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sexta-feira, fevereiro 26, 2016

Quantas redes sociais são necessárias para preencher o nosso vazio existencial?


Por Leandro Karnal, no portal Raízes

Eu acredito que nós estamos gritando desesperadamente para sermos observados. Eu acredito que nós estamos nos sentindo muito solitários. Eu acredito que nós potencializamos o eu, mas atomizamos, se preferirmos a metáfora física. Ou capilarizamos, se preferirmos a metáfora biológica.

Nós temos, desde a invenção da imprensa, no século 15, na Alemanha, a invenção da grande imprensa, nos século 19 e 20; a televisão, no século 20, o rádio no século 20. Nós temos um crescimento gigantesco na capacidade de comunicação com o grande público. Ainda estamos lidando com estes fatos, mas sem sombra de dúvida as pessoas estão dando opinião de tudo e isso é um bom exercício.

A pergunta é se alguém está ouvindo a opinião alheia, se alguém está lendo a dos outros? Se eu tiver 35 grupos de WatsApp: família, amigos, emprego, festas, etc.; se eu tiver três contas no Instagram; se tiver quatro contas no Face, inclusive um fake para sacanagem. Se tiver tudo isso, quem eu estou lendo de fato, se o meu tempo é consumido pela atualização destas questões?

Eu, como pessoa mais velha, assisti ao nascimento do celular, assisti ao nascimento do computador pessoal, ouvi tocar o primeiro celular em sala de aula. Os jovens não sabem disso, mas não havia celular antes. Eu sei que essa ideia é… é uma ideia muito extraordinária. E como dizem algumas alunas:

– Eu não posso desligar, professor, eu tenho filho.

Como será que nossas mães nos criaram sem o celular? Minha preocupação não é com a tecnologia. Uso o celular e gosto muito, ele é útil, e ele resolve muitas coisas para mim. A minha preocupação não é tirar ou reforçar o celular, é secundário… A minha preocupação é quem sou eu que preciso estar presente em tantos personagens, em tantos lugares, para que tanta gente me veja?

Quando eu falo, às vezes, na televisão, e essa televisão tem interação via redes sociais, eu tenho a sensação que ninguém me escuta, eu tenho a sensação que muitos telespectadores estão casados comigo; não me escutam e não temos sexo. Ou seja, é um casamento absoluto. Eu tenho a sensação que cada um emite a sua opinião imediatamente quando identificam que eu disse alguma coisa. E graças a isso vão mandando mensagens. Mandando mensagens… A participação é muito boa e quando eu escuto, interajo, ela é fundamental.

Nós temos a chance de uma virada. Vou usar uma palavra mais difícil: epistemologia do século 21 em que o conhecimento atingiu um novo patamar de validação. Temos a chance, mas isso ainda não ocorreu. Nós não estamos brilhantes ou mais produtivos do que há trinta anos. Apenas estamos incrivelmente mais ocupados com o mundo virtual. Eu saí com uma profissional de arquitetura que fazia um trabalho pra mim e ela sentou comigo para jantar e discutir um problema de reforma; ela atendeu o celular. Eu fiquei esperando. Certamente era algo grave. Começamos a conversar, ela atendeu novamente. Eu esperei. Certamente era algo gravíssimo que impedia a nossa reunião. Na terceira vez, tocou o celular. Era eu ligando para ela. E dizendo para ela: já que você prefere pelo celular, vamos ter a reunião assim. E tivemos. E foi uma reunião produtiva. E o celular dela não tocou mais. Porque nós tivemos (a reunião).

É uma questão de escolha. Me preocupa que a realidade virtual se sobreponha à realidade real. Me preocupa isso. Mas é provável uma preocupação de idade. Não que seja uma preocupação de criança ou jovem. Isso vai passar. Me preocupa que realmente a fala reflexiva que é o tom da fala de Hamlet tenha desaparecido. E a fala informativa esteja dominando. Como diz um filme sobre a dificuldade de Shakspeare. O problema de Shakspeare é que ele nunca diz: vai daqui prá lá. Shakspeare diz: “Toma das asas de mercúrio e passa deste ponto àquele outro onde o sol se põe”.

As metáforas, as interpolações, os adjuntos, os apostos, os vocativos shakspearianos tornam complicadas as frases reflexivas. Porque a frase reflexiva pressupõe pensar no que estou dizendo. E quando eu penso no que estou dizendo, curiosamente, eu digo menos, que é mais significativo. Quando eu não penso no que estou dizendo eu digo mais coisas porque elas perderam o sabor.

E se tornam num quilo. Apesar do restaurante por quilo ser uma maravilha ele reduziu todos os alimentos a um mesmo sabor. O chuchu, a vitela, o purê, o milho, a alface, todos têm o mesmo gosto. E se não são os onze quando são colocadas, três, pelos menos, certamente têm o mesmo sabor. As pessoas põem um pouco de cada como se fizesse qualquer diferença o frango, o peixe ou a carne. E escolhem a ervilha como quem escolhe pérolas, uma por uma e colocam, delicadamente, no seu prato. Eu fico pensando, é tão sem graça essa comida. Eu tenho que ter muito cuidado ao comer pra me sentir comendo alguma coisa. Ou seja, quando eu não tenho sabor nas coisas que eu vivo e faço eu multiplico as coisas que eu vivo e faço. E falo mais e saio mais e faço mais festas e tenho mais amigos, viajo e não paro de viajar, porque como eu não consigo estar comigo, quero estar em todos os lugares do mundo.

Eu não tolero estar na minha casa. Sou pensativo, então eu tenho que estar no estresse do aeroporto. E visitando. Você foi à Argentina, foi à Buenos Aires, foi à Córdoba? Você conhece Salta? Ah, Salta eu não conheço. Então vamos à Salta neste momento. Agora eu fui a Salta. E a Patagônia? E Mal Del Plata? Ou seja, é uma vida. Uma vida para rodar, rodar, até que fique tão longe que eu perca a consciência de mim mesmo. Por isso que nós viajamos mais do que jamais viajamos no passado. Porque nós não vemos mais nada. E batemos fotos que vão para o computador e não vão ser vistas por ninguém ou você envia cópias para dez mil pessoas que não vão ver ou vão ter inveja de eu estar viajando e vão responder apenas: kakakaka.

Ou seja, este é o vazio que o Hamlet estranharia, já que o Hamlet faz toda a peça dele, a mais reduzida de todas, num único espaço da corte. Num único espaço de Elsinore, em salas do palácio e dali apenas, eles falam de uma viagem à Inglaterra, de navio e de uma ida a Paris. Mas toda peça se passa ali, porque a casca de noz de Hamlet é suficiente reinado; é suficiente para ele.

*Leandro Karnal é um historiador brasileiro, atualmente professor da UNICAMP na área de História da América.

sábado, outubro 31, 2015

O Brasil vai mesmo virar um país de intolerantes?



Por Philippe Ladvocat, no BrasilPost.

Sempre que discussões como o feminismo, os direitos das mulheres ou a violência contra minorias vêm à tona, um grupo de pessoas (com muitas características em comum) é insistente em bradar que não pode ser enquadrado na mesma categoria por não ser estuprador, violento, pedófilo ou homofóbico.

A questão é sempre a mesma: "temos que pagar o pato pelos erros dos outros?". E aqui vai uma notícia para você: sim, você tem que pagar o pato. Nós temos que pagar o pato. E sabe por quê?

Porque essas pessoas que sofrem a violência e a desigualdade diariamente vêm pagando o pato há muito tempo. E agora é hora de acertar as contas.

Quando eu era mais novo, insistia em dizer que não existia dívida histórica porque eu não escravizei ninguém.

O que eu falhava em perceber é que uma sociedade completamente dividida em que negros não usufruem dos mesmos direitos dos brancos, são olhados com desconfiança em um País de mestiços e são tratados, muitas vezes, como cidadãos de segunda classe (se é que são tratados como cidadãos), há sim uma dívida histórica e essa conta ficou para todos nós.

E os juros continuam subindo e destruindo qualquer esperança de uma sociedade justa.

E aí é que entra a conivência geral, mesmo quando você não é o indivíduo ameaçando ou abusando.

O brasileiro adora se orgulhar de levar a vida com leveza e bom humor. Adora rir de tudo e dizer que é especial porque faz piada mesmo com as mazelas da vida.

E assim explica-se boa parte do problema: tudo é engraçado, tudo vira humor, nada é levado a sério.

Boa parte dos brasileiros prefere compartilhar a zuêra para ganhar curtidas no Facebook, se perde nas tirinhas infames, nas montagens ridículas, na boçalidade diária de não levar nada a sério. Esquece da filosofia, da história, do contexto, para divulgar uma idiotice ofensiva -- seja política ou social.

O que importa é ganhar um "hahaha" ou um "rsrs", não é discutir, debater ou desenvolver uma sociedade melhor. Até que ponto vale realmente a pena ridicularizar absolutamente tudo em vez de criar discussões válidas e embasadas?

A primeira herança da ditadura militar já sabemos bem: as instituições públicas absolutamente sucateadas (ou você acha que a educação pública, a segurança das grandes cidades e o sistema de saúde se tornaram todos tão caóticos durante os anos 60, 70 e 80 por coincidência?).

A outra herança é uma geração de desinformados que, com o acesso às novas mídias sociais e a falta de noção da importância de se apurarem os fatos (para isso existe, em teoria, o jornalismo), grita seus preconceitos, indignações seletivas e revoltas preguiçosas aos quatro ventos, sem nem se preocupar em entender definições.

Às vezes sabem que a notícia é falsa, mas não importa. Fora o humor canalha, a ridicularizarão do outro, que vale mais do que uma discussão saudável. Os adjetivos preconceituosos, a piadinha elitista para sugerir que os pobres são todos bandidos e/ou ignorantes, está tudo lá, substituindo o argumento.

Junto com parte dessa geração (a parcela que se revolta mas não se informa), os filhos mimados e igualmente preguiçosos, ex-alunos medíocres, que perderam a oportunidade de criar um senso crítico -- qualquer que seja a ideologia.

Junto com seus erros gramaticais, repetem as falácias cansadas, vazias e superficiais e se orgulham de dizer que são contra o governo (qualquer que seja), o feminismo, a igualdade de gêneros, os direitos homossexuais, a proteção ao meio ambiente, a diminuição da quantidade de carros nas ruas, porque "nada disso é importante".

Pedem disciplina, cadeias, punição, gasolina barata, reduzem tudo a dois lados e não percebem a ignorância do mundinho em que estão inseridos: um pensamento erradicado em boa parte do mundo há décadas mas que persiste naqueles que não se esforçam para considerar algo diferente daquilo que acham que produziram com o próprio cérebro.

Já sabemos que grande parte dos comentários altamente intolerantes vem da lavagem cerebral promovida pelos oportunistas falsamente religiosos, mas existem os outros intolerantes que acham que têm o direito de fiscalizar a vida alheia, seja em suas relações amorosas, em sua decisão sobre o corpo ou em sua luta pela igualdade onde quer que seja.

São os tipos patéticos que reclamam da falta de humor alheio, que acham que "tudo virou fobia" e que confundem a liberdade de expressão com a mediocridade de suas palavras. Que acham que só aquilo que conhece importa e danem-se os outros porque são uma parcela menor da população.

Que acham que lutar por direitos é garantir privilégios enquanto os verdadeiros privilégios são os de não ter que lutar por nada.

São aqueles que comentam uma 'piadinha' ou um comentário 'revoltado' sobre um ex-presidente no vídeo de um cachorro fazendo algo engraçado.

São os obcecados que não deixam ninguém em paz porque precisam descontar as próprias frustrações em qualquer culpado que vá gerar curtidas no comentário.

São aqueles que reduzem o mundo a dois lados, a direita e a esquerda, sem perceber a complexidade do pensamento crítico e sem lembrar que aquela cagada histórica chamada Muro de Berlim caiu faz muito tempo.

E toda essa violência verbal (e às vezes física mesmo) que clama por morte (do bandido pobre ou do político), por punição, pelo fim da defesa dos direitos humanos, que acha que a disciplina pura vai resolver o problema, só demonstra a falta de vivência, de experiência e de diálogo.

Quem vai atrás do "bandido bom é bandido morto" ou do "leva pra casa" claramente nunca se preocupou em conversar com quem dá aula na favela.

Quem fala "feminazismo" nunca parou pra pensar em quão tosca e desrespeitosa é essa comparação (inclusive com os próprios judeus).

Quem acha graça em piada com mulher sendo violentada não pensa na mãe, na namorada ou na irmã vivendo essa situação.

O Brasil caminha, ou corre, em direção ao extremismo, à intolerância, ao radicalismo. Os mesmos que vimos destruir países do Oriente Médio, que às vezes nem parecem tão distantes do gigante latino.

E se o País não fizer meia volta e começar a usar a empatia como combustível, o destino final pode ser terrível.

MP pede quebra de sigilo bancário e fiscal do prefeito de Ananindeua

O blog recebeu o processo de número  0810605-68.2024.8.14.0000,  que tramita no Tribunal de Justiça do Esado do Pará e se encontra em sigilo...