domingo, setembro 14, 2008

Roubar a Previdência não é Crime




Por Paulo César Régis de Souza*

São muitos os golpes desferidos contra a receita Previdenciária nos últimos tempos. Custa crer que a Previdência ainda esteja de pé. Golpes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Uma verdadeira escalada de golpes que está minando, dia a dia, a capacidade de financiamento e sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social/RGPS. Golpes eivados de ignorância, má fé e profundo desconhecimento das regras universais de Previdência.

Tudo é feito para que o déficit cresça e a Previdência se atole no descrédito público. Descrédito que já levou 8 milhões de brasileiros, desesperados, para os planos de previdência privada que, aliás, não são de previdência coisa nenhuma, mas papéis de investimentos, com incentivos fiscais. Uma farsa grosseira sem que Executivo , Legislativo e Judiciário acordem para a realidade.

Os últimos golpes: implantação dos Refis 1,2,3,4 e 5 favorecendo os caloteiros; favorecimento à pilantrópicas de todos os calibres e todos os “políticos”; incorporação da Receita Previdenciária pela Receita Federal, com 4 mil auditores fiscais e cinco mil servidores de nível médio; transferência da dívida ativa do INSS inicialmente para a AGU e depois para a PGFN; redução pelo Supremo do prazo de decadência (prescrição) dos débitos de 10 para cinco anos; inclusão da desoneração previdenciária, sem que o Ministério da Previdência fosse consultado, na proposta de reforma tributária, ampliação da renúncia previdenciária para o Supersimples sem que igualmente o Ministério da Previdência fosse consultado; instituição da renúncia previdenciária para os produtores e exportadores de produtos de informática, sem que o Ministério da Previdência fosse consultado. Nunca dantes neste país o Ministério da Previdência foi tão esquecido, humilhado, ultrajado, apesar de contabilizar 35,5 milhões de segurados contribuintes e 25,5 milhões de segurados beneficiários, uma clientela maior do que as populações da Colômbia, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai!

E os ministros o que fizeram? Nada, rigorosamente se omitiram. Por incompetência, despreparo.

Agora o último golpe.

O Judiciário acaba de adotar entendimento de que apropriação indébita contra a previdência social não é crime, mas somente um “desvio” do dinheiro que descontou do empregado e dele se apropriou por alguma necessidade premente e, por isso, não recolheu.

A extensão do entendimento determina que o INSS terá que comprovar que o santo empresário agiu de má fé. Em tese, o INSS terá que se transformar em delegacia de polícia e investigar onde o santo empresário aplicou o dinheiro descontado do trabalhador para financiar o RGPS e não recolhido no dia certo e preciso, como fazem 90% dos empresários do país. Só será crime se o santo empresário tiver tido lucro ou usou tais recursos em proveito próprio ou na aquisição de bens.
Emplacaram uma firula jurídica onde não cabia. Secularmente, apropriação indébita era o desconto do INSS do trabalhador e não repasse ao próprio INSS. Coisa simples de ser verificada pela fiscalização. O empresário salafrário que assim agisse poderia ser preso e executado.

Recordo vários ministros da Previdência batendo às portas da Justiça, em todas as sedes dos tribunais regionais federais e nas Procuradorias da República, levando pilhas de processos de apropriação indébita, solicitando a prisão dos apropriadores.

Lamentavelmente, neste tempo de impunidade generalizada, mudaram o entendimento. Não só as algemas estão sendo abolidas, mas todas as regras de decência, de dignidade, de ética, de valores.
Uma safadeza de monta pois qualquer turista do Gabão sabe que o INSS, privado de sua Receita, sem auditores fiscais e sem procuradores, está impedido de fiscalizar, cobrar, arrecadar, recuperar créditos, não terá condição de provar nada e a PGFN, com l0 milhões de processos para cobrar, sendo 7,0 milhões da Receita Federal, não terá condições de sair a cata dos apropriadores indébitos...

Melhor faria o Judiciário se baixasse uma de suas Súmulas proclamando: todo aquele que praticar a apropriação indébita contra a Previdência Social terá honras de chefe de estado! Ou outra Súmula: roubar a previdência Social não é crime.

O outro lado da moeda

Uma senhora noutro dia foi presa por não pagar pensão alimentícia durante três meses, o juiz não quis nem saber se a mesma estava precisando do dinheiro, se estava ou não desempregada, mandou para o xilindró, para a cadeia com outros presos de alta periculosidade perto dela, delinqüentes, ladrões, estupradores, etc. Há pouco tempo, em São Paulo, uma senhora, pobre, negra e desempregada, acabou na prisão por ter roubado um pote de margarina em um supermercado. As prisões e delegacias estão abarrotadas de pobres, negros, nordestinos, por delitos menores, pois não têm como pagar advogados e a justiça gratuita no país é tão ruim quanto os serviços de saúde e as escolas públicas...

Novamente, a Previdência foi “ferida de morte”, com essa decisão de que o mau patrão que desviou o dinheiro do trabalhador, dele se apropriou, só pagará a apropriação débito se ficar provado que obteve lucro com o dinheiro que deixou de ser dele, no momento em que ele fez o desconto em folha.

No entanto a Previdência vai ter de pagar benefício ao trabalhador dessas empresas, se um dia se acidentarem, aposentarem, enfim solicitar qualquer benefício. Trata-se de um direito adquirido. O trabalhador não é responsável se o empregador desconta e não recolhe.

O Estado é responsável pela fiscalização, arrecadação e recolhimento. Não pode o Judiciário transformar a exceção em regra, não pode oficializar o calote, não pode prejudicar a sociedade como um todo, em benefício de um punhado de caloteiros, safados e desclassificados.

A mãe Previdência terá que arcar com o ônus do caloteiro, pagando o benefício sem o devido custeio.

O Judiciário que estimula e favorece a impunidade deve repensar os mecanismos de defesa do Estado e da proteção social, razão principal da Previdência Social. Fui levado a concluir que se não tivermos a cobertura da lei para que os devedores da Previdência paguem o que devem para manter o equilíbrio atuarial do RGPS, só nos resta chorar. Apropriação é roubo, até prova em contrário. Roubo é crime. Este é, felizmente, o entendimento dos mortais e dos brasileiros de 2ª. classe. Os de 1ª. classe vivem no mundo das espertezas e das expertizes. 

*Paulo César Régis de Souza é presidente da Associação nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social – ANASPS.

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