De Lúcio Flávio PintoQuando candidato, o atual vice-governador Odair Corrêa não                           apareceu uma única vez nos programas da governadora                           Ana Júlia Carepa. Foi um dos mistérios da campanha                           eleitoral do ano passado. Mistério menor, ainda assim                           intrigante. Se não era usado na propaganda em busca                           de voto, era porque não somava? Quem sabe, podia até                           diminuir a votação da cabeça de chapa? Mas por que,                           então, foi escolhido como seu parceiro? Seria porque,                           sendo de outro partido, o PSB (já em trânsito para o                           PMDB), mas sendo também inócuo, não comprometeria a                           sempiterna estratégia do PT de não dividir o poder,                           mesmo quando em coligação compulsória, como a que                           foi obrigado a fazer em 2006?
Se foi por isso, Odair está começando a adquirir                           contornos inesperados, com elementos de Carlos Santos                           (em relação a Jader Barbalho) e Hélio Gueiros Júnior                           (diante de Almir Gabriel). Politicamente, ele sempre                           foi inexpressivo: sequer conseguiu se eleger vereador                           em Santarém, sua terra natal. Para tanto, não                           precisava nem ter mil votos, meta que sempre ficou à                           distância do seu cacife. Mas era um dos líderes da                           campanha pela criação do Estado do Tapajós (ou do                           Baixo-Amazonas), liderança que talvez se baseie na                           fragilidade desse movimento, e assim foi apresentado                           à aliança - e assim se apresenta agora.
Mas se vê que o vice-governador é um daqueles que                           empunhou a bandeira sem um conhecimento mais profundo                           quanto ao seu significado. Seu conhecimento é                           superficial, com fundamentação empírica, por intuição                           ou entusiasmo, não por reflexão adequada. Sem outras                           armas, ele se deixa levar pela onda da oportunidade,                           onda que o levou ao mais polêmico de seus movimentos:                           ir ao vizinho Amazonas defender a redivisão do Pará.
Se o comparecimento tivesse sido a um seminário ou a uma                           mesa-redonda, era uma coisa. Tratava-se, porém, de                           uma audiência pública. A designação procura dar a                           idéia de que o ato faz parte de procedimentos para o                           processo de retalhamento do Pará, como são as audiências                           públicas no rito do licenciamento ambiental. Não                           possuem apenas caráter acadêmico: têm intenção                           deliberativa. Visam conseqüências práticas, não só                           blá-blá-blá.
O vice-governador sustentou que o Amazonas se tornou lugar                           legítimo para audiência pública sobre a reconfiguração                           territorial do Pará porque já abriga um contingente                           demográfico representativo de pessoas originárias do                           que pode vir a ser o Estado do Tapajós. Numa                           entrevista a Mauro Bonna, no Diário do Pará, o vice                           disse que, "nos últimos anos, mais de meio milhão                           de paraenses da região Oeste e Baixo-Amazonas                           migraram para o Amazonas". Já para O Liberal ele                           declarou que "o número de paraenses, seus                           descendentes e familiares, já ultrapassou 300 mil na                           cidade de Manaus".
A imprecisão é grande, demasiada. Na primeira entrevista,                           fala "nos últimos anos", sem esclarecer                           quantos. Na outra declaração não há referência                           temporal. Na primeira, em dado período, que não                           especificou, mas tem duração restrita, a migração                           foi para todo Amazonas e somou 500 mil. Já na outra                           entrevista, a referência é a um saldo histórico                           acumulado, talvez desde quando moradores da parte                           ocidental do Pará começaram a se estabelecer do                           outro lado da divisa estadual, chegando a "apenas"                           300 mil, mas só na capital amazonense.
Pode-se confiar nessas avaliações, exageradamente                           abstratas e imprecisas? Claro que não. Admitindo-as,                           entretanto, apenas para efeito de raciocínio, que                           significação tem essa grandeza populacional se esses                           paraenses não estão no Pará e, por conseqüência,                           não poderão votar no plebiscito, restrito aos                           residentes no Estado?
Aí está o grave da questão. O vice-governador pode ir ao                           Amazonas defender suas idéias separatistas (espera-se                           que não o faça com ônus para o erário paraense,                           por questão ética, moral e de coerência), mas não                           pode violar os compromissos legais a que está sujeito.                           E o que ele defendeu é ilegal.
Ele quer que a consulta sobre a criação do novo Estado se                           restrinja aos moradores dessa área que propõe                           emancipar. Já é manso e pacífico o entendimento de                           que o plebiscito se aplica a toda a área do Estado e                           não apenas ao pretendido território novo. Feita a                           consulta geral, o Senado decidirá sobre a mudança,                           submetendo a deliberação ao presidente da república,                           para confirmação ou veto.
A discrepância manifestada pelo vice representa, ela, sim,                           uma violação aos seus compromissos legais, não só                           como autoridade pública, que jurou cumprir e fazer                           cumprir a Constituição paraense (além da nacional),                           mas também como cidadão, que não pode ignorar a                           lei.
Se sua interpretação fosse legal e legítima, a que ela o                           conduziria a partir daí? A, como um Moisés mocorongo,                           trazer de volta ao Pará os 300 mil ou 500 mil                           paraenses que estão do outro lado do mar verde, para                           aqui votar no eventual plebiscito sobre a criação do                           novo Estado? Ou tentar fazer com que possam votar                           sobre o destino de um Estado, encontrando-se em outro?                           A primeira hipótese seria crime: transportar eleitor                           na véspera ou no dia da eleição. A outra, também:                           romperia o princípio federativo, que é cláusula pétrea                           na organização constitucional do Brasil.














