Mauro Santayana*
Ao fazer a famosa observação – “Quando a China despertar, o mundo tremerá” –, Napoleão Bonaparte sabia do que estava falando.
Em 1816, ao regressar da China, lorde Amherst passou pela Ilha de Santa Helena, no Atlântico. Não havia ainda o Canal de Suez, e a rota para a China contornava a África do Sul, seguindo o caminho descoberto pelos portugueses. Os navios se abasteciam ali de água potável e de alimentos.
Era também a prisão de Napoleão Bonaparte, depois de ter sido derrotado pelos ingleses na batalha de Waterloo. Era a segunda vez que a missão inglesa fracassara ao tentar estabelecer relações diplomáticas com o governo imperial da China. A primeira fora conduzida por lorde McCartney. O motivo dos insucessos fora singelo: os ingleses se recusaram a expressar sua obediência ao imperador, mediante a cerimônia do kou-tou, que era prostrar-se e bater nove vezes com a cabeça no piso.
Amherst visitou o prisioneiro. Ao saber que a missão do interlocutor à China fora frustrada, Napoleão fez a observação famosa: “Quando a China despertar, o mundo tremerá”. Sabia do que falava. A China era inquietante realidade. Durante milênios, o “Celeste Império do Meio” estivera tão distante quanto o outro lado da lua. E não era só a China, eram todos os “amarelos”: japoneses, coreanos, indochineses, que, no fundamental, tinham a mesma forma de ser, pensar e agir.
Os ingleses se vingaram da “desfeita” do imperador. A partir de modesta concessão dos chineses, iniciaram o comércio nas costas do grande país. Favorecidos pela astúcia, incrementaram o uso do ópio (então restrito a alguns potentados) pela população em geral, mediante o contrabando do narcótico, produzido na Índia, sob controle britânico. Quando o governo chinês percebeu que o ópio estava corrompendo e debilitando seu povo, proibiu o consumo e mandou queimar várias toneladas do produto, estocado pelos ingleses em Cantão. Em represália, os ingleses promoveram duas guerras contra a China; a primeira de forma isolada e a segunda com a participação dos franceses.
A ocupação da China foi odiosa. Os colonizadores viviam em bairros fechados. Nesses bairros era proibida a entrada de chineses e cães, nessa ordem. A exploração do trabalho dos nativos não se limitava a seu território. Milhares eram “vendidos” pelos traficantes aos países europeus e, por algum tempo, aos Estados Unidos; os homens para o serviço braçal, remunerados a centavos por dia, e as mulheres para os bordéis das grandes cidades industriais.
Pouco a pouco, e por influência das idéias ocidentais, alguns intelectuais chineses começaram a se organizar para livrar-se da dinastia submissa, construir uma república e restabelecer a soberania. A primeira organização revolucionária, a T’ung-meng Hui (Liga Revolucionária Unida), se fez no Havaí, onde se encontrava a maior concentração de trabalhadores chineses no exterior. Liderou-a o médico Sun Yat-sen, que proclamaria a República em 1912.
O grande desenvolvimento econômico e militar da China, a partir de 1949, com a definitiva vitória de Mao Tsé-tung (ou Mao Zedong, conforme nova e discutida grafia), e acelerado pelo seu sucessor Deng Xiaoping, inicia uma grande desforra histórica. Os chineses, com astúcia, esforço e inteligência política, prepararam-se nos últimos decênios com o propósito de vencer seus adversários, no campo político e econômico – entre eles, o Japão, particularmente cruel na ocupação da Manchúria e de Xangai –, e voltar a ser o Grande e Invencível Império do Meio.
Os chineses já ocupam, com o comércio e a influência política, grande parte da Ásia e da África. O Japão se inquieta com o crescimento da China e tem estreitado ligações com os Estados Unidos. Os norte-americanos se encontram sitiados por uma força ponderável dos chineses: o dinheiro. A China é credora de US$ 1 trilhão dos Estados Unidos. Esse dinheiro, de acordo com a denúncia do ex-senador George McGovern, foi gasto na guerra contra o Afeganistão e o Iraque. À China de hoje não interessa o confronto com o Ocidente. Sua estratégia, elaborada por mais de 50 séculos de História, tem sido erguer muralhas para sua defesa. A muralha de hoje é a do desenvolvimento industrial – e militar.
*Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros desde 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 80. É colunista do Jornal do Brasil e de diversas publicações.
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