Sempre defendi o fim da obrigatoriedade do diploma de
jornalismo para o exercício da profissão, confirmado pelo Supremo
Tribunal Federal em junho de 2009.
Neste mês, o Senado aprovou em segundo turno, por 60 votos a 4, a
proposta de emenda constitucional 33/2009 que torna necessário,
novamente, o diploma. A PEC ainda precisa passar pela Câmara dos
Deputados, mas há uma chance da obrigatoriedade voltar, o que tem feito
algumas pessoas chiarem, outras comemorarem. Li algumas análises de
colegas, com posições de um lado e de outro, e resolvi retomar alguns
pontos que, há tempos, martelei por aqui.
Tenho plena convicção de que a atividade jornalística não deve ser
monopólio de quem é diplomado, podendo ser realizada por quem não passou
por uma cadeira de faculdade. Um professor de jornalismo falando isso
pode ser um pouco chocante, eu sei, mas vamos aos fatos. Conheci,
andando por esse Brasil, muita gente que nunca viu um diploma, mas que é
mais jornalista com um microfone de uma rádio comunitária na mão,
fazendo um pequeno jornal mural ou com um pequeno blog de notícias do
que alguns que passaram quatro anos nos bancos de universidades e hoje
refestelam-se atrás de cartões de visita, bloquinhos timbrados e um nome
conhecido – seja de redação grande ou pequena. Refletir sobre sua
própria prática, dentro de uma ética específica, sabendo o que significa
o papel de intermediar a informação na sociedade e ter a consciência
dos direitos e deveres atrelados à liberdade de expressão são desafios
que não são aprendidos necessariamente na academia. Ou em uma redação.
Ao mesmo tempo, com as novas tecnologias da comunicação e a
possibilidade de todos se tornarem difusores de notícias e analistas de
fatos, o nosso jornalismo está tendo que se reinventar. A decisão do STF
veio em um momento interessante, de mudança.
O que não significa, contudo, desprezar a escola de jornalismo como
local de estudo, pesquisa e reflexão da profissão e de seu ethos.
Técnicas podem ser passadas no dia-a-dia de uma redação e em cursos de
treinamento de jornalistas das empresas de comunicação. É a parte fácil
da formação. Mas há outras coisas que o mercado não entende ou permite
(pois passa pela subversão de seus próprios princípios) que precisam de
um local para florescer. Falta muito para que tenhamos escolas de
jornalismo que sejam um espaço real de debate e contestação e não de
reprodução de modelos. Locais que não produzam tijolos para muros ou
engrenagens para máquinas… Mas isso não significa que esses locais não
precisem existir.
O curso superior ou de pós-graduação continuará tendo sua função e,
hoje, se tivesse que escolher, faria novamente a faculdade, mesmo com as
deficiências, os problemas e a falta de vontade de professores e
alunos, com os quais a gente tem que se deparar. E com minha própria
arrogância de não entender tudo o que tentaram me dizer (a gente acha
que sabe tudo aos 18…)
Não quero tentar esgotar esse tema, que é vastíssimo. Até porque
também deveria ganhar importância a discussão sobre outras maneiras de
formar profissionais, com espaços para reflexão da profissão para além
daquela oferecida pelo curso superior, como em outros países. Outro
debate importante é que já passou do tempo de nossa categoria aceitar em
seus sindicatos, em definitivo, quem não tem diploma. Muitos destes
trabalham e lutam pela dignidade da profissão, mais do que vários que
ostentam seus certificados em moldura dourada, mas não são reconhecidos
pelos próprios colegas.
O que me deixa um tanto quanto cabreiro é que, neste momento, em que o
debate saudavelmente ganha a arena pública por conta do avanço da
proposta no Congresso, a tentativa de fazer valer um ponto de vista ou
outro está sendo feito com base em argumentação questionável. Na época
da votação no STF, o ministro Gilmar Mendes, na defesa do fim da
obrigatoriedade, afirmou que “a profissão de jornalista não oferece
perigo de dano à coletividade tais como medicina, engenharia, advocacia –
nesse sentido por não implicar tais riscos não poderia exigir um
diploma para exercer a profissão”. Na última semana, li diversos colegas
usarem a mesma linha de raciocínio, verificando que Gilmar fez escola
ou aprendeu com ela.
(Antes de mais nada, perguntar não ofende: se não oferece perigo, por que ele reclama tanto de nós?)
Discordo dessa linha de argumentação. Na minha opinião, ter um
diploma em jornalismo não significa exercer a profissão com mais ou
menos ética – considerando que a maioria de nós, que fazemos grandes
besteiras, frequentamos faculdades. Mas, sim, o exercício do jornalismo
pode causar danos mais amplos, profundos e duradouros do que a queda de
uma ponte ou um erro médico. A incompetência, preguiça ou má fé de nós,
jornalistas, pode acabar com vidas de um dia para noite, ajudar a
derrubar governos, detonar guerras, justificar genocídios. E a capivara
de crimes cometidos por nós, jornalistas, seria melhor conhecida se não
fossemos os responsáveis por fazer a informação chegar à mesma sociedade
que nos condenaria. Afinal, fomos os iluminados que fizeram a ponte
entre a notícia e você. Até agora, é claro, pois está sendo muito
didático para muita gente ter as matérias desmentidas em rede e online…
A profissão com maior potencial de dano não é o cerne da discussão.
Muito menos se estudar o jornalismo em uma faculdade é fundamental ou
não. E sim de que forma nós, jornalistas, podemos garantir que a
sociedade receba a melhor informação possível para tomar suas decisões,
com ou sem diploma, com ou sem uma empresa de comunicação por trás. Ou
como garantir, de fato, que nós, jornalistas, sejamos responsabilizados
por danos causados a terceiros erroneamente. E como nós, jornalistas,
possamos nos enxergar como trabalhadores e não como patrões. E, talvez o
mais importante, como fazer com que nós, jornalistas, possamos entender
que não somos observadores independentes da realidade. Somos parte do
tecido social, quer gostemos dele ou não.