Por:
Ana Claudia Chaves Teixeira
Clóvis Henrique Leite de Souza
Paula Pompeu Fiuza de Lima
Clóvis Henrique Leite de Souza
Paula Pompeu Fiuza de Lima
Nos últimos dois anos ocorreram algumas
iniciativas que prometem impactar aspectos relacionados ao eixo
“Fortalecimento da democracia participativa” da Plataforma da Reforma
Política. Entre elas estão as primeiras reuniões interconselhos
nacionais - o chamado Fórum Interconselhos; os diálogos sobre a Política
e o Sistema Nacional de Participação Social, capitaneados pela
Secretaria Geral da Presidência da República; e a aprovação da Lei de
Acesso à Informação.
Apostamos, entretanto, que para mudar a
realidade da democracia participativa no Brasil, no sentido de
aprofundá-la e aperfeiçoá-la, é preciso conhecer melhor em que estágio
ela se encontra. Na construção de uma reforma política ampla,
democrática e participativa, cabe conhecermos espaços participativos que
têm ganhado cada vez mais expressão: conselhos e conferências.
Algumas pessoas têm tido a oportunidade
de participar de um ou outro destes espaços, mas é muito difícil ter uma
dimensão do todo, “olhar a floresta, e não a árvore”. Ao realizarmos
uma pesquisa a respeito dos espaços participativos nacionais, alguns
dados nos surpreenderam pela diversidade temática e de formas de
funcionamento dessas instâncias de participação social. Há conselhos
tratando das mais diferentes políticas públicas e podemos dizer que meio
milhão de pessoas participa de conferências anualmente. Mas o que são,
quantos existem e para que servem esses espaços participativos?
Antes de apresentarmos os dados, para quem não sabe o que são conselhos e conferências, segue uma pequena explicação:
Conselhos - são instâncias compostas por
representantes do poder público e da sociedade civil, que pode estar
agrupada em diferentes segmentos, tendo como finalidade incidir de
alguma forma nas políticas públicas de determinado tema. Há conselhos
que são apenas consultivos (suas decisões não precisam, necessariamente,
ser levadas em conta) e há outros que são deliberativos (por lei suas
decisões, necessariamente, precisam ser levadas em conta). Em geral, os
conselhos não são reuniões esporádicas, de tempos em tempos. Eles têm
uma dinâmica regular, com algum encadeamento entre as reuniões, ou seja,
cada reunião não é um evento isolado, estando inserida em um contexto
mais amplo de construção de políticas públicas.
Conferências – são processos
participativos realizados, com certa periodicidade, para interlocução
entre representantes do Estado e da sociedade visando à formulação de
propostas para determinada política pública. As conferências são
convocadas por um período determinado e são precedidas de fases
municipais e estaduais antes de se chegar à etapa nacional. Em geral,
ocorrem debates sobre propostas e escolhas de delegados nas diferentes
etapas até chegar à nacional. Mesmo que instituídas em um sistema de
participação existente por lei, como no caso da Assistência Social,
necessitam de convocação específica feita pelo poder executivo.
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Você sabia que existem quase
60 conselhos nacionais e que durante o mandato de Lula ocorreram mais
de 70 conferências nacionais? Este número é pequeno ou grande? Deveriam
existir mais? Ou seria o caso de reduzir essa quantidade de espaços de
participação?
Entre 2003 e 2010 foram realizadas 74
conferências nacionais. Deste total, 21 ocorreram uma única vez, nove
contaram com duas edições, cinco com três edições e outras cinco com
quatro edições. Não tivemos 74 conferências com 74 temas diferentes.
Levando em conta o tamanho das
conferências, o trabalho para organizá-las, a necessidade de articulação
e de recursos, e a mobilização necessária, principalmente no nível
municipal, ao que parece há uma variedade de conferências bem maior do
que é possível administrar. Ao mesmo tempo, se encararmos estas
conferências como oportunidades de “experimentação” e de levantamento de
questões, já que não há obrigatoriedade legal para a realização da
maioria e que boa parte delas foi realizada uma única vez e não teve
continuidade, talvez ainda seja possível ampliar a mobilização e
realizar conferências sobre temas que precisam ser mais discutidos pela
sociedade brasileira. O que nos parece praticamente inviável é
transformar todas estas 40 conferências numa rotina a cada dois ou três
anos, especialmente se elas continuarem a ter puro caráter de
levantamento de propostas sem que haja devolutiva pelo Estado das
proposições. Há grande relevância no envolvimento amplo da população no
diálogo a respeito de diferentes temas, porém não é admissível que as
questões não sejam encaminhadas, enfraquecendo a mobilização social.
A multiplicidade temática no caso dos
conselhos ainda é maior que a das conferências. Conseguimos identificar
59 conselhos vinculados a diferentes órgãos do Governo Federal, a
maioria deles na área social e ambiental (38 conselhos) e número muito
menor (15 conselhos) ligado a temas de infraestrutura e economia. Vale o
questionamento a respeito de quais áreas concentram as oportunidades de
participação institucionalizada e por quais motivos pode existir menor
abertura às instâncias participativas. De toda forma, cabe perceber que
os conselhos se diferenciam entre si por seus objetivos e formas de
funcionamento.
Os conselhos de políticas setoriais são
os conselhos que contribuem para a formulação de políticas públicas em
determinada área, como saúde, educação, assistência social, planejamento
urbano, desenvolvimento rural, entre outras. Dos conselhos mapeados, a
maior parte (39) é de política. Os conselhos de direitos são aqueles que
tratam dos direitos de uma população específica, em geral, grupos
marginalizados que se supõe que precisam de políticas específicas. Onze
conselhos são desse tipo. Evidentemente que todos os conselhos lidam
diretamente com a questão dos direitos e com as políticas públicas
específicas, contudo, nesse caso o direito da população em questão é o
foco do conselho. Exemplos de conselhos de direitos são os dos Direitos
da Criança e do Adolescente e dos Direitos da Mulher. Por último, há
também os conselhos de fundos, como o de Amparo ao Trabalhador ou de
Combate e Erradicação da Pobreza, que tratam de recursos públicos
direcionados a determinada política. Entre os conselhos mapeados, há
nove conselhos de fundos.
Com relação ao período de criação, boa
parte dos conselhos foi criada ao longo do processo de redemocratização -
no ano da promulgação da Constituição de 1988 e nos dois que se
seguiram foram criados sete conselhos. Contudo, foi no governo Lula que
houve a maior expansão do número de conselhos em menor tempo (25
conselhos nos 8 anos). O ano em que foram criados mais conselhos foi
2003, instituindo-se dez conselhos.
Você sabia que poucos espaços estão garantidos por lei?
Quando nos deparamos com essa intensa
expansão de instâncias de participação em nível nacional, cabe
perguntarmos se há garantias legais para a continuidade ou se são
experiências transitórias. Olhando por este prisma, perceberemos que
conselhos estão em melhores condições que conferências. Possivelmente
pela própria natureza pontual das conferências, poucas são as que estão
previstas em lei.
No caso dos conselhos, cerca de metade
deles foi criado por lei, mas há muitos ainda que foram
criados apenas
por decreto ou portaria. Cabe destacar que seis conselhos garantidos em
lei estão inseridos em sistemas nacionais de políticas públicas
(assistência social, saúde, criança e adolescente, meio ambiente,
segurança alimentar e defesa civil), o que fortalece a
institucionalização dos mesmos e os interliga a outras instâncias da
gestão da política pública. Observando as áreas de políticas, vemos que a
área social e ambiental tende a instituir os conselhos por meio de lei.
Exceção feita para o governo Lula que, tendo criado 14 conselhos desta
área, apenas quatro foram criados por lei (os demais foram por portaria
ou decreto). Estas informações fazem crer que a abertura à participação
vista entre 2003 e 2010 não tem ainda muita correspondência na garantia
legal. Ou seja, diversas instituições participativas foram criadas, mas
com menor força institucional. Isso pode indicar uma forma de ação do
governo Lula – criação de instâncias participativas com menores
garantias institucionais, mas também pode sinalizar que setores sociais
que demandaram maior institucionalização da participação já haviam
obtido sucesso na criação destes canais antes de 2003.
Você sabia que uma parte dos
conselhos é consultiva? E que não há nada que obrigue o Estado a levar
em conta os resultados das conferências?
A maior parte dos conselhos é
deliberativa, mas quase metade deles (43%) é apenas consultiva. Esse
dado é importante porque caso um conselho seja somente consultivo, as
decisões tomadas não necessariamente se refletem em políticas públicas.
Em conselhos deliberativos, as decisões se traduzem em resoluções que
vinculam a ação estatal à decisão colegiada. Há um importante debate se
os conselhos deveriam ser todos deliberativos, e alguns apontam que há
conselhos consultivos que conseguem até ser mais influentes do que
outros que são legalmente deliberativos. Tudo isso é verdade, mas é
importante chamar a atenção para o fato que o que podemos esperar (e
portanto, cobrar do governo) em um caso e noutro é muito diferente.
Como poucas conferências estão
instituídas em lei, a vinculação delas com conselhos ou com processos de
planejamento como o Plano Plurianual (PPA) é quase inexistente. O que
se observa é a realização dos processos desconectada dos calendários de
formulação e revisão do PPA, dificultando a possibilidade de influência
das propostas nos planos de ação estatal. Dessa forma, o esforço de
mobilização pode ser desperdiçado porque não há qualquer previsão de
como ele será incorporado aos ciclos de produção ou monitoramento das
políticas públicas. O caráter das conferências é mesmo consultivo e não
há nada que obrigue o Estado a levar em conta o que se propõe nesses
processos participativos. Então resta aos conselhos o acompanhamento dos
encaminhamentos dados às propostas de conferências. Nesse sentido, cabe
fortalecer o vínculo entres essas instâncias de participação social com
vistas à complementaridade e ao reforço mútuo.
Você sabia que há diferenças
em termos de funções? E que nem todos os conselhos e nem todas as
conferências servem para as mesmas coisas?
Quando observamos os objetivos dos
conselhos, verificamos três tipos funções: 1) estratégicas - ligadas ao
amplo direcionamento das políticas; 2) programáticas – possibilitando a
definição de programas e projetos do ministério, bem como o
monitoramento e a avaliação das ações; 3) operacionais - relacionadas a
tarefas do dia-a-dia do conselho. Com isso percebemos a multiplicidade
de objetivos que devem orientar a ação dos representantes, sendo que
distintos conselhos têm combinações diferentes de funções. Vale
ressaltar que os limites entre esses objetivos não são rígidos. No
funcionamento dos espaços participativos todos os objetivos podem
ocorrer ao mesmo tempo. Um conselho, por exemplo, em uma mesma reunião
pode discutir os objetivos de uma conferência nacional, avaliar uma
atividade realizada e normatizar um procedimento específico.
No caso das conferências nacionais
realizadas entre 2003 e 2010, como esperado, encontramos objetivos
ligados à proposição de políticas públicas. No entanto, também
constatamos que conferências foram convocadas com objetivos de
fortalecer a participação, analisar situações e agendar assuntos. Como
nos conselhos, os diferentes objetivos podem ocorrer numa mesma
conferência. De todo jeito, cabe o questionamento se conferências
convocadas sem a função propositiva deveriam ser consideradas instâncias
de participação ou apenas processos de mobilização social a respeito de
uma temática.
***
Voltando ao início deste artigo, e depois de termos apresentado estes dados, é possível aprender que alguns desafios permanecem para o eixo do “Fortalecimento da Democracia Participativa” presente na Plataforma. Destacamos apenas três. É preciso constatar que estamos bem longe de um sistema integrado entre as várias iniciativas de participação. Ao conhecer esta variedade de espaços, com finalidades e jeitos de funcionar tão distintos, fica a sensação de que é preciso olhar com atenção quais conexões de fato existem (ou podem vir a existir), lembrando mais uma vez que há baixo grau de formalização dessas instâncias, e parte delas pode deixar de existir a qualquer momento. Segundo, é preciso reconhecer e reafirmar o que a Plataforma já havia apontado que de fato faltam espaços participativos nas áreas econômicas e de infra-estrutura. Terceiro, vale ressaltar que muitos conselhos são consultivos (no caso das conferências, elas são por excelência consultivas), e de fato é preciso encontrar um lugar e um momento onde a realização das conferências faça mais sentido e tenha maiores efeitos.
Saiba mais:
• Nestes dois links, você encontra o relatório de pesquisa, com a lista de todas as conferências e conselhos:
http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/livros/2012/relatorio-final-arquitetura-da-participacao-no-brasil-avancos-e-desafios
http://www.polis.org.br/uploads/1262/1262.pdf
• Neste outro link, você encontra a lista das conferências que serão realizadas em 2013: http://www.secretariageral.gov.br/art_social/conselhos-e-conferencias
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* Este artigo foi elaborado de forma totalmente compartilhada. Os nomes dos autores estão em ordem alfabética, o que não representa qualquer diferença de contribuição.
* Este artigo é um fruto da pesquisa “Arquitetura da Participação” realizada por Inesc e Pólis entre 2010 e 2011.
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