Por 
Gustavo Barreto 
O “Jornal da Globo” fechou com chave de ouro o dia de uma emissora  empenhada em assustar e desinformar o público, enquanto outras emissoras  e rádios acompanharam a tática do pânico. A velha técnica do “Mantenham  a calma” seguido de imagens impactantes da violência no Rio de Janeiro é  a melhor forma, do ponto de vista da cultura do medo que tenta se  impor, de pôr em ação esse objetivo. É como você dizer “Fique à vontade”  quando recebe alguém pouco conhecido em sua casa, provocando o efeito  contrário. Neste caso é bem pior: trata-se do imaginário social de um  conjunto de milhões de brasileiros que está em jogo. E neste caso há  consequências políticas.
Não há dúvidas de que (1) o índice de criminalidade no Rio é muito  alto, inaceitável, e que (2) a lógica que rege o projeto da polícia  comunitária, que esse governo chama da “UPP” e que outros governos já  tentaram com outros nomes, é um bom caminho, desde que proponha de fato a  participação da comunidade no processo decisório e que seja mais amplo.  Atualmente é um conjunto de projetos-piloto.
No entanto, estratégias diversas estão em jogo. A saber:
A. O Governo do Estado,  principalmente por meio do governador Sergio Cabral, tenta capitalizar a  crise politicamente. Aparece como o “líder destemido” que as pessoas  assustadas das classes A e B exigem nessa hora. Ao mesmo tempo, desvia a  atenção da plena incompetência do governo nas áreas de educação e saúde  – incluindo a recente busca e apreensão na casa de Cesar Romero, o  ex-subsecretário-executivo de Saúde, primo da mulher do secretário  Sérgio Côrtes e braço direito dele na secretaria. A acusação: fraude em  licitação ao contratar manutenção de ambulâncias superfaturada em mais  de 1.000%;
B. Setores mais violentos da Polícia Militar  – a banda podre que não quer saber de papo de UPP – ganham carta  branca, por conta do clima de medo, para fazer suas velhas e conhecidas  “incursões” nas favelas, a política burra do confronto com o “crime  organizado”, vitimando cidadãos inocentes e realizando execuções  sumárias de suspeitos. O Secretário de Segurança Pública, José Mariano  Beltrame, chama isso de “efeito colateral”, enquanto jornalistas passam  uma coletiva de imprensa inteira perguntando apenas por “números” e  trajetos da PM e do BOPE;
C. Os principais chefes da Polícia  Militar do Rio de Janeiro e a Secretaria de Segurança Pública vendem a  tese deplorável de que os atentados são uma “reação às políticas das  UPPs”, e a velha mídia simplesmente engole. O curioso é que as UPPs  estão presentes em 13 favelas, de um universo de 1.000 existentes no Rio  e região metropolitana. Imagina quando chegarem a 20, 30! Melhor mudar  para Miami de uma vez;
D. A mídia cria uma dinâmica do medo a  partir de absurdos sociológicos, como afirmar que o “crime organizado”  atual surgiu do encontro entre presos comuns e presos políticos nos anos  70 (tentando vincular militantes de esquerda a traficantes de drogas);  separar a cidade em esquemas tipos “eles-nós”, como fez Arnaldo Jabor,  ao afirmar que “é preciso apoio da população, principalmente da Zona  Sul, pois a periferia já mora dentro da violência” (JG, 24/11/2010) e  até mesmo mentir descaradamente, afirmando por exemplo que os “índices  de criminalidade estão estagnados no Rio” (editorial de William Waack), o  que é mentira, conforme atesta até mesmo um dos maiores críticos do  Governo do Estado, o sociólogo 
Ignácio Cano.  Pouco importa para o jornalismo desonesto: o que está em questão é  reafirmar o discurso vazio do “A que ponto chegamos!” e o elogio ao  “endurecimento” das leis e das ações vingativas, como forma de alívio do  medo criado. Não adianta nada, conforme apontou 
este seminário  (em especial a fala do Coordenador do Núcleo de Presos da Polinter no  Estado do Rio de Janeiro, o delegado da Polícia Civil, Orlando Zaccone).
 
A  "polícia comunitária" do Rio de Janeiro, conhecida como UPP, tem  coincidentemente um caminho parecido com o das rotas dos grandes eventos  internacionais que se aproximam.
Os interesses, portanto, são complexos tal como os nossos problemas. A  Zona Sul (parte dela, aquela à qual o Jabor se refere e da qual faz  parte) está tão assustada que não consegue raciocinar. Milhares de  pessoas são executadas todo ano no Rio de Janeiro, dados absolutamente  grotescos. A cobertura é a mesma? Não. “As pessoas lidam com insegurança  no Rio de forma cíclica e dramática. Para conviver com o alto nível de  violência na cidade, tratam como se ela não existisse. Mas, então, surge  um evento de grande repercussão e vira uma pauta central na cidade,  todos discutem, é uma grande catarse”, aponta Ignácio Cano. “Sensação de segurança pública é muito diferente da efetiva segurança”, completa o deputado Marcelo Freixo.
Se fosse de fato uma preocupação, pararia para ler o relatório da CPI  das Milícias, concluído no dia 10 de dezembro de 2008. Contém o mapa  das milícias, seu funcionamento, seus braços econômicos, a relação do  braço político com o braço econômico e o domínio de território. Enquanto  as Nações Unidas calculam que o narcotráfico rende 200 mil dólares por  minuto, só no domínio das vans no Rio de Janeiro, uma das milícias  faturava 170 mil reais por dia. Este é apenas um exemplo.
Crime organizado, portanto, é isso: um negócio bem organizado. O que torna o crime “organizado” é sua capacidade de 
se organizar,  e não de reagir violentamente. “Em qualquer lugar do mundo, o crime  organizado está sempre dentro do Estado, e não fora”, aponta o deputado  Marcelo Freixo, que relata sua dificuldade quando tentou instituir a  referida CPI neste 
depoimento.
 O pior é que o número de milícias é, hoje, maior do que em 2008. “O  número de territórios dominados por milícias hoje é maior do que o  número de territórios dominados pelo varejo da droga”, comenta Freixo.  “Eu estranho o silêncio desse governo em relação às milícias, dizendo  que o Rio está pacificado, diante do crescimento das milícias”.
E o poder público tampouco ajuda. O relatório foi entregue pelos  membros da CPI nas mãos do prefeito Eduardo Paes. Solicitaram, por  exemplo, que a licitação das vans fosse feita individualmente e não por  cooperativas. “O prefeito acaba de fazer licitação por cooperativas e  não individualmente”, denunciou Freixo.
Outro fator que aponta o descaso do poder público é o descaso com os  serviços sociais que deveriam acompanhar o processo de “pacificação”.  “Eu estive no Chapéu Mangueira e na Babilônia. Além da polícia, não há  lá qualquer braço do Estado. A creche mal funciona, com o salário  atrasado das professoras, o que a Prefeitura não assume. O posto de  saúde não tem nenhum médico, nenhum dentista da rede pública do Estado. É  mais uma vez a lógica exclusiva da polícia nas favelas – e somente a  polícia”, afirmou. O projeto das UPPs está traçando um caminho bem  delimitado: setor hoteleiro da Zona Sul, entorno do Maracanã, Zona  Portuária e a Cidade de Deus, “única área dominada pelo tráfico em toda  Jacarepaguá, que tem o domínio hegemônico das milícias”.
Danem-se as demais regiões que, como ressaltou Jabor, “já moram dentro da violência”.
Uma questão social, de classe
Para quem ainda acha que as questões de classe acabaram, basta  comparar a forma como os diversos crimes em nossa sociedade são  enfrentados. Para combater crimes financeiros (quando se combate),  ninguém entra em agências bancárias rendendo as pessoas e atirando. Nas  favelas, áreas com assentamentos humanos extremamente degradados, é  diferente.
Um dos “efeitos colaterais”, na expressão de Beltrame, é a estudante Rosângela Alves, de 14 anos. Seu pai Roberto Alves, 
ironizou  a presença dos policiais militares na unidade de saúde com aplausos:  “Parabéns a vocês. Parabéns, Beltrame, parabéns, Cabral. Olha o que  vocês conseguiram com isso! Matar uma menina que estava em casa! Sabe o  que vocês conseguem com essas operações: matar pobres”. Sem conseguir  sair de casa por causa do intenso tiroteio, a mãe da menina, Thereza  Cristina Barbosa, acusou em relato ao jornal 
O Dia a polícia de  ter disparado o tiro que matou sua filha. “O tiro que atingiu minha  casa partiu de baixo para cima. Minha filha está morta, e eu sequer  consigo velar o corpo dela”, lamentou ela, por telefone. (Leia 
aqui e 
aqui)
Como já apontei, o narcotráfico é um negócio como qualquer outro. E  rende bastante: dados conservadores das Nações Unidas estimam que o  rendimento líquido é de US$ 400 bilhões ano. Um  “freela” para se queimar um carro custa entre R$ 200 e R$ 400. “Falo em  ‘varejo de drogas’ na favela, e não de traficantes”, reafirma Freixo,  apontando que a ponta do sistema – o 1% que está na favela – não tem  projeto de poder e qualquer noção de organização criminal, como apontei.  “Nunca participaram de juventude católica, de grêmio estudantil, nunca  tiveram qualquer noção de coletividade. Sabe quantas escolas públicas  existem no Complexo do Alemão? Duas”.
Conforme afirmou até mesmo um capitão e um dos  fundadores do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) – um grupo de  policiais fascistas que acreditam que executar sumariamente é uma  prática normal, conforme não escondem  mesmo em declarações públicas –  em uma entrevista hoje (25/11) pela manhã na TV Record: “Os Batalhões da  PM não possuem estrutura mínima de inteligência para operar”.
Marcelo  Freixo, deputado que trata da segurança há muito tempo, amplia a  crítica e denuncia: "Sabe quantas escolas públicas existem no Complexo  do Alemão? Duas"
O deputado Marcelo Freixo deu uma entrevista nesta quinta-feira  (25/11) na GloboNews afirmando o óbvio: o número de pessoas portando  fuzis não chega a 1% dos moradores. Ele costuma ironizar: “Eu gostaria  que no parlamento fosse a mesma coisa: menos de 1% envolvido com o  crime. Infelizmente não é assim, mas na favela é”. A polícia tem que  agir com responsabilidade diante destes cidadãos. Enquanto isso  telespectadores igualmente fascistas comentam pela internet: “Tem que  entrar mesmo e enfrentá-los”. De quem estamos falando?
Freixo, focado na solução do problema, lembra: “Armas não são  produzidas nas favelas. Eles vieram de algum lugar. Quantas ações  policiais foram feitas na Baía de Guanabara? Quantas foram realizadas no  Porto? Eu não me lembro de nenhuma”. É uma constatação que deixa todos  os “notáveis” comentadores políticos envergonhados, pois só sabem falar  abobrinhas sobre a “coragem” dos policiais em “enfrentar” o crime  organizado. Estão focados na política burra do confronto.
Freixo lembrou ainda, na entrevista de hoje, que essas áreas  pertencem ao tráfico de drogas. A área das milícias, conforme descrito  anteriormente neste artigo, não foram tocadas – e tão somente por isso  não estão reagindo. “Vamos lembrar que esses eventos já aconteceram  próximo ao réveillon de 2006. O problema não é esse. A questão é que o  setor de inteligência no Rio de Janeiro é muito falho. Para constatar  isso basta visitar a DRACO [Delegacia de Repressão ao Crime Organizado  da Polícia Civil do Rio de Janeiro]”, concluiu Freixo.
Agora, muito pertinentemente alguém poderia se  perguntar: e os movimentos sociais nisso tudo? Eles não possuem meios  para se comunicar, portanto não fazem parte do cenário político. É tão  simples quanto é trágico.