Por Lúcio Flávio Pinto em Observatório da Imprensa.
Delta Publicidade, que edita o jornal O Liberal e faz parte do império de comunicação da família Maiorana, afiliado à Rede Globo de Televisão, continua a ser uma empresa falida que sobrevive não se sabe exatamente como. Seu patrimônio total (a soma de todos os bens e direitos) em 2011, o último exercício financeiro com balanço divulgado, duas semanas atrás, era de 135,6 milhões de reais. Já suas dívidas de curto e longo prazo totalizavam R$ 144,2 milhões, ou R$ 8,6 milhões acima de tudo o que a empresa dispunha, em dinheiro vivo, direitos a receber e bens patrimoniais tangíveis e intangíveis.
Nessa condição, mesmo que a Delta recebesse todos os seus direitos junto aos seus devedores e vendesse todos os seus bens pelo valor com que se acham contabilizados (e que, supostamente, é o que esses bens realmente valem, já que o ativo permanente é sistematicamente reavaliado, na forma da lei), ainda assim, o que ela arrecadasse seria insuficiente para pagar todas as suas dívidas. Ficaria devendo ainda R$ 8,6 milhões (que é o valor do Patrimônio Líquido Negativo). Trata-se, portanto, de uma empresa insolvente, ou falida.
A situação de insolvência é atestada no correspondente indicador de desempenho. Ao longo do período de sete anos, entre 2005 e 2011, o coeficiente de solvência da empresa jamais igualou a 1,0 (o mínimo admissível para caracterizar uma situação de solvência: um real disponível para cada real exigível da empresa).
O mais próximo que esse coeficiente chegou, do mínimo requerido, foi 0,99, alcançado em 2005. Daí em diante, o coeficiente de solvência apenas caiu, atingindo seu ponto mais baixo em 2010 e 2011, com 0,94 (isto significando que a empresa dispõe de, no máximo, R$ 0,94 de bens e direitos, para cada R$ 1,00 de dívida de curto e longo prazo).
Prejuízo acumulado
O mesmo cenário de insolvência se mantém quando analisada a situação da empresa do ponto de vista da liquidez geral (que difere da situação de solvência porque não computa o ativo permanente). A melhor condição foi registrada em 2006, quando foi verificada uma liquidez geral de 1,32. Nos anos seguintes a situação se deteriorou, caindo para 0,62 em 2010 e recuperando-se apenas ligeiramente, para 0,64, em 2011.
A condição se altera de forma dramática quando analisada a partir da ótica da liquidez corrente e da liquidez seca, conceitos contábeis que excluem os valores realizáveis e os exigíveis a longo prazo. Ambos os indicadores têm mantido uma saudável proximidade do padrão 1,0, sendo frequente a superação dessa referência. De 2005 a 2011, a liquidez corrente sempre se manteve superior a 1,0 (o que significa dispor de mais de R$ 1,00, em dinheiro vivo + direitos de curto prazo, para cada R$ 1,00 de dívida de curto prazo).
Isso acontece porque o endividamento da empresa está concentrado nas dívidas de longo prazo. Ao final de 2011, esse tipo de endividamento, no valor de R$ 106,9 milhões, representava nada menos que 74,1% do endividamento total, de R$ 144,2 milhões.
Ao longo de todo o período, de 2005 a 2011, o endividamento de longo prazo só fez crescer. Era de R$ 86,1 milhões em 2005. Passou para R$ 90,7 milhões em 2006; R$ 95,5 milhões em 2007; R$ 99,1 milhões em 2008; R$ 101,0 milhões em 2009; R$ 106,90 milhões em 2010; e, finalmente, R$ 106,91 milhões em 2011.
A evolução desse endividamento induz a duas conclusões.
A primeira conclusão: a empresa lida com credores extremamente compassivos, compreensivos, generosos e pacientes. Além de serem ricos, naturalmente, para não cobrar de volta esse dinheiro imobilizado. A empresa lhes deve mais de R$ 100 milhões, está insolvente e se revela cronicamente incapaz de melhorar seu desempenho, de modo a se capacitar para pagar o que deve. Nada disso abala a serena generosidade com que essas almas caridosas colocam mais e mais dinheiro nas mãos do mau pagador endividado.
A segunda conclusão é a de que, a despeito de tamanha boa vontade, parece estar se esgotando a generosidade, ou a capacidade financeira, ou as duas coisas, desses bondosos credores. Contrastando com que aconteceu nos anos anteriores, em que injetavam recursos na Delta Publicidade em escala de milhões (em 2010, foram R$ 5,8 milhões), em 2011 os credores de longo prazo concederam à empresa espantosos R$ 7mil (isto mesmo: tão somente sete mil reais), participando muito discretamente do financiamento do rombo de caixa. Teria secado a milagrosa fonte?
Se a resposta é positiva (não se sabe em que consiste essa fonte, talvez os próprios acionistas, embora seja impossível, com os dados disponíveis, saber de onde retiram esse dinheiro todo), a perspectiva será trágica. Repetindo o que ocorre há quase uma década, Delta Publicidade apresentou prejuízo tanto em 2010 (de 2,3 milhões de reais) quanto em 2011 (R$ 1,4 milhão), conforme seus dois últimos balanços, só agora publicados, com o atraso de sempre.
Ao final de 2011, o prejuízo acumulado pela firma da família Maiorana somava R$ 16,9 milhões, o que representa uma elevação de 11,2% em relação a 2005, quando o balanço patrimonial apontou um prejuízo acumulado de R$ 15,2 milhões.
Em 2011 o prejuízo final, de R$ 1,4 milhão, representou 2,1% da receita bruta. Esse é um dos melhores – ou “menos piores” – resultados de todo o período analisado, entre 2005 e 2011. Nesses sete anos, o melhor desempenho foi registrado em 2007, quando o prejuízo final equivaleu a 1,8% da receita bruta. O pior desempenho foi o de 2006, cujo prejuízo representou 7,1% da receita bruta. O negativo apurado em 2011 é 40% menor que o de 2010. Isso fez com que o crescimento do prejuízo acumulado, de 2010 para 2011, fosse de 3,0%, contra 5,3% no ano anterior.
Modelo esgotado
Como nos anos precedentes, em 2010 e 2011 a receita bruta da empresa revelou-se capaz de suportar apenas o custo bruto dos serviços e os impostos e contribuições sobre vendas (os “impostos indiretos”, que, aliás, são bem mais baixos que os vigentes para os demais setores da economia brasileira: pesando apenas 3,6% sobre a receita bruta da Delta). O prejuízo aparece a partir do momento em que são computadas as despesas operacionais, que consomem o equivalente a 40% da receita bruta, em média.
O resultado negativo foi minimizado em 2011 com uma substancial redução do custo bruto dos serviços. Em 2007, esse item atingiu seu ponto máximo, consumindo 81,0% da receita bruta (77,1% em 2006 e 64,2% em 2005). Nos anos seguintes, parece ter sido adotada uma política sistemática de redução do custo, que caiu para 79,6% da receita bruta em 2008, 73,6% em 2009, 61,6% em 2010 e, finalmente, 57,1% da receita bruta em 2011, o menor nível de custo em sete anos. Em comparação ao pico de 2007, a relação custo bruto dos serviços/receita bruta sofreu a redução nada desprezível de 29,5%.
O resultado financeiro líquido, que, nos anos anteriores, ajudou com uma discreta redução do prejuízo, não cumpriu essa função em 2010 e 2011. Em 2010, esse resultado foi mínimo (equivalente a apenas 0,8% da receita bruta). Em 2011 foi ainda pior: prejuízo R$ 935 mil, aumentando, em vez de diminuir o resultado negativo da empresa. Isto significa que a Delta está operando com custos financeiros crescentes, que superam as receitas financeiras que ela consegue produzir.
Os “outros resultados operacionais”, repetindo o ocorrido nos anos anteriores, continuam a ter repercussão mínima na formação do resultado global da empresa. Em 2010, essas operações produziram um prejuízo equivalente a 0,1% da receita bruta. Em 2011, o resultado final foi nulo.
Pelos dados do balanço, não há como reverter esse quadro trágico. Repetindo novamente o ocorrido em exercícios passados, a Delta Publicidade apresentou geração negativa de caixa em 2011. A geração bruta, de R$ 64,5 milhões, foi menor que o montante desembolsado a título de custos, despesas e tributos, no valor de R$ 65,9 milhões. O cotejo entre esses dois volumes já produz um resultado negativo de R$ 1,4 milhão.
Acontece que a Delta ainda teve que desembolsar mais R$ 5,5 milhões, aplicados no acréscimo de seu ativo (principalmente na concessão de créditos a clientes, e, possivelmente, a sócios – a empresa não detalha essas informações). O resultado disso foi uma geração negativa de caixa no valor de R$ 6,9 milhões, em 2011.
Nenhum desses dados constitui novidade na vida de Delta Publicidade. Coisa igual ou parecida aconteceu nos outros anos. A grande novidade, em 2011, foi o modo pelo qual a empresa dos Maiorana cobriu o fluxo de caixa descompensado. Nos anos anteriores, boa parte da deficiência de caixa era coberta pelo aporte de recursos fornecidos pelos credores de longo prazo.
Em 2011, eles proporcionaram à empresa somente modestos R$ 7 mil. Isso obrigou a Delta Publicidade a recorrer ao endividamento de curto prazo para cobrir seu caixa. Em 2011, o endividamento de curto prazo respondeu por nada menos que R$ 4,7 milhões, ou seja, 68,1% da deficiência de caixa, de R$ 6,9 milhões.
Para uma comparação: em 2009, o endividamento de curto prazo contribuiu para zerar a geração negativa de caixa com R$ 1,8 milhão, enquanto que os credores de longo prazo proporcionaram R$ 1,9 milhão, para o mesmo fim. A queda dessa participação para apenas R$ 7 mil é uma mudança e tanto. Esses credores não têm mais dinheiro? Alguém os impediu de manter essa fonte de hemorragia do seu patrimônio ou de outros negócios que possuem? Nada se sabe. Tudo é mistério nessa parte da história.
O restante do rombo de caixa foi coberto pela mobilização de saldo financeiro remanescente do exercício anterior (R$ 1,5 milhão). Da mesma maneira como em anos anteriores, o valor total se completa com um persistente e inexplicável “ajuste de exercícios anteriores” (a popular “conta de chegar”), agora no valor de R$ 656 mil.
Com os elementos fornecidos pelos balanços é impossível dizer se o ocorrido em 2011 é situação isolada ou uma tendência permanente. O esforço que a empresa realizou no sentido de reduzir seus custos, e de maneira tão acentuada (os custos caíram de mais de 80% da receita bruta, em 2007, para 57,1%, em 2011), parece indicar a segunda hipótese.
Se for isso mesmo, pode ser que tenha se esgotado o modelo de gestão que a Delta Publicidade manteve, sem alterações, ao longo de mais de dez anos. A empresa terá que desenvolver outra estratégia, ou enfrentará dificuldades cada vez maiores para garantir sua subsistência. Por enquanto, trata de esconder como pode esses números, além de dificultar seu entendimento.
Boa pergunta
É por isso que os dois últimos balanços, como os anteriores, foram publicados apenas no Diário Oficial e no irmão mais novo, o Amazônia. As contas não saíram em O Liberal, justamente o jornal de responsabilidade de Delta Publicidade – e o de maior prestígio e poder. Nele, todos os sete irmãos são sócios proprietários, junto com a mãe. No Amazônia, só os irmãos homens, Ronaldo e Romulo Maiorana Júnior.
Se O Liberal estivesse tão bem quanto sua propaganda apregoa, por que não publicar os balanços de sua própria empresa, exibindo-o para o público de maior poder aquisitivo e informação, que lê o jornal? O paradoxo indica o caminho da resposta – e do futuro.
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Nova campanha
A ostensiva campanha do grupo Liberal contra o edifício irregular na orla da baía de Guajará surpreendeu o seu público. Os Maiorana são amigos dos donos da Engeplan e da Premium, que a sucedeu no empreendimento. São também aliados do senador Flexa Ribeiro, padrinho – por assim dizer – da obra.
Os Maiorana eram amigos dos donos da Freire Melo, mas também investiram contra ela, quando a esposa de um dos donos, da Receita Federal, impediu o contrabando do jatinho da ORM Air. Pelo mesmo motivo da nova campanha que estão promovendo (agora, ao menos, com uma causa justa): conflito de interesses comerciais. Quando a moeda cantante fala mais alto, tudo que a musa canta se torna secundário, supérfluo ou inaudível.
Romulo Maiorana Júnior quer vender os apartamentos do seu Maiorana Towers One. Para isso, promove a maior campanha de mídia da história de empreendimentos imobiliários no Pará (e, talvez, no Brasil, quiçá do mundo?). E sem pagar um tostão, o que explica a profusão de anúncios no jornal da família. Um tipo de iniciativa que podia ser classificada de concorrência ruinosa e provocar alguma ação na justiça para repor a isonomia ao mercado. Mas quem tem coragem para tanto?
O mote da comercialização da enorme torre de concreto é estar no “lugar certo”: “Você contempla a natureza e a natureza contempla você”, promete a peça publicitária.
E mais: “É impossível não se render às belezas de Belém e o Maiorana Towers One oferece para você a vista mais bonita da cidade: a Baía do Guajará, onde céu, terra e rio se encontram. As sacadas panorâmicas são um verdadeiro convite à contemplação da grandiosidade amazônica”.
Mas não, certamente, com o outro espigão de concreto no meio dessa visão idílica, avançando sobre a Baía numa posição única, sem concorrente. Se já está difícil vender os apartamentos do Maiorana Towers, mesmo com a propaganda inédita, ficará pior com aquela muralha transformando em propaganda enganosa a exclusividade proclamada pela propaganda.
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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)
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