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R7
Quando decidiu escrever um livro sobre o massacre de Eldorado dos
Carajás, o escritor e jornalista Eric Nepomuceno temia que o episódio
caísse no esquecimento.
Na tarde do dia 17 de abril de 1996, 19 trabalhadores rurais foram
mortos pela polícia do Pará, enviada ao local para desobstruir a rodovia
PA 150.
Um episódio marcado por tanta brutalidade, que o autor compara à Guerra
Civil de El Salvador - na qual mais de 70 mil pessoas morreram entre
1980 e 1992 -, não poderia sucumbir ao passar dos anos.
De 144 policiais levados ao banco dos réus, apenas dois foram
condenados, e ainda aguardam o julgamento de um recurso em liberdade.
Não por acaso, Nepomuceno escolheu a palavra “impunidade” para dar título à sua obra.
O Massacre - Eldorado dos Carajás: uma história de impunidade foi publicado em 2007, 11 anos após a tragédia.
- Esse caso é um retrato, como se fosse uma lâmina de microscópio, das muitas mazelas provocadas pelos abusos e pela impunidade.
Eric Nepomuceno nasceu em São Paulo, em 1948. Trabalhou como jornalista,
é autor de livros de contos e traduziu para o português obras de
importantes escritores latino-americanos, entre eles o colombiano
Gabriel García Márquez, o argentino Julio Cortázar e os uruguaios Juan
Carlos Onetti e Eduardo Galeano.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo escritor ao
R7.
R7 - Como você tomou contato com a história do massacre de Eldorado dos Carajás? Quando surgiu o interesse pelo caso?
Eric Nepomuceno - No fim de 2003, o advogado Nilo Batista, meu
amigo, me ligou dizendo que tinha uma ideia para um livro. A ideia era
contar os julgamentos provocados pelo massacre. Expliquei que fazer um
livro dos julgamentos era muito árido, mas lembrei que aquilo ia cair no
esquecimento. Em 2003, fazia sete anos [do massacre]. Aí conversei com o
Nilo, expliquei que tinha interesse, sim, mas em refazer a história
inteira, o julgamento inclusive. Entrei em contato com o MST, para ver o
que eles achavam. Comecei conversando com os advogados que atuaram no
caso, e a partir deles fui atrás da Comissão de Direitos Humanos da OEA,
fui pegar o processo inteiro, e durante um tempo de preparação o
trabalho se limitou a entrevistar advogados, fazer uma enorme pesquisa
de tudo o que tinha sido publicado na época. Em fevereiro ou março de
2004, comecei a trabalhar mesmo. Não queria ir para Eldorado dos Carajás
enquanto não tivesse o arcabouço do livro todo armado, porque lá eu
estaria em contato direto com os sobreviventes, os moradores da vila
[assentamento 17 de abril, que fica em Eldorado dos Carajás], com o MST,
e queria ter uma visão própria antes disso.
R7 - Você se instalou no Pará. Como os militantes do MST receberam você e a ideia do livro?
Nepomuceno - Foi muito rápido. Eles se dispuseram a
ajudar em tudo e eu pus duas condições. Primeiro, eles não poriam um
tostão. Segundo, teriam direito a ver o livro quando estivesse pronto e
fazer correções factuais, mas não de opinião. Antes de ir a Marabá
[cidade próxima de Eldorado], passei por Brasília para conversar com uma
repórter que testemunhou tudo, e de lá fui para Marabá. Depois, passei
por Belém, aí já para entrevistas com advogados dos réus, políticos,
gente que estava no governo na época do massacre.
R7 - As condições de segurança foram uma dificuldade?
Nepomuceno - Foi um negócio muito complicado, porque
eles falavam muito da questão da segurança. Eu cobri guerra, guerrilha, e
achava que estavam exagerando. Tanto que o combinado foi que eu ficaria
no máximo cinco dias em Marabá, por questão de segurança. Eu achava
aquilo um exagero, mas era verdade. O negócio é de uma violência
palpável no ar. Fui à vila várias vezes e a todas as cidadezinhas,
conversei muito com as pessoas. Fiz a viagem acompanhado de um motorista
e um suposto segurança, era um cara desarmado.
R7 - Mas você, em algum momento, chegou a ser diretamente ameaçado?
Nepomuceno - Não. Não houve telefonemas misteriosos de
madrugada, nada disso. Mas era uma coisa bastante ostensiva. Às vezes eu
saía pra comer e era tão ostensivo que não me causava medo. Mas em
nenhum momento houve alguma ameaça direta. Quando o livro saiu, tinham
me advertido muito, de que agora viria o perigo, mas não aconteceu nada.
Depois voltei a Belém uma ou duas vezes para palestras e nada. O que,
sim, me chamou a atenção foi o silêncio da imprensa. Foi um livro que
não existiu.