Os cientistas sociais e políticos já identificaram o fenômeno:  movimentos sociais novos que se formam e difundem rapidamente,  expressando as mais variadas questões cidadãs, absolutamente fora da  iniciativa ou do controle dos partidos ou forças políticas organizadas.  Um detalhe: não estamos falando apenas do Brasil, mas do mundo inteiro.
Evidencia-se que os partidos políticos, sem exceção, não acompanharam  a velocidade das transformações sociais, perderam a capacidade de se  colocar na “vanguarda” de tais movimentos. Não se identificam forças  políticas que tenham organizado tais movimentos nem nas marchas em curso  no Brasil, muito menos nas revoltas dos países árabes ou em protestos  na Espanha. 
Poderíamos nos acomodar com explicações tecnológicas da “Era  da  Informação”, fascinados com o fenômeno da internet por exemplo. Mas  ficaria faltando explicarmos o absoluto desinteresse desses jovens pela  política partidária, por mais que os novos políticos se apropriem desse  instrumento, como fez Obama na campanha que surpreendeu os  americanos  mais conservadores.
O que falta ser dito é que não basta os partidos se atualizarem,  seria necessário que os jovens acreditassem neles como instrumentos de  transformação social. Existe uma “memória acumulada” da civilização e  ela depõe contra os políticos, os partidos e as doutrinas mais  conhecidas, como assassinos de sonhos e traidores de ideais, burocratas  que usam seus povos como “massa de manobra” para suas aspirações ao  poder. 
Os jovens estão  mais desiludidos, são mais desconfiados em relação  às instituições. Não querem se deixar levar por bandeiras que não tenham  partido deles, não querem consagrar líderes que depois de conquistar o  poder no “establishment” se esqueçam ou, pior, se voltem contra eles.
Exemplos na História não faltam. Numa carta de Proudhon a Marx, em  1846, esse profetiza o risco da distorção do movimento socialista.  Proudhon, como que antecipando o stalinismo, propõe que “iniciemos sim  uma boa e leal polêmica; tentemos dar ao mundo um exemplo de tolerância  sábia e perspicaz, mas não nos transformemos, pelo simples fato de que  somos os líderes de um movimento, em líderes de uma nova forma de  intolerância; não posemos de apóstolos de uma nova religião, mesmo que  seja a religião da lógica e da razão”. Marx descartou essa e outras  preocupações de
Proudhon como as de um “pequeno burguês”, rótulo que  ainda “cola” naquele entre as esquerdas tradicionais, até hoje. Poucos  cientistas políticos se aprofundaram no estudo dos debates entre os  dois, como fez F.C. Prestes Motta em “Burocracia e Autogestão”,  obra  que não é a favor de um nem de outro, mas uma busca por decifrar as  questões sociais em sua relação com a economia política.
George Orwell em “1984”, Aldous Huxley em “Admirável Mundo Novo” e  mesmo José Lutzemberger no seu Manifesto Ecológico (de 1970)  profetizaram o mundo do século XXI, da “sociedade de massas” dominada  por sistemas burocráticos voltados para o controle político da  população, não para as necessidades reais desta. Paul Singer nos explica  que a China e a Rússia não seriam consideradas por Marx como  socialistas mas sim como um Capitalismo de Estado, onde a ausência da  burguesia fez com que o Estado assumisse o papel de industrialização (de  economias feudais) e de patrão dos trabalhadores, a burocracia estatal.  
Nem Marx, nem Freud (fetiches dos intelectuais no século XX) ou a  soma dos dois tem respostas para o século XXI. Não é novidade, mas  precisa ser dito com todas as letras que fracassaram as fórmulas  prontas. Outro profeta do estado atual de coisas, Rollo May, já  antecipava em “A Coragem de Criar” o descrédito nos valores tradicionais  e o vazio de alternativas. Como as teorias pré-prontas não satisfazem  mais, teremos de ter a coragem de criar novas formas de pensar o mundo,  desafio do qual não podemos fugir.  
Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 27/06/2011