Leitura Vesga
Da advogada Mary Cohen, coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB/PA, sobre a tentativa do MPE do Rio Grande do Sul em extinguir o MST.
A propósito das decisões do Ministério Público do Rio Grande do Sul, contra o MST, o documento, em seu radicalismo, sua fúria e sua construção de um fantasioso projeto revolucionário, lembra o famoso Plano Cohen, de autoria do capitão Olímpio Mourão Filho, para uso dos integralistas, e que serviu de pretexto para o golpe do Estado Novo, em 1937.
Foi divulgado, à época, um suposto projeto terrorista com o intuito de responsabilizar os comunistas pelo falso projeto, com apoio estrangeiro, para a implantação de um regime "soviético" no Brasil.
No documento dos promotores, é atribuído, ao MST, ligações com forças militares estrangeiras, guerra de guerrilhas, criação de territórios livres, e uma revolução de caráter socialista no Brasil. Não obstante bem escrito, sua linguagem é de extrema-direita e as idéias são tacanhas, bem assim como os argumentos usados para propor a extinção do movimento. Peca o documento ao ignorar, ao proporem a extinção do movimento, que numa comunidade de centenas de milhares de pessoas, é natural que haja descontentes e talvez mesmo criminosos.
Imaginar que os sem-terra devam constituir legião de anjos, descidos ao planeta para combater o latifúndio, é demonstrar absoluta desinteligência do mundo.
Mas não podemos ignorar que a maioria ali se encontra empurrada pela miséria absoluta, contando com uma cesta básica, e é de seu direito natural buscar comida para os filhos onde for possível. Eles não são apenas sem terra. Falta-lhes a terra, ou seja, o direito de estar no mundo. Em contrapartida, os promotores gaúchos também esquecem, em seu documento, as milhares de vítimas dos grileiros e da polícia nos últimos vinte anos, só para exemplificar.
Não podemos esquecer que, ao mesmo tempo em que os movimentos são atacados e depreciados e que mais de 30 lideranças dos movimentos sociais são investigadas pela Polícia Federal ou tem processos só na Justiça Federal de Marabá, os crimes contra os trabalhadores rurais e seus aliados continuam impunes.
O único mandante preso no Pará, Vitalmiro Bastos de Moura, Bida, condenado pelo assassinato de Irmã Dorothy foi libertado por decisão de novo julgamento no tribunal do júri. E as suadas conquistas dos povos tradicionais enfrentam barreiras cada vez maiores como é o caso da suspensão pelo STF da retirada dos arrozeiros da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e os constantes ataques de graduados militares do Exército Brasileiro contra a demarcação em área contínua desta área, sob o argumento de defesa da soberania nacional.
O mesmo se pode falar dos ataques que acabaram praticamente paralisando as ações de reconhecimento de áreas quilombolas.
Não podemos fazer uma leitura vesga dos fatos, como fizerem os promotores gaúchos.
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