Por Guilherme C. Delgado no Jornal Brasil de Fato
Uma  consequência indireta da articulação ruralista-parlamentar para  afrouxamento na legislação ambiental florestal é um tácito relançamento  da questão agrária ao debate público dos grandes meios de comunicação,  mesmo que os publicistas que tratam desses problemas não se deem conta.  Na verdade o que está em jogo na discussão  do Código Florestal é o  controle público- privado do território, onde os direitos de propriedade  fundiária não podem ignorar o caráter social e público dos recursos  naturais que integram continuamente esse território.
 
Por seu  turno, ao reduzir em geral as áreas de mata ciliar (no entorno dos rios)  e dispensar as propriedades com até quatro módulos rurais das chamadas  Áreas de Preservação Permanente (topos e encostas de morros e mata  ciliar), ao mesmo tempo em que propõe forte descentralização estadual,  municipal para cuidar de biomas nacionais – Amazonas, Cerrados,  Caatinga, Pantanal etc (ou plurinacionais), o Relatório de Aldo Rebelo  conseguiu a proeza desunir partes e peças do agronegócio, até bem pouco  coesas e omissas na política agrária da função social da propriedade  rural.
 
A Embrapa por intermédio de suas unidades de meio ambiente  subsidiou fortemente a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências,  alertando e contestando as pretensões do Relatório de Rebelo, fazendo  inclusive previsões nada lisonjeiras sobre a perda de biodiversidade e  às consequências desastrosas sobre hidrologia e aumento do efeito  estufa, das ações propostas pelos ruralistas.
 
A própria mídia  televisiva, à frente a Rede Globo de Televisão, deu destaque e cobertura  jornalística informativa profissional às questões levantadas pelo  Relatório Rebelo, algo que já vinha sendo feito  pela grande mídia  impressa, permitindo aos telespectadores e leitores formar juízos sobre  ação pública em curso na esfera parlamentar.
Ora, com o  tratamento democrático da informação, num campo em que se lida com  interesses classistas muito arraigados – o do agronegócio – produziu-se  um curioso processo de formação de opinião pública, que de certa forma  ameaça a estratégia ruralista original, que é de eliminar  qualquer  restrição social e ambiental aos direitos privados absolutos.
O  governo federal, que até o presente se manteve na sombra, tem ou teria  uma oportunidade de ouro para alterar as bases de sua aliança  conservadora com os ruralistas, não estivesse ele próprio envolvido nas  tratativas da “reforma” do Código Florestal, urdidas no governo Lula,  sob a égide do então Ministro da Agricultura, Reynold Stephanes.
 
O  que está ficando cada vez mais claro é uma pequena fratura no pacto do  agronegócio, no qual a questão ambiental, seja por pressão urbana,  oriunda da intuição dos riscos climáticos associados, seja pela  legítima  pressão externa, ligada aos impactos do efeito estufa,  estariam recolocando na agenda política os novos componentes da velha  questão agrária. Mas não tenhamos ilusões com a elite do poder,  incluindo os novos sócios, agregados no último decênio. Não está em  pauta reverter a aliança das cadeias agroindustriais, grandes  proprietários fundiários e o Estado brasileiro para exportar  “commodities” a qualquer custo, que é em essência a estratégia do  agronegócio brasileiro. Mas talvez não se deixar engolir pelas  extravagâncias deste pacto conservador.
  
De qualquer forma é muito  didática a discussão do Código Florestal ora em curso, porque ela trata  indiretamente mas essencialmente dos direitos de propriedade fundiária,  aflorando até mesmo um conceito praticamente em desuso – o do  minifúndio, que é utilizado pelos ruralistas como argumento para isenção  de pequenos imóveis rurais de cumprir a exigência de Áreas de  Preservação Permanente (APPs), tese inteiramente resolvida há 55 anos no  Estatuto da Terra.
 
Infelizmente o que não está em discussão é a  absoluta frouxidão das políticas fundiária e ambiental de cumprir e  fazer cumprir as regras de direito agrário e ambiental, que são ponto de  partida para se conviver civilizadamente no presente e muito mais ainda  no futuro. Mesmo assim, o Relatório Rebelo pretende afrouxar ainda  mais, aplicando provavelmente  a estratégia de “por e tirar o bode da  sala principal”.