Por Vera Guimarães Martins, ombudsman da Folha de São Paulo.
Nenhum assunto motivou mais manifestações de leitores no pós-feriado do que a manchete publicada no dia 2 de maio. O enunciado, "Dilma mente sobre reajuste do Bolsa Família, diz Aécio", era acompanhado de uma foto do pré-candidato tucano no palanque, ao lado de um humorista travestido de Dilma.
Para quem não acompanhou: na véspera do 1º de Maio, a pré-candidata petista à reeleição havia usado cadeia nacional de rádio e TV para anunciar reajuste de 10% no Bolsa Família, correção da tabela do IR e manutenção da valorização do salário mínimo. As medidas, de alta octanagem eleitoral e econômica, foram manchete em todos os jornais.
Aécio aproveitou o palanque da Força Sindical nas comemorações do Dia do Trabalho para contra-atacar. Em discurso, sacou dois ou três números que desmentiriam a afirmação de Dilma de que o aumento elevava a remuneração ao patamar de renda mínima estabelecido pela ONU para superar a linha da pobreza.
A frase aparecia no quinto parágrafo de uma reportagem sobre as festividades do 1º de Maio na cidade de São Paulo, publicada na pág. A4, da editoria de "Poder". O enunciado interno era genérico: "Rivais atacam Dilma e criticam aumento dado ao Bolsa Família".
A "Primeira Página" optou por "esquentar" a cobertura, alçando a frase de Aécio à manchete. O texto mencionava que Eduardo Campos (PE), pré-candidato pelo PSB, também criticara o aumento, mas o ex-governador mineiro reinou sozinho no título e ganhou uma arma valiosa para usar nos programas eleitorais.
Para alguns leitores, óbvio sinal de parcialidade e preferência pelo tucano. "Apresentar frase de um candidato criticando outro como a grande manchete do dia é vergonhoso. É fugir à responsabilidade. Pode até ser verdadeira a frase, mas deveria ser objeto de análise, de provas", escreveu um leitor. "A Folha checou? Não, preferiu ecoar uma bravata de campanha", afirmou outra leitora. Bingo.
É essa omissão que avalio como o maior problema da cobertura eleitoral. A campanha ocupou três das quatro manchetes do feriado: Dilma (1º lugar nas pesquisas) apareceu em duas; Aécio (2º colocado) em uma. As três eram ancoradas em agenda ditada pelos candidatos e não foram além do jornalismo declaratório.
O critério vigorou na edição de 1º de maio, quando as medidas anunciadas se resumiram ao conteúdo do pronunciamento e a uma análise curta. Foi reprisado na sexta, com troca de elenco: saiu a pré-candidata petista e entrou seu adversário tucano. E repetiu-se no sábado, com a volta de Dilma, então escoltada por Lula, no encontro nacional do PT.
Em todas, o jornal ficou a reboque. Abdicou de criar agenda própria, não se preocupou em discutir desdobramentos e implicações econômicas das medidas nem em produzir dados confiáveis para orientar o leitor, perdido entre acusações de malversação de números.
Não teria sido difícil fazê-lo, mesmo com o buraco negro do feriado, que faz desaparecer analistas, fontes e colunistas. A Folha tem profissionais que conhecem bem o assunto e já o abordaram mais de uma vez em reportagens, colunas e blogs.
Sobre a reclamação dos leitores, a Secretaria de Redação diz que, nos três casos, o jornal optou pelo fato que julgou ser o mais noticioso do dia e manteve suas premissas de praticar um jornalismo crítico, apartidário e equidistante da disputa.
Não é bem assim. A posição crítica estava presente no texto sobre o pacote de medidas, ao ressaltar seu forte apelo eleitoral e a necessidade da petista de recuperar o terreno perdido nas pesquisas. Não houve a mesma preocupação em contextualizar as motivações de Aécio ou de verificar se fazia sentido sua acusação de que Dilma mentia.
Para além da busca diária por isenção, porém, é fundamental repensar o conceito de cobertura eleitoral. O principal objetivo a ser perseguido é fugir do blá-blá-blá eleitoral estéril. É nessa hora que os jornais podem fazer a diferença e assegurar sua sobrevivência no cenário desafiador que vêm enfrentando.
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