Diariamente a Amazônia é roubada, morrem pessoas e ninguém se percebe dos riscos para o planeta
Tão perto de Potosi, tão longe do Sudeste. Segundo estimativas extraoficiais, todo mês, entre 100 a 200kg de ouro são extraídos ilegalmente no leito do rio Madeira - uma draga, sozinha, pode conseguir extrair até 1kg de ouro em um dia. Com a cotação do ouro em R$ 138,00 o grama, é possível dizer que, anualmente, entre 150 e 300 milhões de reais são usurpados só no rio Madeira – os cálculos foram feitos com base nos dados levantados nas últimas operações realizadas para combater o garimpo ilegal
(http://glo.bo/2c3tTgg).
Já na zona rural do Estado, a grilagem de terras públicas é o crime mais comum. A colonização do Estado foi fatiada em títulos como CATP’s (contratos de alienação de terras públicas) e CPCV (contratos de promessa de compra e venda). Muitos desses contratos eram elaborados com cláusulas resolutivas, ou seja, exigiam um determinado nível de produtividade. Muitas dessas terras foram abandonadas e sobraram os títulos “podres”, comprados por valores irrisórios por empresas principalmente do sudeste do Brasil, as quais tentam, com eles, obter indenizações milionárias do Poder Público – conheço caso de empresa que “comprou” terra por 1 milhão e que, no ano seguinte, conseguiu indenização de mais de 50 milhões. O maior precatório do Brasil, atualmente, é do Estado de Rondônia (quase de 1 bilhão de reais) – autos 94.00.03579-9, em sede de apelação no TRF1.
A Amazônia é uma das maiores reservas biológicas do planeta, se não a maior. Todo ano, centenas de patentes de produtos obtidos das substâncias orgânicas retiradas ilegalmente do nosso país são registrados e geram royalties que, em muitos casos, são cobrados de nós mesmos. Levam tudo o tempo todo: madeira, plantas, animais – até sangue de indígenas já roubaram, nada mais simbólico (
http://bbc.in/2cKiIdQ).
O 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico da Fauna Silvestres, tendo com base os dados oficiais das apreensões realizadas pelo IBAMA no Brasil antes de 2001, estimou que, a cada ano, o comércio ilegal movimenta em torno de 2 bilhões e 500 milhões de reais, o equivalente a aproximadamente 900 milhões de dólares (
http://bit.ly/2cvYfHy). Relatório da ONU indica que entre 30 e 100 bilhões de dólares por ano são movimentados com o tráfico ilegal de madeira no mundo – grande parte vem do Brasil (
http://bit.ly/2cL6Qta).
Inúmeras queimadas são promovidas para criar enormes plantations de soja e/ou gado – o número de foco de queimadas em Rondônia aumentou 300% nos últimos dois anos (http://glo.bo/2c3uEpC); esse Estado tem 13 milhões de cabeças de gado, praticamente 10 bois para cada habitante (
http://bit.ly/2bZ4LZJ); em 2015, aumentou em 20% o volume produzido e a área cultivada de soja (
http://bit.ly/2cjbBYM).
As hidrelétricas construídas no rio Madeira desalojaram milhares de famílias, alagaram outras e devastaram florestas e animais. As compensações sociais são pífias. A energia gerada entra no sistema nacional e, basicamente, alimenta o Sudeste. O valor do ICMS da energia elétrica pago pela empresa – ao contrário de todos os demais produtos – vai para o estado consumidor (São Paulo, principalmente), e não para o produtor – art. 155, X, “b”, da CRFB.
Não, senhores, o processo de acumulação primitiva de capital nunca parou nas bandas de cá. A pilhagem e o saque colonial continuam a todo vapor, quando não no movimento América-Europa, no sentido Norte-Sul do Brasil. As veias da América Latina continuam abertas e o sangue continua sendo drenado. Não há dívida histórica, é verdade, mas porque ela nunca fez parte da história, ela está sendo construída e renovada hoje, todo dia, bem debaixo dos nossos narizes e sem qualquer sofisticação econômica.
Ainda hoje matamos índios, caçamos negros fugidos e roubamos ouro.
O Norte é o novo Eldorado do Brasil, quiçá da humanidade, e está pedindo, desesperadamente, socorro. Lembrem das nossas matas devastadas, do nosso solo vilipendiado, de nossas águas imoladas e mercuriadas, da nossa carne esquartejada e do nosso sangue derramado - ele ainda está em nossas mãos.
*Raphael Bevilaqua é Procurador da República em Rondônia.