Por Luciana Lima e Ivanir José Bortoto na Carta Capital. 
Brasília – Responsável por estabelecer a proximidade do  governo de  Dilma Rousseff com os movimentos sociais, o ministro  Gilberto Carvalho,  chefe da Secretaria-Geral da Presidência da  República, disse que os  movimentos sociais acabam compreendendo mais as  demandas do país do que  os próprios partidos políticos. Para o  ministro, os movimentos  amadureceram no Brasil nas últimas décadas e,  ao contrário dos partidos  políticos, investiram da formação de seus  quadros. Carvalho defendeu a  necessidade de uma reforma eleitoral no  Brasil e apontou o voto em lista  e o financiamento público de campanha  como forma de mudar a atual  realidade, que na sua avaliação induz à  corrupção.
 Confira mais um trecho da entrevista de Gilberto Carvalho à Agência Brasil.
Agência Brasil – O governo tem limitações para  atender  às demandas do movimento social por questões orçamentárias.  Como  administrar esse conflito?
Gilberto Carvalho – Essa tensão é inevitável. Eu   brinco com eles dizendo que nós estamos sentados agora nesse lado da   mesa, antes, estávamos no outro lado com eles, o que faz com que todos   nós, oriundos do movimento social, esperemos de novo estar sentados do   outro lado. Nosso destino é voltar para os movimentos sociais. Nosso   papel aqui é tentar forçar a barra ao máximo dentro das limitações   orçamentárias e institucionais para atender a essas demandas. Quando se   faz o Orçamento, é preciso levar em conta esses aspectos. Aí é que está  o  jogo de governar, que é passar em grande parte pela sua filosofia, e   por aquilo que se estabelece como prioridade.
ABr – E qual é a prioridade do governo?
Carvalho – Quando a presidenta escolhe como  prioridade  a superação da miséria, ela está dando um indicativo de que  parte  importante do Orçamento irá para esse destino. Isso, do ponto de  vista  ético, para nós todos que temos uma história política, é muito   confortável. É também muito estimulante participar de um governo que   estabelece essa prioridade. Há que se pensar em reproduzir, em espelhar   no Orçamento essa opção. É claro que o Orçamento não é infinito e há   gastos correntes que não se pode deixar de pagar. Mas tem que se   reservar de fato um quinhão importante para isso. Isso não significa que   vamos atender a todas as demandas, mas significa que muitas das   demandas podem ser atendidas e, com isso, estabelecer pelo menos um   compromisso, uma percepção da parte do movimento de que o governo tem a   famosa vontade política de contribuir.
ABr – O senhor já observou essa compreensão?
Carvalho – O movimento amadureceu muito. Eu fiquei   emocionado esses dias quando o pessoal da Fetraf [Federação dos   Trabalhadores na Agricultura Familiar] veio trazer uma pauta para a   gente, o discurso da Elisângela [Elisângela Araújo, presidenta da   Fetraf], companheira que hoje representa a Fetraf, que é um dos   movimentos do campo de maior expressão. É um discurso que deixa   emocionado de ver a maturidade. Eles não vieram reivindicar apenas   terra, conforto nos assentamentos. São pautas muito mais amplas que   dizem respeito, por exemplo, ao direito da mulher, à questão da criança,   dizem respeito fortemente à questão ambiental. Enfim, a cidadania foi   apropriada em grande parte, de forma muito intensa pelo movimento   social. Isso é o resultado desse novo processo que a gente vive no   Brasil, de amadurecimento dos movimentos. Acho isso muito bom. Isso   facilita o diálogo. Eles passam a compreender também melhor.
ABr – Em que outros momentos o senhor conseguiu enxergar esse amadurecimento?
Carvalho - A conversa que o Movimento dos   Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve com a presidenta foi   extraordinária. Eles vieram discutir como podem ajudar no programa de   alfabetização e no programa de reflorestamento do país, coisa que há 20   anos a gente, que é de movimento [social], sabe que não era assim.
ABr- O senhor diria que os movimentos se tornaram,  por  excelência, fóruns importantes de discussão dos mais variados  assuntos  ligados à cidadania?
Carvalho – Os movimentos fizeram uma coisa que os   partidos não fazem. Eles qualificaram e seguem qualificando seus   quadros. O MST tem uma escola que já funciona há muito tempo. Eles   tomaram esse cuidado. A própria militância é um grande ensino. O velho   método do bom Paulo Freire diz que se reflete a prática. Cada luta que   se trava, se amadurece na cabeça. Os movimentos se tornaram verdadeiras   escolas de cidadania. Ao se falar hoje em consciência ambiental, por   exemplo, podemos considerar que, se Juscelino fosse construir Brasília   hoje, não construiria, porque o pessoal não iria deixar passar máquina   nesse Cerrado. É um amadurecimento benéfico do conjunto da sociedade.
ABr – O senhor comparou os movimentos sociais com os partidos. Fale um pouco mais sobre isso.
Carvalho – O que eu acho em relação aos partidos é  que  eles não cuidaram da formação de seus quadros da mesma forma que os   movimentos fizeram. Isso é grave, mais do que grave, é gravíssimo. 
Nós   temos uma estrutura política e eleitoral que é quase uma indução à  perda  de teor ideológico e político. Ela é uma indução, eu diria, até à   corrupção, se nós falarmos da eleição. Qualquer cidadão hoje para ser   candidato precisa de recursos para ser eleito. Onde é que ele busca   esses recursos? Eu fui candidato em 1986 e ganhava três salários   mínimos. Naquele tempo, a gente mantinha esquema de que dá para ser   candidato com festinha, com lista entre amigos, com bingo, deitava e   rolava de se trabalhar nessas coisas e se conseguia. Hoje, não, a   campanha ficou cara. Eu fico pensando que às vezes se joga a pessoa   nesse meio sem que haja uma preparação.
ABr – Era diferente em outros tempos?
Carvalho – Eu tenho a impressão de que o enfrentamento à ditadura e aos governos neoliberais nos deram teor ideológico e nos fizeram mais resistentes a essas chamadas, entre aspas, tentações. Acho muito perigoso pegar um jovem hoje e colocá-lo em um partido, sem que haja uma preparação, o risco de ser cooptado por essa mentalidade é enorme. Não adianta a gente, hipocritamente, ficar condenando uma pessoa dessa, se a gente não a preparou.
ABr – O senhor acha, então. que os movimentos conseguem compreender melhor as demandas do país que os partidos?
Carvalho – Não quero fazer aqui uma dicotomia   simplista. Tem muita gente nos partidos que tem essa visão generosa.   Graças a Deus, temos ótimas referências. Mas, em termos de tendência, é   exatamente isso. Os militantes dos movimentos são levados a uma visão   mais generosa, porque é uma visão mais coletiva nos movimentos. Não se é   induzido a uma carreira mais pessoal. A questão do poder não é   visualizada de uma maneira tão pessoal. Nesse sentido, sim, dá para   dizer que hoje os movimentos são laboratórios de gente de maior   generosidade, de maior ação cidadã, no sentido mais amplo, do que nos   partidos. Dadas as regras atuais.
ABr – O que é preciso fazer para mudar isso?
Carvalho – Pode ser diferente. Se, por exemplo, na   reforma política a gente fizer um processo de eleição por lista e com   financiamento público, vai se fazer uma indução ao contrário, uma   indução ao coletivo. O sujeito, para ser candidato, terá que ter   militância em partidos sérios. Em partidos picaretas, haverá pessoas que   vão comprar lugar na lista também, não vamos ser anjos aqui, mas pelo   menos, permite aos partidos que são sérios trabalhar internamente de  tal  maneira que o sujeito, para ter o lugar dele na lista, vai ter que   trabalhar na militância, vai ter que ter base. Na regra atual, cada vez   mais, se vai induzindo para serem eleitos os que têm mais alcance de   mobilização financeira, o que é muito grave.
ABr – O senhor acredita que o financiamento público de campanha seria o antídoto contra práticas como o caixa 2?
Carvalho – É o antídoto. Não vamos ser ingênuos,  pois  sempre pode se ter abuso, mas pode também se ter uma fiscalização  muito  mais fácil. Primeiro, a pessoa não vai fazer campanha para ele e  sim  para a chapa dele. Isso já muda completamente a lógica. Se o teu  partido  tiver mais votos, você terá mais chances de ser eleito,  portanto você  vai fazer campanha pelo seu partido e o financiamento  será coletivo  também e não individualizado. Eu acho isso muito  importante para dar um  choque na atual mentalidade.
*Publicado originalmente na Agência Brasil.











