Em Veríssimo - O Estado de S.Paulo.
Participei, sim, da campanha que garantiu a posse do Jango depois da 
renúncia do Jânio. Como ouvinte. Fui para a frente do palácio do 
governo, como todo o mundo, em Porto Alegre. Mais por curiosidade do que
 por qualquer ímpeto legalista. Eu trabalhava na Editora Globo, só 
porque não tinha me formado em nada, não queria mais estudar e a família
 - por um preconceito inexplicável - não queria um vagabundo em casa. 
Naquele dia o expediente acabou mais cedo. Motivo: guerra civil 
iminente.
Fui para a Praça da Matriz. A indignação com o que estavam preparando
 contra a posse do Jango, a Constituição e o Rio Grande do Sul era 
geral, mas não sei como nos comportaríamos se os tanques do 3.º Exército
 realmente surgissem na praça para acabar com a resistência do Brizola, 
como estavam anunciando. 
A disposição da maioria era a de formar uma 
barreira humana. Não passarão! Mas não era uma atitude apenas passional.
 Vários estrategistas militares espontâneos, com ideias sobre como agir,
 contribuíam com planos para a batalha possível. 
Discutia-se como os tanques chegariam ao palácio. Alguém nos 
assegurou, com precisão científica, que nenhum tanque conhecido 
conseguiria subir uma ladeira com o grau de inclinação da Rua General 
Câmara, que vinha dar na praça. Eles teriam que pegar a Rua Duque por 
baixo, o que aumentaria as chances de uma ação de bloqueio em toda a 
extensão da rua estreita. Ou poderiam subir pela Avenida Borges, dobrar 
na Riachuelo ou na Jerônimo Coelho... De qualquer jeito, não passariam. 
Mas havia a possibilidade de um ataque aéreo. Aviões estariam ou não 
estariam a caminho do Estado, para reforçar o contingente da base aérea 
de Canoas e bombardear o Brizola. Os ataques não vieram mas a tensão 
permaneceu alta, aliviada por piadas nervosas. Naquele clima, qualquer 
bobagem virava um clássico. Ouvi que chegou alguém esbaforido - grande 
palavra, o clima era esbaforido - com a notícia:
Voou bala na Praça da Alfândega!
O quê?
Parece que caiu um baleiro...
(Baleiro, crianças, era quem vendia balas na rua ou nos cinemas. 
Faziam parte do ritual de ir ao cinema na época as balas "café com 
leite" que colavam no dente. Mas acho que estou misturando as eras: as 
balas "café com leite" não foram contemporâneas da Legalidade. Ou 
foram?)
Havia mesas para a inscrição de voluntários na Rua da Praia e dizem 
que, por um breve e alucinado instante, o Partido Comunista teve o maior
 quadro da sua história. Estudantes faziam comícios relâmpagos na rua e 
se revezavam, entrando em bondes para conscientizar seus ocupantes. O 
jornalista Marcão Faerman, que então era estudante, contava que se 
reuniam no fim do dia para comparar experiências e uma vez ouviu uma 
queixa: "Peguei um bonde Gasômetro reacionário..." 
O palácio não foi atacado, o 3.º Exército aderiu à Legalidade, Jango 
tomou posse e três anos depois veio o golpe que o derrubou. O bonde 
reacionário tinha se atrasado um pouco na Rua Duque, mas acabou chegando
 a Brasília. 
 
 
 
 
 
 
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