O respeitável jornalista Mino Carta, despendido-se do seu Blog e dando um tempo da Carta Capital. Teria sido Lula foi o pivô?
Despedida
Quando escolhi o Brasil como lugar definitivo da minha vida, optei também pelo jornalismo. Existe uma indissolúvel conexão entre as duas atitudes. E explico. Até o golpe de 1964, fui jornalista com séria dedicação profissional. De alguma forma mercenário, no entanto.
Quarenta e cinco anos depois, vivo uma quadra de extremo desalento, em contraposição às grandes esperanças alimentadas durante a ditadura. Logo frustradas pela rejeição da emenda das eleições diretas após uma campanha a favor que honra o povo brasileiro. Fez-se, pelo contrário, a conciliação das elites, nos exatos moldes previamente desenhados pelo general Golbery do Couto e Silva. A aposta do Merlin do Planalto estava certa e vale até hoje.
Fez-se a conciliação para eleger Fernando Collor e para derrubá-lo. E novamente para eleger Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998. A Carta aos Brasileiros assinada por Lula foi uma tentativa de aparar arestas antes do pleito de 2002, aparentemente mal-sucedida, por ter convencido um número bastante diminuto de privilegiados. A conciliação veio depois da posse, a despeito do ódio de classe que até o momento cega a mídia.
A mim, que estou de olhos escancarados, a Carta convenceu por considerá-la sincera. Naquela época, não cansei de definir Lula como um conciliador desde os tempos da liderança sindical. No governo, contudo, ele foi muito além das minhas expectativas. Ou, por outra: deu para me decepcionar progressivamente.
O balanço de seis anos de Lula no poder não é animador, no meu entendimento. A política econômica privilegiou os mais ricos e deu aos mais pobres uma esmola. Há quem diga: já é alguma coisa. Respondo: é pouco, é uma migalha a cair da mesa de um banquete farto além da conta. O desequilíbrio é monstruoso. Na política ambiental abriu a porta aos transgênicos, cuidou mal da Amazônia, dispensou Marina Silva, admirável figura, para entregar o posto a um senhorzinho tão esvoaçante quanto seus coletes.
A política social pela enésima vez sequer esboçou um plano de reforma agrária e enfraqueceu os sindicatos. E quanto ao poder político? O Congresso acaba de eleger para a presidência do Senado José Sarney, senhor feudal do estado mais atrasado da Federação, estrategista da derrubada da emenda das diretas-já e mesmo assim, graças ao humor negro dos fados, presidente da República por cinco anos.
Outro que foi para o trono, no caso da Câmara, é Michel Temer, um ex-progressista capaz de optar vigorosamente pelo fisiologismo. Reconstitui-se o “centrão” velho de guerra, uma das obras-primas da conciliação tradicional. Enquanto isso, o Brasil ainda divide com Serra Leoa e Nigéria a primazia mundial da má distribuição de renda, exporta commodities, 55 mil brasileiros morrem assassinados todo ano, 5% ganham de 800 reais pra cima. E 2009 promete ser bem pior que pretendiam os economistas do governo.
Houve, e há, justificadíssima grita quanto às privatizações processadas no governo FHC. E que dizer do BNDES que empresta aos bilionários para armar a BrOi, a qual (é uma modesta previsão) acabará nas mãos de ouro de Carlos Slim? E que dizer da compra pelo governo de 49% das ações do Banco Votorantim à beira da falência?
Em um ponto houve melhoras sensíveis, na política exterior. E aí vem o caso Battisti. Até este serve ao propósito da conciliação, a despeito das críticas bem fundamentadas da mídia.
O ministro Tarso Genro disse em Belém que a favor da extradição de Battisti se alinham os defensores da anistia aos torturadores da ditadura, “com exceção de Mino Carta”. Agradeço a referência, observo, porém, que o ministro cai em clamorosa contradição. Não foi ele quem, em rompante que beira a sátira volteriana, sugeriu à Itália baixar uma lei da anistia igual àquela assinada no Brasil pelo ditador de plantão?
Talvez o ministro não saiba que enquanto no Brasil vigorou o Terror de Estado, na Itália houve uma gravíssima e fracassada tentativa terrorista de desestabilizar um Estado democrático de Direito estabelecido desde o fim do fascismo.
Se eu digo que o Festival de Besteira assola o País desde a época de Stanislaw Ponte Preta, e que se o ministro merece o Oscar do Febeapá, ao menos o professor Dalmo Dallari faz jus a uma citação, recebo as mensagens ferozes e as agressivas admoestações de centenas de patriotas. Pois não é bobagem (sou condescendente) dizer que na Itália dos anos 70 estava no poder um governo de extrema-direita, ou que se Battisti for extraditado, de volta ao seu país corre até risco de vida? Ou afirmar que Mestre e Milão, norte da península, são muito distantes, quando entre as duas cidades há menos de 200 quilômetros? Sem contar que, como me levam a observar vários frequentadores do meu blog, Battisti foi o autor do homicídio de Mestre e apenas o idealizador daquele de Milão.
Está claro que o ministro Tarso não erra ao dizer que a mídia nativa está sempre a agredir o governo de Lula, e contra esta forma desvairada de preconceito CartaCapital tem se manifestado com frequência. Ocorre que, ao referir-se à extradição negada a mídia está certa, antes de mais nada em função dos motivos alegados, a exibir ao mundo ignorância, falta de sensibilidade diplomática e irresponsabilidade política, ao afrontar um estado democrático amigo.
De todo modo, Battisti transcende sua personalidade de “assassino em estado puro”, segundo um grande magistrado como o italiano Armando Spataro, para se prestar a uma operação que visa compactar o PT e empolgar um certo gênero de patriotas canarinhos.
Creio que a revista ainda precise de minha longa experiência profissional, completa 60 anos no fim de 2009. Eu confiei muito em Lula, por quem alimento amizade e afeto. Entendo que o Brasil perde com ele uma oportunidade única e insisto em um ponto já levantado neste espaço: o próximo presidente da República não será um ex-metalúrgico com quem o povo identifica-se automaticamente. Conforme demonstra aliás o índice de aprovação do presidente, cada vez mais dilatado.
Vai sobrar-me tempo para escrever um livro sobre o Brasil. Talvez não ache editor, pouco importa, vou escrevê-lo de qualquer forma, quem sabe venha a ser premiado pela publicação póstuma.
desculpe mas so vi seu comentário no meu blog agora... abração!
ResponderExcluirmeu email e msn: serginhocunha@hotmail.com
Isso pelo fato do povo entender quem faz alguma coisa por ele. Lula, logo que sobrou uma graninha, mandou fazer casa para pobre. Por outro lado os políticos do Pará separaram uma verba milionária para a UFPa, só que ao invés de ser para comprar livros e fazer casa de estudante, obrigaram o reitor a construir o auditório mais luxuoso de todo o Brasil. Enquanto isso, os estudantes quase não têm livros e se abrigam numa espelunca que tem mais rato do que gente. No dia que chegou a verba o que mais se viu gabinete do reitor foi lágrimas, ante o nível de descaso dos nossos políticos com as reais necessidades da população mais carente. E mesmo que DCE tenha procurador senadores combativos como Nery, nada mais pode ser feito. É triste ficar dependendo de políticos dessa qualidade e por isso Lula é o mais querido.
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