Por Alex Fiúza de Mello
É notório que o Brasil carece, faz muito tempo, de estadistas. Aquele tipo de governante cujo maior compromisso é com um Projeto de Nação, com o conjunto da sociedade, com o futuro do país – e não com os interesses corporativos, de curto prazo ou com a própria reprodução no poder. Governar para o bem coletivo, com ética e responsabilidade, é o princípio basilar do conceito de “república”, no seio do qual, por definição, não há espaço para oportunismo, demagogia, uso do patrimônio público para fins particulares, corrupção. Sim, o Brasil é uma democracia sem república, organizado segundo um sistema político cujas regras promovem não os homens de bem (resguardadas as honrosas exceções), mas os oportunistas de plantão, os carreiristas do poder; contexto em que viceja uma cultura do conluio, dos favores, do “jeitinho”, do golpe – e, por consequência, dos privilégios, da crescente desigualdade, da desfaçatez e da farsa.
Os fatos demonstram, com toda a contundência (e contra toda ideologia), que a política no Brasil tem sido um grande circo, pautado por “malabaristas” e “mágicos” treinados para distrair e iludir uma plateia tratada como um conjunto de palhaços, sempre convocada a pagar, mesmo que excluída do picadeiro, os ingressos da pantomima. É neste cenário que emergem figuras como a do atual presidente Jair Bolsonaro, cujas feições caricatas parecem, ainda, surpreender e escandalizar os falsos intelectuais, artistas globais, a grande imprensa et caterva, como se a “Nova República” não nos tivesse brindado, até aqui, sob disfarces variados, toda sorte de ilusionistas: os que enganam pelas palavras e pela boa aparência; pela imagem distorcida do egocentrismo arrogante e côncavo; pela farsa do messianismo fraudulento; pela máscara do falso vanguardismo feminista.
Em meio a tanta manipulação, aparência e mediocridade, por que, então, a “surpresa” com o “novo personagem”, como se tudo fosse novidade nessa terra brasilis?!
Jair Bolsonar por certo, não é o tipo ideal e sonhado de liderança, nem para aqueles que nele votaram com o único objetivo de não conceder ao partido anteriormente no poder a legitimidade de perpetuar, impunemente, a sua inescrupulosa cleptomania.
Longe disso! Mas tem sido, até aqui, apesar de suas infindáveis e caricatas trapalhadas (ou justo por isso), mais transparente que seus antecessores e, paradoxalmente, na contramão das acusações que lhe dirigem, uma oportunidade curiosamente positiva (ainda que contraditória) para alguns avanços democráticos.
Portanto e a impulsividade (até mesmo ingênua) do atual Chefe da Nação lhe conferem um tipo de transparência que permite que suas ações e intenções sejam muito mais simples de ser monitoradas, criticadas e controladas, diuturnamente, pela sociedade civil (mesmo os excessos ideológicos de seu conservadorismo moral) que aquelas de agentes que preferem o “charme” da representação da farsa, enquanto tramam na penumbra dos bastidores, não expondo as suas verdadeiras intenções à luz do dia. Em segundo lugar – e diferentemente de seus predecessores –, o presidente não sofre de complexo de superioridade, de egocentrismo arrogante ou de patologia messiânica.
Ao contrário, demonstra humildade ao reconhecer, publicamente, algumas limitações pessoais e pouco apego ao poder. Costuma dividir méritos e louros com sua equipe de governo, não tem receio de “sombra” e recua e refaz decisões equivocadas sempre que necessário, escutando auxiliares e conselheiros – atitude que, frequentemente, é pouco valorizada e interpretada por analistas políticos exclusivamente sob um ângulo negativo. Em terceiro, Bolsonaro não busca centralizar em si o poder de Estado (l’État ce n’est pas lui), fato que contradiz (e lhe abstém de) qualquer imputação de fascismo, autoritarismo ou totalitarismo. Da mesma forma, não usa a instituição da presidência para as tradicionais negociatas com outros poderes da república – tráfico de influência e troca de favores com as altas Cortes ou com o próprio Parlamento –, sendo mais reduzida, nesse diapasão, a chance de ocorrer, sob o seu mandato, novas versões de “mensalão”. Curiosamente, esta sua sadia atitude é interpretada por observadores e parlamentares (acostumados à cultura dos conchavos nada republicanos) como “ausência de liderança” ou omissão nas “articulações”, como se estes últimos não tivessem o poder e a responsabilidade, por dever pátrio e de ofício, de propor e aprovar leis e emendas constitucionais independentemente do Governo.
Sim, porque numa verdadeira democracia, em que existe a divisão de poderes (para fins de contrapeso), cabe ao Executivo, unicamente, propor projetos de lei, mas ao Legislativo, por exclusividade, aprova-los (ou não), modificando-os no que couber. Portanto, quem está a dever, neste momento, a reforma da Previdência e a política anticrime, a que tanto o país aspira, não é mais o Executivo (que já fez a sua parte), mas justo e tão somente o Parlamento, eleito, aliás, para tal, cujos membros parecem não querer assumir, como adultos, a reponsabilidade e o ônus das decisões diante da nação (e da história), preferindo transferir, como meninos, a terceiros aquilo que não têm a coragem – ou o caráter – de sufragar. Em adição, observa-se que, independentemente dos reconhecidos equívocos ministeriais em algumas áreas de Governo, como educação e relações exteriores, as nomeações de natureza “técnica”, em regra – inclusive com o aproveitamento de qualificados militares da reserva –, têm proporcionado mais eficiência e ética na gestão do Estado, com redução significativa das conhecidas e deletérias influências políticas e o seu correspondente sangramento de nsa quase nada registrou – muito menos celebrou –, por ocasião do balanço dos primeiros cem dias de Governo, a respeito da ausência dos tradicionais, frequentes e escandalosos assaltos aos cofres públicos, como se isso não fosse um extraordinário avanço para as conquistas democráticas em terras brasiliensis.
Da mesma forma, menos pior para a república é ter um presidente que, com frequência, “prioriza assuntos não prioritários” – como alardeiam alguns comentaristas – que suportar outros que, apesar do “charme progressista” dos discursos e dos slogans “politicamente corretos”, nas coxias do poder estão sistematicamente tramando contra o interesse público, concentrados na articulação de esquemas de corrupção que lesam a pátria.
Há que se reconhecer, igualmente – o que não é devidamente valorizado pela grande mídia –, iniciativas e esforços exemplares do atual Governo – incluídos projetos de lei e de emendas constitucionais – que sinalizam coerência e plena sintonia com algumas das principais expectativas da sociedade brasileira, manifestadas nas últimas eleições: liberalização da economia; menos burocracia; redução do tamanho e dos gastos do Estado; maior equilíbrio fiscal; endurecimento da luta contra a criminalidade e a impunidade; enfrentamento da corrupção. Por fim, há de se reconhecer que não houve, até aqui, nenhum atentado autoritário de Bolsonaro contra a Constituição e seus fundamentos, não se podendo classificar como tal – já que legítimas (ainda que questionáveis) – as suas tão criticadas opções de redirecionamento das prioridades dos investimentos e financiamentos estatais, de foco das políticas públicas (como nas áreas ambiental e da segurança) ou a sua aversão a alguns órgãos da grande mídia – pelas razões sobejamente conhecidas. Paradoxalmente, o maior caso de ameaça autoritária à ordem vigente originou-se de outro poder, justo do STF, que mais que todos tem a obrigação e a função de defender o estado democrático de direito, aliando-se, em mesma sintonia, as sucessivas e intermináveis tentativas violentas, irracionais e nada republicanas da oposição em barrar, a qualquer custo, nas sessões do Congresso, por meios nada decorosos, a votação de projetos do Governo, com o único objetivo (nada democrático!) de inviabiliza-lo, como se legítimo não fosse. Jair Bolsonaro é conservador, limitado e, mesmo, despreparado para os rituais e formalidades do cargo.
Não promove as pompas e afagos pretendidos pelas “minorias”, nem seduz, com palavras e gestos, as tão “exigentes” e “refinadas” elites verde-amarelas. Contudo, apesar de tamanha “decepção” – das contrariedades que tem causado aos ganhadores de sempre –, na perspectiva de seu viés (mesmo que míope) de leitura da realidade, ainda que em “estilo rasteiro” – e malgrado as visões de mundo em contrário –, parece ser, o presidente (pelo menos até aqui!), com todos os seus tropeços, um governante coerente e bem intencionado. Tem resistido às chantagens dos oportunistas ou dos falsos aliados e cumprido o que prometeu em campanha (concorde-se ou não com suas premissas), ao invés de promover os tradicionais estelionatos eleitorais.
Não é, certamente, nenhum “salvador da pátria” – e nem se reconhece como tal. Mas só isto já é um enorme avanço!