidação de projetos pessoais em várias partes e nada fiz. Aceitei determinadas práticas sempre em nome do bem maior, não deixar o PSOL se tornar irrelevante. Mas não medi ou alertei o suficiente para as consequências dos caminhos escolhidos. 

Por motivos de saúde não pude estar presente no debate do Encontro Nacional, mas lendo as resoluções e acompanhando os seus desdobramentos (ou não desdobramentos), fica nítido de que os problemas crônicos não foram enfrentados ou foram considerados administráveis. Continuamos priorizando os calendários eleitorais e partidários e esperando por um milagre. 

Certa vez, num debate com a militância da Primavera em Belém fui chamado de romântico. Pode ser, acredito que me levanto todo dia com vontade de lutar por que acho que estou dando minha parcela de contribuição para um projeto coletivo. Vou completar 61 anos daqui a 2 meses, me sobram 19 anos úteis, período produtivo e que não estarei ainda dando trabalho para outras pessoas. Sinceramente, depois de 46 anos de dedicação a um projeto que foi perdendo o sentido coletivo, deixando o sonho de transformação social em segundo plano, pretendo dedicá-los essas duas últimas décadas a um projeto que pelo menos me empolgue a me levantar e sair para lutar todos os dias. Preciso disso, é a vida que sei viver. Não vejo na Primavera mais a possibilidade de me oferecer esse sonho coletivo de mudanças que me alimente nessas últimas duas décadas de vida útil. E chegar a essa conclusão é algo profundamente dolorido para mim. 

Não sei viver sem militar pela transformação social. É o que sempre deu sentido a minha existência. Seguirei fazendo o que sempre fiz, ajudando a construir projetos coletivos. 

Assim, anuncio a nossa militância que estou me desligando da corrente. 

Tenho consciência de que quando saímos a tendência é realçar nossas falhas e defeitos, forma de evitar sangrias internas. Por isso, falhas eu reconheço de imediato. Poupo o trabalho. 

Desejo que minha saída sirva de reflexão. 

Março de 2024.

Luiz Araújo.

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