Por Francisco Weyl *
O cinema é a arte da síntese e do silêncio, a arte do tempo e a arte da comunhão.
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Pensar as práticas cineclubistas, portanto, é pensar as práticas sociais do e no próprio espaço aonde elas ocorrem, pois que estes espaços se transfiguram quando das intervenções sociais dos seus habitantes, quaisquer que sejam estes e aquelas.
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Quando optamos pelas práticas cineclubistas logo demarcamos um diferencial, artístico e social.
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As práticas cineclubistas estão em relação direta com a utilização do cinema como ferramenta educativa, pelo que o cinema, para o cineclubista, é tanto um instrumento pedagógico quanto uma arma de guerra - e de propaganda, sendo capaz de construir ou de destruir, formar e de-formar civilizações.
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Pelo seu próprio processo de fragmentação/justaposição de imagens (fotogramas), o cinema produz no cérebro a ilusão do movimento e age diretamente no inconsciente de quem assiste a projeção de um filme.
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Quando praticamos o cineclubismo sabemos que operamos a linguagem artística, cujos signos afetam diretamente o inconsciente e o imaginário das comunidades, que se identificam em maior ou em menor escala com as obras cinematográficas projetadas, pelo que estes signos devem ser necessariamente des-codificados, para que novos signos daí renascidos sejam capazes de edificar a consciência, o espírito e a autoestima humana.
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As sessões cineclubistas, dentro desta dimensão, tornam-se um palco de vivências, cujas reais experiências individuais são afetadas por imagens ficcionais, numa simbiose catártica, que resulta em diversas formas de interpretações e/ou decodificações, imediatas e/ou atemporais.
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Apesar do crescimento desta prática e do fortalecimento de algumas organizações não-governamentais aqui no Brasil ao longo dos últimos anos, cineclubismo entra na contemporaneidade por assim dizer pasteurizada pelo glamour que os home teatre possibilitam a casais e famílias consumistas que se contentam com as suas conquistas materiais e individuais.
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Sem desmerecer os altruísticos objetivos (e louvando-se as abnegações dos seus realizadores, muitos dos quais sem economizar esforços para que as sessões de cinema afinal de contas aconteçam e delas possam ser retirados ensinamentos espirituosos), as práticas neocineclubistas estão pasteurizando o fundamento original dos cineclubes, qual seja o de disseminar nas jovens platéias o gosto, senão pela crítica na sua dupla dimensão, artística e histórica, ao menos pela (auto)reflexão e partilha de alguns pensamentos que se revelam após o visionamento de determinadas películas criadas por poetas da imagem e realizadores de cinema de verdade, desses que já não mais encontramos, pois que a grande maioria se diluí nos interesses comerciais do mercado global.
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Afinal de contas, uma sessão de cineclube, ela serve muito mais para questionar estéticas do que para divertir o público quase sempre entediado da sua própria vida.
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Quando praticamos cineclubismo estamos a navegar em um rio cujas águas escorrem em uma única direção, o mar, o coletivo, a comunidade, logo, não há outra opção, ou seja, ou seguimos nesta única direção, ou remamos contra a correnteza, entretanto, paradoxalmente, as coisas não são bem assim, antes pelo contrário: fazer cineclubismo é que é remar contra a correnteza, porque muitas das práticas autoproclamadas cineclubistas tomam um curso exatamente oposto ao sentido do rumo no qual elas deveriam navegar, fato que cria uma confusão quanto ao conceito de cineclubismo.
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Um dos maiores equívocos quanto a este conceito reside no atravessamento das funções que devem ser desempenhadas pelo Estado enquanto Instituição e pela sociedade civil de uma forma geral, articulada ou não à organizações não-governamentais e coletivos artísticos.
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Se as práticas cineclubistas podem ser caracterizadas pela associação de duas ou mais pessoas com interesse em dialogar sobre as mais diversas temáticas a partir de sessões de cinema abertas ao público, também podemos afirmar que os shoppings proporcionam este tipo de prática, pelo que necessariamente há que demarcar um diferencial de natureza anticomercial.
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Outro campo a ser demarcado é que práticas cineclubistas não podem servir para propagar filmes cuja narrativa consolida valores e padrões preconizados pela indústria cultural, os quais ignoram as diferenças e as práticas culturais populares dos povos e das comunidades tracionais locais.
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Portanto, muitas vezes, por detrás das boas vontades dos praticantes do cineclubismo também podem se esconder interesses outros que não cineclubistas.
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Algumas das práticas cineclubistas que vem sendo desenvolvidas no Estado do Pará, por exemplo, são exemplos de como estes fenômenos se processam na Região.
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E isto, graças a gestores e fazedores de cultura e com a devida permissão da alienação de artistas e criadores, assim como com a alimentação mediática de jornalistas e pseudointelectuais.
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O Pará, portanto, chega a ser perverso consigo próprio, com pouquíssimos espaços culturais, como museus e teatros e cinemas, a maioria dos quais localizados na área central de Belém, sem que as comunidades periféricas tenham acesso a estes mesmos espaços, seja para se manifestar como protagonista/produtora ou apenas como passiva observadora/expectadora dos espetáculos ali programados e agendados.
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Nós que temos uma postura periférica sabemos muito bem o quanto é danosa esta visão mediática e institucionalizada da arte e da cultura, que endurece e emburrece as pessoas, retirando delas aquilo que elas podem vir a ter de mais sagrado, o que elas de fato são e desejam.
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Nós, amazônidas, sabemos muito bem o quanto é sacrificante afirmar e preservar as nossas tradições contra discursos e práticas pressupostamente híbridos, mas que, por trás das máscaras desta contemporaneidade, utilizam-se das publicidades e dos apoios empresariais e governamentais para piratear e institucionalizar – silenciar – as produções artísticas e culturais das comunidades periféricas.
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Eis o massacre físico e ao mesmo tempo intelectual contra a Amazônia: este massacre se escreve nas linhas e entrelinhas acadêmicas e mediáticas e são fortalecidas, pois que financiadas, por um ciclo industrial cultural que corrobora para uma tentativa histórica de aniquilar todo e qualquer pensamento, toda e qualquer forma de resistência amazônida.
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Quando sabemos que há neste lado do país uma vasta produção imagética sem que os seus produtores sejam respeitados, sem que a sua diversidade estética seja pautada ou discutida por quem deveria formular opiniões. Falo de pesquisadores acadêmicos, jornalistas, produtores de mídia e críticos, a maioria dos quais articulados a espaços institucionais e empresariais, e ao serviço de políticas que se recusam a reconhecer o valor do que a Amazônia produz.
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E: valorar imagens-ações sociais como fontes documentais históricas é o princípio que funda a Paracine.
O projeto Paracine eleva à categoria de cinematografia a produção audiovisual independente, articulada aos movimentos sociais desencadeados na Amazônia a partir dos anos 70.
Matéria bruta de nossa história, estas imagens-ações revertem a linearidade das políticas institucionais e as próprias ações comunitárias no âmbito do cinema e do audiovisual.
Com a Paracine, rompe-se o conceito do cinema-padrão, consequentemente, por força, adota-se a liberdade criativa: todo paraense, todo amazônida é um realizador e as suas imagens a memória viva da sua terra.
E, para além de fontes, estas imagens – que as produzimos - são também filmes e como tais devem ser tratados.
A Paracine, por isso mesmo, eleva à categoria de cinematografia quaisquer tipos de imagens produzidas pelos paraenses e amazônidas.
E estes filmes, quaisquer que sejam as suas estéticas, são responsáveis pelo nascimento de um novo ciclo.
A História do Pará se confunde com a História da Amazônia: histórias de saques e massacres, entretanto, há uma herança que precisa ser afirmada, a de nossos antepassados paraoaras-amazônidas, índios, guerreiros, trabalhadores rurais e urbanos, estudantes, mulheres, negros.
Mas, a escrita da História, sabemo-lo muito bem, tem sido obra dos que a dominam, motivo pelo qual a Paracine pretende-se como geradora de uma viragem histórica, que transporta em si os seus próprios paralelos imagéticos.
Traçar paralelos significa objetivamente confrontar linearidades.
Porque a História é catástrofe.
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Os fenômenos históricos e culturais não sucedem por decreto ou por vontade de indivíduos. Eles resultam de lutas e se processam de forma dialética, dinâmica, no interior das sociedades, no imaginário, nas práxis e nas relações entre nações, grupos e indivíduos.
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* Texto lido pelo autodenominado “carpinteiro de poesia e de cinema” Francisco Weyl,
na mesa “Cineclubismo no Brasil”, no Congresso Mundial de Cineclubes
Recife, 9 de dezembro de 2010