Ramona já chegou de Cuba ao Pará com a intensão de ir pros EUA. |
No blog do Hiroshi Bogéa.
Pacajá é uma cidade de 43 mil habitantes.
Tem um dos mais baixos IDH (índice de Desenvolvimento Humano) do Estado, – medido a 0,515.
Sua população, desde o dia 1º de fevereiro, fomenta as conversas do dia a dia em torno da deserção da médica Ramona Rodrigues (foto), cubana que integrava o Programa Mais Médicos, e que deixou o município para pedir asilo à embaixada dos Estados Unidos.
Não há outro assunto na cidade.
E histórias e estórias de todos os tamanhos e gostos.
Pode ser que, daqui a alguns anos, o caso seja uma lenda, na cabeça fértil de cada morador.
Nas rodadas informais, o tema é livre e, às vezes, picante.
Nos meios oficiais, entre servidores públicos do município e do estado, a questão é tratada com mais discrição.
“A gente só tem esse emprego, se perder, como vou tocar a vida?”, indaga uma funcionária, ao telefone, conversando com o poster.
Ela foi acionada através de uma fonte conhecida do blogueiro.
Algumas trocas de ligações telefônicas, durante o final da semana, nos colocaram, finalmente, “frente a frente”.
Para falar, foi logo dizendo, a sua identidade deveria ser preservada.
“Por que, você recebeu determinação para não conversar com a imprensa”, pergunto.
“Não, não, é que esse assunto é muito sério, o que tem de jornalistas que chegam aqui na cidade, e fico com medo. Se o senhor quiser que eu fale, meu nome não deve “sai”, até porque eu disse isso ao seu amigo que me procurou…”
Em qualquer lugar do mundo, fonte é fonte. Patrimônio do bom jornalista. Guardá-la a sete – ou mil chaves, é regra básica.
Nossa entrevistada é da área de saúde, tem família radicada no município e é muito conhecida na cidade.
Passados dez dias, continua coberta de nebulosidade a história da médica cubana Ramona Matos Rodriguez, que desertou do Programa Mais Médicos, viajando para Brasília, escondida, e aparecendo no gabinete da liderança do DEM, do deputado Ronaldo Caiado (GO).
Resumo do papo que mantivemos com a servidora pública:
Com a fuga da médica, o atendimento à população ficou comprometido?
No posto onde ela trabalha, sim. Era lá no posto de saúde do bairro Alto Bonito (foto), muita gente está indo lá, e voltando. A prefeitura teve até que colocar aviso explicando que enquanto não chegar novo médico, não haveria expediente.Mas nos outros postos onde também trabalham médicos cubanos, o atendimento está normal.
Quantas pessoas, por dia, a senhora acha são atendidas nesse posto?
Eu, particularmente, não sei, exato. Mas pelo número de pessoas que entram e saem, mais de 50, por ai.
(O pôster checou o número exato: 30 consultas/dia)
Como você conheceu a médica Romana?
Eu conheci a doutora Ramona no segundo dia de trabalho, em novembro, quando eu cheguei no posto para tratar de um assunto da secretaria de Saúde de Pacajá. Fomos apresentadas pelas colegas do posto, e daí em diante fomos mantendo contatos quase que diários, até virar uma boa amizade. Procuramos dar todo apoio a ela, ate porque a orientação que recebemos da prefeitura era para que nós a agradasse ao máximo, para que ela se acostumasse logo com nosso lugar. A vinda desses médicos para Pacajá aliviou demais a vida da população carente e da prefeitura, que nunca teve sorte em ter bons médicos.
Você pode dizer, então, que era uma espécie de amiga pessoal da médica, com quem conversava sobre tudo?
Não vou dizer ´amiga pessoal´, mas parece que ela gostava de falar comigo. Talvez a língua que ela fala dificultasse um pouco a compreensão, mas eu também me sentia bem conversando com ela, pessoa muito boa, só que as vezes se fechava um pouco, acho que é o jeito dela.
Nesse tempo de convivência, você chegou a ouvir alguma vez ela reclamar que ganhava pouco, lhe fez alguma revelação sobre o valor do salário que lhe pagavam?
Não, nunca, isso eu posso afirmar. Nunca tratou desse assunto. Ela nunca falou pra mim que estava insatisfeita por ganhar pouco, nunca falava de salário, nunca disse nada sobre isso. Se ela disse a outra pessoa, eu não sei. Única coisa que achei estranho era ela dizer, muitas vezes, que ia embora, que não ficaria muito tempo. Cheguei ate conversar sobre isso com meus colegas.
Quando ela lhe falou que ia embora, recentemente?
Não, logo que ela assumiu o cargo, acho que inicio de dezembro, um mês depois que chegou aqui. Ela fazia até o sinal com as mãos de pegar avião, dizendo que ia para os Estados Unidos.
E quando ela falou em ir embora, você desconfiou de alguma coisa errada?
Eu não, nunca imaginei que isso fosse acontecer assim.
Antes de começar a gravar esta entrevista, você me disse que a doutora Ramona lhe falou sobre um namorado. Pode contar essa história?
Não, foi assim. Um dia, a gente estavámos (sic) conversado lá na praça da Bandeira, e ela disse que estava com saudade do namorado dela. A gente ria muito, do jeito que ela falava do namorado, achava engraçado o jeito que ela falava, a língua dela, e sempre a gente brincávamos (sic) com os colegas, imitando o jeito dela falar.
A doutora contou como era o namorado, o que ele fazia, quanto tempo namorava com ele?
Ela disse que ele mora em Miami, mas não explicou o que ele faz. A gente que perguntava se ele era “gato”, e como a doutora Ramona não sabia o que significa “gato”, minhas colegas imitavam um gato miando, ela ria muito. Depois explicamos que “gato” significa bonito, e ela passou a dizer que o namorado era “gaton” (imitando a médica)
Alguma vez, a médica chegou a dizer que estava sendo vigiada em Pacajá, reclamava de falta de liberdade?
Não, não, nunca.
E vocês, perceberam alguma vez alguém na cidade vigiando os médicos cubanos, ou impedindo eles de irem para algum lugar?
Também, não. Olhe, deixa eu lhe explicar. Se o senhor conhece Pacajá, sabe que a cidade aqui é pequena, todo mundo conhece todo mundo. Se alguém fala uma coisa numa rua, em cinco minutos, a cidade toda toma conhecimento. Qualquer coisa estranha, logo o morador suspeita. Por que o senhor fez essa pergunta?
Porque a doutora Ramona tem declarado à imprensa que não tinha liberdade para se mover em Pacajá, tinha sempre que pedir permissão para alguém, e que era constantemente vigiada.
Eu nunca vi isso aqui, com toda sinceridade. E ela também nunca reclamou que estava sendo espionado por alguém, e ia pra onde queria aqui na cidade, nunca vi ela reclamando de que não tinha liberdade, pelo menos pra mim.
Outra declaração da médica cubana, ao justificar sua fuga do Programa Mais Médicos, é quanto a falta de infra estrutura do posto de saúde onde ela trabalhava.
Olha, falta de infra estrutura, ocorre em muitas cidades do país, mas posso lhe garantir que a unidade de saúde de Alto Bonito tem material básico, inclusive em estoque. Posso até admitir que nosso “postinho” não é modelo, porque temos nossas deficiências, mas que ela tinha material básico, isso nunca faltou.
Pessoalmente, qual sua opinião sobre a doutora Ramona?
Excelente pessoa, médica dedicada que soube conquistar a população. Se o senhor sair pela cidade perguntando sobre ela, todo mundo vai dizer que está fazendo falta, e que a ausência dela está sendo muito sentida. Ela não devia ter nos deixado.
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